17. A primeira lição
Miguel guiava Gabriel em direção a um estabelecimento que mais parecia um clube de dança. A fila se estendia pela calçada, repleta de pessoas. Humanos, pelo que Gabriel podia perceber. Ele parou, congelado por um instante, enquanto flashes do quarto de seu melhor amigo invadiam sua mente. Um nó se formou em sua garganta.
Será que estou pronto para isso?
Miguel olhou para trás, apenas para confirmar se o jovem vampiro ainda o seguia. Com um olhar firme, ordenou silenciosamente que Gabriel continuasse. O rapaz apressou o passo. Quando chegaram à entrada, um segurança corpulento, parado como uma estátua, lançou um olhar longo para Gabriel, depois para Miguel.
Sem dizer uma palavra, Miguel balançou a cabeça. O guarda destrancou a porta maciça de ferro, revelando um interior lotado, onde as luzes pulsantes da boate pareciam dançar no ritmo da música ensurdecedora. Alguns jovens na fila protestaram, indignados ao ver os dois atravessarem a entrada sem sequer esperar. Gabriel sentiu o peso da vergonha, mas Miguel seguia inabalável.
Desde que saíram do cemitério, nenhum dos dois havia trocado palavras. Quando finalmente se detiveram, Miguel se virou para Gabriel, analisando-o da cabeça aos pés. Depois, sua atenção foi atraída por uma jovem recepcionista de aparência impecável.
— Afonso deixou algo para mim? — murmurou, inclinando-se para sussurrar próximo ao rosto da moça.
Seu hálito fresco fez a jovem se arrepiar. Ela piscou rapidamente, olhou para Miguel e depois para Gabriel antes de assentir.
— Está no andar VIP. É só subir aquelas escadas. — Apontou para uma escadaria iluminada pelas luzes dançantes da boate.
Miguel agradeceu com um leve aceno e chamou Gabriel com um gesto. O jovem o seguiu em silêncio, sem entender o que havia para aprender em um lugar como aquele.
A dupla subiu lado a lado. Durante o trajeto, mãos ousadas — tanto de mulheres quanto de homens — deslizaram pelo corpo de ambos, deixando Gabriel visivelmente desconfortável.
Chegaram ao topo da escada, onde cortinas de persianas vermelhas separavam o espaço. O som estrondoso da música diminuiu, como se fosse apenas um eco distante. Miguel parou e pousou a mão sobre o ombro de Gabriel.
— Entre. Precisamos resolver essas... roupas — disse, com um toque de desdém.
Gabriel assentiu, confuso. Observou o mais velho desaparecer entre as cortinas, mas não o seguiu de imediato. Lançou um último olhar para o andar inferior, notando que ninguém mais os acompanhara até ali. Aquele lugar parecia reservado.
— Vamos! O sol não vai esperar porque você ainda está indeciso! — a voz de Miguel o puxou de seus devaneios.
Gabriel atravessou as persianas vermelhas e se deparou com um lounge amplo e luxuoso, decorado com poltronas elegantes e uma iluminação intimista. Vampiros estavam sentados, acompanhados de humanos que pareciam oferecer seus corpos para serem drenados. O cheiro de sangue misturado à luxúria fez algo dentro de Gabriel despertar.
Miguel o aguardava mais adiante, segurando uma sacola.
— O que é isso? — perguntou Gabriel.
— O que parece? — retrucou Miguel, apontando para os outros vampiros, que agora observavam a dupla.
— Por que estamos aqui?
— Lição número um sobre nossa sociedade: alimente-se apenas em locais sob nossa influência, onde ninguém questiona os meios. Este é o território de Afonso, e ele é o dono do lugar.
Gabriel assimilava as informações, impressionado. A ideia de vampiros controlarem um submundo invisível aos humanos parecia algo tirado de um filme. Há apenas um mês, ele riria se alguém mencionasse a existência de vampiros, fantasmas ou lobisomens. Agora, ele era parte daquela realidade.
— Troque essas roupas. — Miguel apontou para uma cabine próxima.
O jovem pegou a sacola e seguiu até a porta vermelha indicada. Sentiu um arrepio ao tocar a maçaneta, hesitante.
