12. Espera
O céu estrelado perdia, uma a uma, suas luzes naturais, enquanto o mundo ao redor dele mergulhava lentamente em completa escuridão. Retornar àquele lugar era como encarar o próprio medo personificado. Da primeira vez, teve certeza de que perderia a sanidade, e agora, lá estava novamente, imerso no vazio sufocante.
Isso não pode estar acontecendo...
Desta vez, porém, algo era diferente. O silêncio absoluto que antes o envolvera foi rompido por sons dispersos: passos leves, guinchos esparsos e o murmúrio de água corrente ecoavam por todos os lados. Ele sentiu a pele arrepiar-se, um arrepio que não era apenas medo, mas algo que reconhecia como estranho e anormal. Era como se o próprio ambiente pulsasse com vida, uma energia nova e desconcertante.
Gabriel fechou os olhos por um momento, tentando ancorar-se em suas memórias. Conseguiu lembrar-se de seus amigos — ou, pelo menos, daqueles que conhecera em sua nova existência. Estavam no cemitério, inofensivos, ou assim acreditava, até que aqueles homens os abordaram.
O corpo dele ainda trazia os resquícios das sensações daquela noite: o impacto cortante de algo perfurando sua carne, o calor viscoso do sangue escorrendo, e até o gosto metálico de sua própria essência vital. Agora, porém, estava novamente à mercê da escuridão sufocante que parecia querer consumi-lo.
Como da primeira vez, começou a caminhar. Não fazia sentido correr em desespero — aprendera isso. Precisava seguir os sons. E não demorou a encontrar a porta vermelha. Estava no mesmo lugar de antes, mas algo nela havia mudado. O vermelho parecia mais vibrante, quase pulsante, como se tivesse vida própria.
Os sons, antes dispersos, agora se concentravam ali. As inscrições na madeira, que outrora pareciam apenas marcas indistintas, estavam mais profundas e detalhadas, lembrando uma linguagem estranha e indecifrável. Gabriel não hesitou. Ele sabia o que esperava do outro lado. Girou a maçaneta gelada, atravessando o portal escarlate.
Ao abrir os olhos, foi inundado por sensações familiares. Os passos que ouvira eram fáceis de identificar: o cheiro no ar não deixava dúvidas. As guinadas pertenciam aos ratos que infestavam o local, as mesmas criaturas que o acompanharam em sua primeira noite como morto-vivo.
Tentou mover os braços, mas percebeu, com alarme, que algo frio e doloroso o prendia. Grilhões brilhantes e prateados envolviam seus pulsos e tornozelos. A sensação era tão insuportável quanto inexplicável: embora gelados, queimavam como brasas vivas contra sua pele.
Instintivamente, levou a mão ao peito, onde esperava encontrar a ferida causada pela estaca de madeira. Mas não havia nada. Nem sinal do ferimento. Apenas a marca de sangue seco na camiseta confirmava que aquilo não era um delírio.
Como isso é possível?
Com esforço, levantou-se e olhou ao redor. Nada ali se parecia com a cripta onde passara aquela fatídica noite. As paredes ao seu redor eram cavernosas, cheias de umidade e cobertas pelo cheiro opressivo de mofo e ratos. Uma luz fraca e trêmula iluminava o espaço precariamente, revelando barras de ferro que o mantinham enclausurado. Ele estava em uma cela.
Sou um prisioneiro?
A constatação o deixou alerta. Tentou evocar sua força natural, aquela que o definia desde que se tornara o que era. Mas nada aconteceu. Nem mesmo um vestígio de poder veio à tona.
Tropeçando nos próprios pés, Gabriel foi até as grades. Agarrou os ferros gelados com ambas as mãos, testando a resistência da estrutura. Mas não havia fraqueza. Não havia saída. A frustração o dominou, e, sem conseguir se conter, soltou um rosnado que ecoou pela caverna, abafado pela escuridão que o cercava.
— Esqueça... é inútil... — Uma voz feminina ecoou da cela ao lado, carregada de tédio.
— Não custa tentar... — Gabriel murmurou, determinado.
— Nem se você ficasse dias chacoalhando isso, não levaria a lugar algum.
— Por quê? Não sou tão frágil assim. — Ele se encheu de um orgulho raro, que soava deslocado em sua voz juvenil.
— Isso pouco importa. De nada adianta... são feitas de prata. — A mulher apontou para os grilhões que prendiam os pulsos e tornozelos dele.
