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11. Aquele maldito dia

Aquela tarde fugia completamente do normal. Uma hora atrás, o sol ardia impiedoso sobre São Paulo, e de repente, o céu escureceu como se alguém houvesse puxado uma cortina negra sobre a cidade. O dia, tão vibrante e caloroso, deu lugar a uma noite antecipada, iluminada apenas pelos clarões de raios que cortavam os céus. Trovões ecoavam como se fossem o rufar de tambores de uma tempestade furiosa. Era desconcertante, sobretudo porque a previsão do tempo havia prometido mais um dia seco e ensolarado.

A chuva caía forte, formando poças que cresciam em uma velocidade assombrosa, enquanto pessoas corriam em todas as direções, buscando abrigo desesperadamente. Entre elas estava Jéssica, uma jovem de vinte e poucos anos, caminhando apressada e sempre lançando olhares inquietos para trás. Seus cabelos avermelhados estavam grudados no rosto, as roupas ensopadas colavam-se ao corpo, e os sapatos encharcados a faziam praguejar baixinho. Detestava meias molhadas.

Mal podia acreditar no que estava acontecendo. Minutos atrás, conversava tranquilamente com os amigos, e, de repente, eles começaram a desaparecer, um a um, sem explicação. Tudo havia começado com a chuva, como se ela fosse o prenúncio de algo muito pior.

Jéssica atravessava a multidão apressada, esbarrando em pessoas que se amontoavam sob marquises de bares, fachadas de lojas ou qualquer outro lugar que oferecesse proteção. Na mão trêmula, segurava o telefone e digitava furiosa uma mensagem para o namorado, Caio, que deveria ter ido encontrá-la na saída do trabalho. Ele não apareceu.

Caralho, mano... onde você tá, Caio?! — xingou mentalmente, enquanto olhava ao redor, sentindo um arrepio que a fazia apertar o passo.

Quando olhou para trás mais uma vez, viu apenas as silhuetas indistintas de pessoas fugindo da chuva. Apesar disso, a sensação de estar sendo observada persistia, crescendo como um nó em seu estômago. A distração foi tamanha que ela esbarrou num homem corpulento que também corria, derrubando o celular no impacto.

— Merda! — exclamou, frustrada, abaixando-se para procurar o aparelho no chão.

Ao levantar o olhar, algo chamou sua atenção: uma figura parada no meio da chuva, vestida inteiramente de preto, com uma capa e um capuz que ocultavam seu rosto. A jovem podia jurar que havia um brilho vermelho sinistro por trás do capuz. O arrepio percorreu sua espinha como um choque.

Deixando o telefone de lado, virou-se e correu sem pensar duas vezes. Em sua mente, desejava encontrar um policial ou, melhor ainda, Caio. Ele saberia o que fazer. Ele sempre sabia.

Ao dobrar uma esquina, a esperança deu lugar ao pavor absoluto.

Aquela figura estava lá, parada diante dela. Agora, podia enxergar com mais clareza. O rosto, embora humano, parecia... errado. A pele era vivida demais, os olhos carmesins brilhavam de forma inumana, e o sorriso que esboçava era tão macabro que parecia algo saído de um pesadelo.

— O que você quer?! — sua voz saiu trêmula, denunciando o medo que a consumia.

O estranho nada disse. Apenas a observava, seu olhar percorrendo o corpo pequeno da jovem, cujas roupas molhadas destacavam suas curvas. Ele levantou a mão e tocou seu rosto. O toque era desconcertante, uma mistura entre o frio e o quente, como algo que não deveria existir.

— Ah, como eu amo quando o Conselheiro visita a cidade... — murmurou ele, jogando a cabeça para trás e rindo enquanto deixava a chuva escorrer por seu rosto.

— Me solta! — gritou ela, tentando se desvencilhar, mas a força do estranho era incomum. — E-eu vou gritar! — ameaçou, embora soubesse que sua voz se perderia na tempestade.

O estranho apenas riu, um som rouco e perturbador.

Dobrando a esquina, Caio apareceu com o telefone em mãos. Vestindo roupas casuais, ele parou ao ver sua namorada sendo segurada por um homem estranho. A confusão estampou seu rosto, e, antes que pudesse reagir, algo impossível aconteceu.

Uma lufada de vento percorreu a rua, e a figura encapuzada desapareceu junto com Jéssica. Caio ficou imóvel, encarando o espaço vazio onde ela estava segundos atrás.

— Jéssica! — gritou em desespero, a voz ecoando na tempestade. O telefone escorregou de sua mão e caiu no chão, produzindo um som oco. As pessoas ao redor pararam e o encararam, mas ninguém parecia entender o que havia acontecido.

Naquela tarde, Caio testemunhou algo que não deveria. E Jéssica, onde quer que estivesse, sabia que sua vida nunca mais seria a mesma.

Rodrigues estava ao volante da viatura, enquanto sua companheira descansava no banco do passageiro. As imagens vívidas da entrevista com o jovem que havia sobrevivido a um ataque ainda ocupavam a mente do policial. Aparentemente, o agressor era um traficante, mas algo no caso não fazia sentido. Por que alguém se jogaria do quarto andar? E como, afinal, nenhum sinal do agressor foi encontrado na cena da suposta queda?

