16. A palavra é prata, mas o silêncio vale ouro
Gabriel avançava com passos rápidos, seus olhos atentos sondavam cada viela do cemitério. Era um lugar diferente daquele em que passara sua primeira noite como vampiro, mas a sensação de inquietude persistia. Tudo parecia vazio, mas ele não conseguia se livrar da impressão de que havia olhares cravados em sua nuca. Ainda assim, esses olhares não lhe pareciam hostis; havia algo mais ali, talvez medo ou curiosidade.
— Você certamente adquiriu um gosto peculiar em sua nova vida — comentou Miguel, quebrando o silêncio com uma voz carregada de desdém.
O outro vampiro, mais baixo que Gabriel, caminhava ao seu lado com desinteresse. Não tinha pressa alguma, tampouco urgência em deixar aquele lugar. Para ele, acompanhar o novato sob sua tutela era apenas uma obrigação, embora, até então, uma tarefa insuportavelmente tediosa.
— Talvez só estejam com medo de se aproximar... — retorquiu Gabriel, lançando um olhar breve para Miguel. O mais velho estava distraído, observando o mausoléu à sua esquerda. — Sabe... por sua causa.
Miguel sequer reagiu à provocação. Continuou a analisar a arquitetura simples do cemitério, que não tinha o charme antigo ou a grandiosidade dos mausoléus que Gabriel vira no Cemitério da Consolação.
— Isso é perda de tempo — disse Miguel com indiferença. Percebeu o olhar de reprovação de Gabriel, mas deu de ombros. — Não se preocupe, você e seu amigo logo se reencontrarão.
As palavras do vampiro mais velho atingiram Gabriel em cheio, obrigando-o a parar de andar. Em um impulso, aproximou-se de Miguel, tentando intimidá-lo. A diferença de estatura parecia favorecer Gabriel, mas Miguel não se moveu. Não piscou, não recuou, sequer ergueu uma sobrancelha. Pelo contrário, deu um passo à frente, invadindo ainda mais o espaço pessoal do novato.
— Você precisa aprender bons modos, garoto... — advertiu Miguel com frieza. — Mas, se isso vai te acalmar, podemos passar e encontrar seus amigos. Tenho certeza de que aqueles fantasmas estão sempre metendo o nariz onde não devem.
Miguel deu-lhe uma leve batida no ombro antes de se afastar, deixando Gabriel parado por um instante.
Os dois caminharam pelas ruas movimentadas da metrópole em direção ao cemitério onde Gabriel fora encontrado na noite anterior. Assim que atravessaram os portões de ferro desgastados, o rapaz notou a diferença. O local estava mais vivo — ou, melhor dizendo, mais agitado. Os fantasmas retomaram suas rotinas após a súbita invasão de Ophélia e seus seguidores.
Os murmúrios cessaram quando Gabriel foi avistado cruzando os portões, com Miguel logo atrás, como uma sombra silenciosa.
— Seu João? Joana? — chamou Gabriel, buscando rostos familiares.
— Olha só, o garoto ainda está entre nós — disse Fernando, avaliando Gabriel com uma expressão cínica.
Em pouco tempo, os outros fantasmas apareceram, formando um círculo ao redor do jovem vampiro. Os olhos fixos nele pareciam julgá-lo, mas também carregavam curiosidade.
— E então, como foi? — perguntou Joana, claramente interessada. Seus olhos perscrutaram Gabriel, mas logo pousaram em Miguel. — E quem é esse belo rapaz?
Antes que Gabriel pudesse responder, Joana desapareceu de sua frente e reapareceu ao lado de Miguel, inclinando-se curiosa.
— E-eu estou com ele... — Gabriel começou, a voz hesitante.
— Uau, vocês realmente não perdem tempo! — Fernando retrucou, lançando um olhar de reprovação.
— Não é nada disso que vocês estão pensando! — Gabriel rebateu, desesperado. Se ainda fosse humano, suas bochechas estariam ruborizadas. Olhou para Miguel, procurando apoio, mas o outro apenas devolveu um olhar severo, que aumentou ainda mais sua aflição. — Ele é de um dos clãs. Se ofereceu para ser meu mentor...
O silêncio que se seguiu àquela revelação era quase palpável. Um a um, os fantasmas desapareceram, sumindo no ar como vapor. Joana foi a última a partir, soltando o braço de Miguel com relutância antes de se desfazer no vazio.
Agora, o cemitério, que momentos atrás parecia pulsar com vida espectral, estava vazio mais uma vez.
— Sempre tão receptivos... — comentou Miguel com sarcasmo, enquanto ajustava o colarinho do casaco.
Gabriel, em silêncio, apenas encarava o espaço onde seus amigos fantasmas estiveram momentos antes. Mais uma vez, sentia-se só.
— Esperem! Nós não faremos mal algum! — gritou o rapaz, erguendo os braços em um gesto de rendição. — Só quero esclarecer uma coisa! — acrescentou, a voz firme. Isabel foi a única que ousou se materializar diante do jovem vampiro.
A mulher, envolta em um vestido longo e rendado, fitava Miguel com intensidade. Gabriel sentiu a tensão no ar, como se fosse um manto sufocante. Se Isabel pretendesse causar algum mal a Miguel, a batalha já teria começado.
— Confio em você, pequeno sanguessuga. — Isabel voltou-se para Gabriel, a serenidade em seu tom contrastando com o olhar furioso que lançou a Miguel. — Mas nele... não confiamos! — disse, com a voz carregada de desdém.