— Pelo amor de Deus, ande logo! Ainda precisamos voltar ao complexo! — Miguel gritou, impaciente.
Dentro da cabine, Gabriel encontrou um espaço luxuoso, com espelhos por todos os lados e um banco de couro. Ele abriu a sacola e puxou as roupas, impressionado com a qualidade das peças. O tecido era elegante, como algo que um estilista de renome escolheria.
Seria esse Afonso um designer?
Tentou não se perder em pensamentos. Precisavam sair dali antes do amanhecer. Retirou suas roupas sujas e vestiu as novas peças: uma calça de couro preta, flexível e ajustada ao corpo, seguida por uma camisa de malha fina e translúcida. Ele se observou no espelho, satisfeito com o resultado.
Talvez eu possa me acostumar com isso...
Quando retornou ao lounge, Miguel abriu um sorriso de aprovação. Até mesmo a recepcionista pareceu impressionada.
— E agora? — perguntou Gabriel.
— Agora, nos alimentamos. — Miguel pousou a mão em seu ombro, conduzindo-o de volta pelas persianas.
Ao descerem as escadas, Gabriel sentiu os olhares sobre si. Mãos femininas tocaram seus braços, e olhares masculinos cheios de desejo se voltaram para ele. O ar estava carregado de luxúria, e antes que percebesse, seus olhos ficaram vermelhos, as presas visíveis sob seus lábios.
— Nossa... você é lindo... — murmurou uma mulher mais velha, arrastando as unhas pelo tecido fino da camisa.
Gabriel recuou, desconcertado.
— O que está acontecendo? — sussurrou para Miguel.
— Muitos aqui desejam a chance de experimentar o lounge... e farão o que for preciso para chamar nossa atenção.
— Mas vão descobrir o que somos!
Miguel riu, um som baixo e irônico.
— Aqui, garoto, isso não importa.
Enquanto Miguel desaparecia com uma das mulheres, Gabriel foi abordado por outro desconhecido. Este tinha olhos claros maquiados de roxo e uma barba cintilante de glitter. Aproximou-se demais, com os dedos deslizando pelo pescoço e torso de Gabriel.
— Vai me escolher? — perguntou o estranho, mordendo o lábio.
Gabriel o encarou, dividido entre o passado que o assombrava e o presente que o convidava a se libertar.
Foda-se.
Gabriel puxou o rapaz, e os dois se beijaram intensamente nas escadas. As mãos exploravam com urgência os contornos de seus corpos, como se tentassem apagar qualquer distância que os separasse. O estranho deixou um rastro de beijos pelo ombro de Gabriel, cada um incendiando algo profundo dentro do vampiro, como brasas consumindo as últimas vestígios de vergonha ou dúvida que ainda o amarravam. Pela primeira vez, Gabriel sentiu-se completamente entregue à sua nova natureza.
O desconhecido voltou a encontrar os lábios de Gabriel, refazendo o caminho dos beijos em ordem inversa. Gabriel mordiscou o lábio fino do rapaz, deixando uma gota de sangue escapar. Assim que o gosto metálico e quente se espalhou por sua boca, uma onda de arrepio percorreu seu corpo. O vampiro interrompeu o beijo e fitou o jovem à sua frente, que lambia o lábio machucado, os olhos famintos ainda fixos nele.
— Vamos? — Gabriel perguntou, estendendo a mão. O rapaz a segurou, seus dedos magros e longos envolvendo os de Gabriel.
Eles subiram pelas mesmas escadas onde Miguel havia passado momentos antes, atravessando a cortina vermelha que separava os mortais dos vampiros. O lounge era um contraste à pista de dança; a música era baixa, suave, quase hipnótica. Assim que entraram, Miguel lançou um olhar de aprovação para Gabriel, que guiou seu companheiro até um dos sofás escondidos, longe das luzes brilhantes e das distrações mundanas.