Seus dedos tamborilavam no volante enquanto ele esperava o semáforo abrir. Do outro lado do para-brisas, a chuva castigava incessantemente, e os limpadores lutavam para manter a visão desobstruída.

— Para de pensar nisso... — resmungou sua parceira, ajeitando-se no banco ao lado. — Esse tipo de coisa é trabalho dos investigadores.

— Mas, com sua experiência, você não acha que há algo muito errado nesse caso? — retrucou Rodrigues, sem tirar os olhos da rua.

— Claro que tem algo errado. Mas, hoje em dia, o mundo inteiro tá errado. — Ela suspirou, encostando a cabeça no vidro frio da janela.

Lemos, sua parceira, era praticamente uma veterana da corporação, embora detestasse assumir responsabilidades. Seu nome já havia sido indicado várias vezes para comandar a delegacia, mas ela sempre dava um jeito de escapar dessas oportunidades. O último delegado, irritado com sua relutância, decidiu colocá-la de volta na linha de frente, emparelhando-a com Rodrigues, ainda novato na corporação.

Rodrigues havia ingressado na polícia militar com notas excepcionais no último concurso público, o que trouxe orgulho não só para ele, mas também para sua família, que acompanhou de perto seus anos de dedicação e estudo. Desde criança, ele sonhava em ser policial, fascinado por filmes e séries sobre o tema. Quando teve a chance de entrar para o Exército aos dezoito anos, recusou, pois sabia que seu destino estava nas ruas. Depois de muitas idas e vindas, conseguiu a dispensa e focou na carreira de policial.

A súbita voz no rádio interrompeu os pensamentos de ambos:
— Atenção, unidades próximas à Avenida Brigadeiro Luís Antônio... Pessoas estão reportando um rapaz em surto. Alguém na área pode verificar?

Rodrigues pegou o rádio e respondeu prontamente:
— Cabo Rodrigues, copio.

— Rodrigues? — A voz do outro lado soou surpresa. — Podem averiguar a ocorrência?

— Já estamos a caminho.

Rodrigues ligou a sirene e fez o retorno antes de alcançar o próximo cruzamento.
— Parece que o mundo enlouqueceu de vez hoje... — comentou, enquanto acelerava pela via molhada.

— Talvez seja o tal dia do julgamento que andam falando — ironizou Lemos, ativando o giroflex e prendendo o cinto.

Rodrigues era conhecido por suas habilidades ao volante. Mesmo sendo novo na corporação, já havia liderado duas perseguições que terminaram com os suspeitos capturados. Lemos não podia deixar de admirar a destreza do parceiro ao dirigir. Ele, geralmente descontraído e amigável, transformava-se em alguém sério e focado quando estava atrás do volante.

As ruas do centro de São Paulo estavam caóticas. Pessoas corriam de um lado para o outro, buscando abrigo da chuva em pontos de ônibus, bares e lojas lotadas. Poucos tinham guarda-chuvas; o restante parecia estar em guerra contra o clima.

— Acho que encontramos a ocorrência — disse Lemos, apontando para uma pequena aglomeração na calçada.

Rodrigues encostou a viatura no acostamento e desceu, sinalizando para que Lemos o acompanhasse. Ela saiu com a arma em punho, enquanto Rodrigues caminhava devagar, pedindo que abrissem espaço.

— Vocês não viram?! Não viram?! — um rapaz gritava, visivelmente transtornado. — Ele a levou!

— O que está acontecendo aqui? — perguntou Lemos em tom autoritário.

Uma mulher de cabelos negros respondeu:
— Ele começou a gritar de repente, dizendo que levaram a namorada...

— É verdade! — gritou o rapaz, aproximando-se de Rodrigues.

Instintivamente, Lemos apontou a arma para ele, mas Rodrigues levantou a mão, pedindo que ela esperasse.

— Ela estava bem na minha frente! Ela e um cara esquisito, usando uma capa de chuva preta... — contou o jovem, quase sem fôlego. — Nem tive tempo de reagir! Eles desapareceram, como num truque de mágica. Sei que isso soa maluco, mas juro que é verdade!

Lemos suspirou, visivelmente cética. Já havia visto muitos casos semelhantes: namoradas fugindo de parceiros abusivos e, dias depois, o corpo delas aparecendo em algum lugar. Para ela, era apenas mais um relato desesperado de alguém tentando encobrir a própria culpa. Rodrigues, porém, parecia enxergar algo mais.

— Precisamos registrar isso — disse ele, pegando o rádio. — Possível testemunha de sequestro na Brigadeiro Luís Antônio.

A resposta veio rápido, autorizando que levassem o jovem para a delegacia. Rodrigues e Lemos decidiram conduzir tanto o rapaz quanto a mulher que estava ao lado dele até lá, para coletar depoimentos.

Antes de entrar na viatura, Rodrigues trocou um olhar com a parceira. Não precisavam de palavras para se entender: mais um caso estranho em um dia que já parecia anormal.

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