Gabriel encarou a estranha sentada no fundo da cela à frente. Encolhida como se o próprio corpo fosse uma fortaleza, ela exalava um cansaço que parecia ter décadas.
— Prata? — Ele franziu a testa, confuso.
— Parece que alguém não fez o dever de casa.
— Quer fazer sentido?! — Gabriel perdeu a paciência.
— Simples: não nos mata, mas, em contato com a pele... — Ela interrompeu a frase, coçando o pulso marcado. — ...machuca. E nos deixa... impotentes.
Ele absorveu a informação com relutância.
— Quem seria capaz de deter dois vampiros saudáveis?
— Posso listar uma dúzia, mas vou resumir para poupar energia... — Ela ergueu os olhos, que finalmente encontraram os dele. — O Conselho dos Sete.
Gabriel repetiu o nome em um sussurro, ruminando o peso daquelas palavras.
— Ótimo! Tenho tantas perguntas... — Ele tentou soar animado, mas a própria voz soou deslocada naquela masmorra lúgubre.
— Não tem nada de ótimo nisso, vampiro burro! — A mulher o cortou, sua voz quase um grito. — É o fim da linha. Adeus, imortalidade.
Ela balançou os grilhões nos pulsos, como se quisesse enfatizar sua sentença.
Gabriel engoliu em seco, tentando manter a confiança.
— Se fossem nos destruir, já teriam feito isso, não acha?
— É mesmo? — Ela arqueou uma sobrancelha cética. — Acha que vai provar sua inocência? O julgamento é só um teatro. A decisão deles já está tomada.
O silêncio preencheu o espaço entre eles, cortante como uma lâmina. Gabriel queria acreditar que havia uma saída, mas, olhando para sua companheira de cela, sentiu a fé se esvair.
O tempo na masmorra parecia infinito. Minutos transformavam-se em horas, e a incerteza o corroía. Então, passos ecoaram pelo corredor, acompanhados pelo ruído metálico de correntes.
— Foi bom bater papo com você, vampiro otimista... — A mulher disse com um sorriso fraco enquanto os guardas a arrastavam para longe.
Gabriel não respondeu. Apenas observou, o coração martelando no peito, enquanto ela desaparecia além da sua visão.
Os gritos começaram momentos depois. Estridentes, carregados de dor. O cheiro de carne queimando preencheu o ar, um misto agridoce que revirou o estômago de Gabriel. Ele lutou contra os grilhões, mas a prata apenas queimava sua pele ainda mais.
— Qual a chance de acreditarem em mim? — murmurou para si mesmo, quase em um lamento.
O silêncio voltou, quebrado apenas pelos próprios pensamentos tortuosos de Gabriel. Então, passos aproximaram-se novamente.
— Garoto, você é o próximo. — A voz grave do guarda soou como um trovão.
Gabriel engoliu em seco, sentindo a garganta apertar. Quando a porta da cela se abriu com um rangido sinistro, seu corpo estremeceu.
Os guardas o puxaram, ignorando suas pernas trêmulas. Ele mal conseguia acompanhar o ritmo, tropeçando a cada passo, enquanto subiam uma longa escadaria de pedra.
Finalmente, chegaram a uma câmara iluminada por tochas. Um homem de postura altiva, vestido de negro, avaliou Gabriel com um olhar de puro desdém.
— Ajeitem-no para a audiência. — A voz carregava desprezo. — Sua aparência está... deplorável.
Os guardas o despiram sem cerimônia, deixando-o vulnerável. Uma mulher com a cabeça raspada e tatuagens elaboradas ligou uma mangueira, disparando um jato de água gélida contra o corpo magro de Gabriel.
— Não tente nada estúpido, ou morrerá aqui mesmo — alertou o homem de preto.
Quando a água cessou, vestiram Gabriel com uma túnica cerimonial escura. Os grilhões voltaram aos seus pulsos, e ele foi conduzido, agora em silêncio, por outro lance de escadas.
O som de vozes crescia à medida que se aproximavam. Finalmente, pararam diante de uma porta maciça de pedra, ornada com símbolos antigos. Gabriel reconheceu alguns deles, lembrando-se da estranha porta vermelha que vira antes.
— Tragam o réu! — A voz trovejante do outro lado fez Gabriel estremecer.
Os guardas abriram a porta, empurrando-o para dentro. O coração do jovem vampiro batia como tambores de guerra, enquanto seus olhos encontravam o círculo de figuras sombrias que o aguardavam para decidir seu destino.
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