Sentados, a intensidade voltou com força. As mãos exploraram novamente, os beijos se tornaram ferozes, cada toque carregado de uma energia quase selvagem. O rapaz, ofegante, desabotoou a camisa de Gabriel, revelando sua pele bronzeada como noz-moscada. A visão parecia enlouquecê-lo ainda mais, e ele deixou escapar um suspiro de desejo.
Gabriel segurou o queixo do jovem com delicadeza, guiando seu rosto para um novo beijo. O toque era possessivo, intenso. Suas mãos deslizaram pela coxa do rapaz, apertando com força suficiente para arrancar um pequeno espasmo de prazer. Lentamente, o vampiro desceu os lábios pelo pescoço do jovem até que, com precisão predatória, o mordeu. O rapaz deixou escapar um gemido abafado, mas não recuou. Pelo contrário, inclinou o pescoço, oferecendo-se ainda mais.
O sangue quente fluiu, preenchendo a boca de Gabriel com sua textura metálica. Ele bebia com avidez, sentindo o calor se espalhar por seu corpo como fogo líquido. Era viciante. Então, as memórias começaram a invadir sua mente, como flashes impossíveis de ignorar.
Na visão, o rapaz aparecia na fila do clube, observando com inveja enquanto seus amigos eram escolhidos para subir ao lounge, enquanto ele permanecia à margem. Ele nunca havia visto Gabriel antes, mas, no instante em que o notou vagando livremente entre os dois mundos, um misto de fascínio e ódio tomou conta dele. Ele queria ser como Gabriel, mesmo sem saber o que isso significava.
De repente, a fraqueza tomou conta do jovem, e um medo primal o atingiu. Gabriel, com toda sua beleza feroz, parecia agora um predador faminto. O abraço se tornou mais apertado, as unhas do vampiro perfurando a carne macia do rapaz, que tentou resistir, mas sua força era inútil. Ele queria gritar, mas sua voz parecia presa na garganta.
Então, uma mão firme pousou no ombro de Gabriel, arrancando-o da presa com um único movimento. O jovem caiu no chão do lounge, assustado, ofegante, enquanto encarava Gabriel com olhos arregalados e aterrorizados.
— Vocês... são todos vampiros! — Ele balbuciou, olhando ao redor e percebendo outros como ele, entregues ao prazer de estarem com os predadores, sem saberem o preço real que pagavam.
Miguel surgiu como uma sombra por trás do rapaz. Com um movimento ágil, ergueu-o com uma mão, apesar da diferença de tamanho e peso. Aproximou-se de seu ouvido e sussurrou:
— Tudo isso não passou de um sonho... — A voz era hipnótica, irresistível. — Você bebeu demais e exagerou nas drogas...
O rapaz acenou em concordância, sem questionar. Miguel abaixou-o ao chão com cuidado e mordeu o próprio pulso, oferecendo o sangue ao jovem. Gabriel observava a cena, chocado, enquanto a ferida no pescoço do rapaz se fechava diante de seus olhos, como mágica.
— O que você fez? — Gabriel perguntou, a voz carregada de confusão e medo.
Miguel virou-se para ele, os olhos sombrios e frios como a noite.
— Outra regra importante no clube: saiba quando parar. — A voz era dura, mas carregava um tom de lição. — Se eu não tivesse interferido, você teria matado esse rapaz. E Afonso não gosta de ter que explicar corpos sem sangue à polícia...
— Eu... eu entendi isso, mas como você o acalmou? E o que foi aquilo no seu pulso? — Gabriel estava cheio de perguntas, sentindo que compreendia menos a cada minuto.
Miguel suspirou, desgostoso.
— O básico, Gabriel. Primeiro, você precisa aprender o básico. Nosso sangue possui propriedades curativas para os humanos. Sempre que se alimentar, dê um pouco dele. Isso impede que a pessoa morra por hemorragia e evita problemas... desagradáveis.
Miguel fez um sinal para um dos seguranças na entrada, que imediatamente entendeu a ordem. Sem dizer uma palavra, o homem corpulento pegou o rapaz desacordado e desapareceu na agitação do clube. Gabriel ficou parado, tentando absorver tudo.
A noite parecia mais longa agora, e o peso do que significava ser um vampiro finalmente começava a assentar em seus ombros.
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