— Por isso vocês permanecem aqui, presos. Estão consumidos pelo ressentimento — provocou Miguel, o tom sarcástico.
O cemitério, antes silencioso, mergulhou em caos. Vozes de fantasmas ecoaram em protesto, como um coro de indignação crescente. Gabriel observava, horrorizado, enquanto a mera presença de Miguel inflamava a discórdia. O que os Sete Clãs haviam feito para gerar tamanha mágoa?
— Não estamos presos por nossa vontade! É por culpa de criaturas como você — bradou Joana, avançando para tentar acertar Miguel. O soco, contudo, atravessou o rosto do vampiro, ineficaz como o vento.
— Por favor, pessoal... — Gabriel implorou, mas suas palavras foram abafadas pelo tumulto.
Miguel permaneceu imóvel, o rosto entediado. Finalmente, Gabriel virou-se para ele e, sem rodeios, pediu:
— Pode nos dar licença?
Miguel arqueou uma sobrancelha, contrariado, mas cedeu. Aproximou-se de Gabriel e advertiu:
— Dez minutos. E depois vou te ensinar algo importante.
Com um movimento rápido, Miguel desapareceu, deixando o ambiente menos carregado. Gabriel suspirou, aliviado.
— Essa foi por pouco... — murmurou. Isabel, porém, não compartilhou de sua leveza.
— Me diga que isso não é verdade! — Joana reapareceu, segurando os braços de Gabriel com força. — Você não se aliou àqueles sanguessugas, não é?
Gabriel evitou seus olhos profundos, desviando o olhar para o chão. Sua voz saiu baixa, quase um sussurro.
— É temporário... pelo menos até decidirem me destruir de vez.
Joana arregalou os olhos, a angústia transbordando.
— Não confie neles! — suplicou, a voz trêmula. Isabel fez coro:
— Nada de bom vem de criaturas como eles.
— Vou tomar cuidado — prometeu Gabriel, embora sua atenção estivesse no muro do cemitério, onde Miguel provavelmente aguardava.
— O que te trouxe aqui, querido? — A voz serena de Isabel cortou o silêncio.
Gabriel piscou, surpreso. Por um momento, havia esquecido o verdadeiro motivo de sua visita.
— Ah, claro... — começou, recuperando-se. — Vocês viram por aqui a alma de um rapaz, mais ou menos dessa altura? — gesticulou, indicando a altura de Diego, ligeiramente menor que ele.
Os fantasmas trocaram olhares curiosos. Isabel vasculhou suas lembranças, mas não conseguia recordar de nenhuma alma nova nos últimos dias.
— Quem seria ele? — perguntou Fernando, intrigado.
— Diego, meu amigo... — A voz de Gabriel falhou, e ele desviou o olhar. A culpa apertava seu peito como garras afiadas. O rosto de Jonathan surgia em sua mente, com aquele sorriso cínico ao anunciar a morte de Diego, sem remorso ou compaixão.
— Não me diga que... — começou Joana, hesitante.
— Sim. — Gabriel confirmou, a voz carregada de dor. — Eles o mataram.
O cemitério mergulhou em uma melancolia pesada. Cada espírito parecia compartilhar da tristeza de Gabriel.
— Você já procurou em outros lugares? — questionou Seu João.
— Quase todos, desde que me liberaram... mas nada. Não o encontro.
— Tem certeza de que ele morreu? — perguntou Isabel, a preocupação estampada no rosto.
Gabriel hesitou, mas a possibilidade o fez estremecer.
— Você acha que... o transformaram?
— Temo que sim — disse Isabel, pesarosa.
— Ou enfeitiçaram algum dos lacaios — acrescentou Joana, com amargura. Os outros fantasmas lançaram-lhe olhares reprovadores. — Que foi? Vocês sabem que não se pode confiar nos Sete Clãs! — concluiu, cuspindo no chão.
— Não busque respostas agora — aconselhou Fernando, colocando sua mão magra no ombro de Gabriel. — Já viu onde isso te levou. Aprenda o que precisa e, depois, faça o que tem de fazer.
O velho fantasma apertou o ombro de Gabriel com gentileza, demonstrando solidariedade. Ele sabia o peso daquela dor; já a havia sentido em vida.
— Pelo menos sei que ninguém do clã teve a ver com minha criação... — revelou Gabriel, intrigando os fantasmas.
— Como assim? — perguntou Isabel, surpresa.
— Quando os confrontei, os líderes ficaram alarmados. Negaram qualquer envolvimento.
— Isso só torna tudo mais perigoso — alertou Isabel, o semblante sombrio.
— Ficaremos atentos por aqui — disse Joana, apesar do medo evidente.
— Se outro vampiro está agindo fora do controle...
— É uma declaração de guerra aos Sete Clãs — completou Miguel, reaparecendo subitamente. Sua presença fez os fantasmas recuarem instintivamente.
— Miguel?! — Gabriel exclamou, surpreso.
— Seu tempo acabou. Não complique as coisas — advertiu Miguel, segurando a gola de Gabriel e lançando-lhe um olhar ameaçador. — Você está falando demais.
— Ele tem razão — concordou Joana, segurando as mãos de Gabriel com firmeza. — Não fale disso para mais ninguém.
— Ouça sua amiga — Miguel reforçou. — Você já atraiu atenção suficiente... e não pelos motivos certos.
Sem mais palavras, Miguel e Gabriel desapareceram como sombras na escuridão. Os fantasmas ficaram estáticos, impotentes, apenas observando.
— Se cuide, querido... — sussurrou Joana, tocando o ar onde Gabriel estivera momentos antes.
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