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10. Consequências de uma vida amaldiçoada

— Isso não vai virar uma daquelas reuniões em círculo, vai? — perguntou Fernando, com um tom de puro desgosto.

Joana, decidida a organizar uma reunião de última hora, ignorava o olhar fulminante do fantasma de bigodes finos. Ele já havia tentado dissuadi-la, mas, sem sucesso, decidiu apenas transferir sua frustração para a próxima vítima ao lado de Joana. Isabel, com sua postura neutra de sempre, não se opôs diretamente à ideia, mas também não a apoiou com entusiasmo.

— Gente, sério, isso não é necessário! — insistiu Gabriel, tentando evitar o inevitável, mas foi ignorado por completo.

Sem dar ouvidos, Joana entrelaçou o braço no do vampiro e conduziu o grupo até uma lápide que ela considerava "a mais bonita do cemitério". Os fantasmas, curiosos, seguiram-na, formando uma roda em volta de um banco de pedra onde Gabriel foi colocado, contra sua vontade, como o centro das atenções. O rapaz lançou um olhar implorante ao redor, em busca de aliados, mas a única alma que parecia compartilhar de sua irritação era o ranzinza Fernando.

— Deem espaço! A doutora chegou... — anunciou João, de braços dados com uma jovem que parecia ter saído diretamente do mesmo século que Gabriel, considerando as roupas que ela usava, emprestadas por Diego na noite anterior.

— Oh, um vampiro! — exclamou a jovem, radiante. — Seu João me contou muito sobre você!

— Não sei se isso é bom ou preocupante... — murmurou Gabriel, com seu tom habitual de ironia.

— Vamos lá, compartilhe conosco o que te aflige — pediu a "doutora", sentando-se ao lado dele, com uma doçura que parecia desarmar até os mais endurecidos.

— Nem sei por onde começar... — respondeu Gabriel, envergonhado.

— Pelo começo, oras! — exclamou João, gesticulando dramaticamente.

— Certo... Bem, acho que alguns de vocês sabem que estive buscando respostas. Quero descobrir quem me matou e me transformou em vampiro. — Gabriel fez uma pausa, medindo suas palavras enquanto todos ao redor assentiam em silêncio.

— E descobriu alguma coisa? — perguntou Joana, oferecendo um sorriso encorajador.

— Ora, homem, pra quê tanto suspense? Fala logo! — explodiu Fernando, impaciente.

Os fantasmas caíram na gargalhada, achando graça do fato de que o mais ranzinza entre eles estava tão curioso quanto uma comadre em dia de fofoca quente.

— Visitei minha mãe uma noite... — começou Gabriel, fazendo todos ao redor suspirarem em uníssono com um sonoro "ó!".

— Você desconfiava da sua própria mãe? — perguntou Joana, chocada.

— Claro que não! Só... senti saudade. Queria ouvir a voz dela, sentir o cheiro dela, vê-la... — explicou ele, a voz embargada. Apesar de sua nova condição, Gabriel ainda era, no fundo, apenas um jovem perdido, agarrado às lembranças de sua antiga vida.

— Sentir falta de alguém que amamos é normal, principalmente quando a separação é tão brusca quanto foi a sua. Você está vivendo o seu luto — disse a doutora com tanta delicadeza que todos ao redor suspiraram.

— Ela é um anjo no cemitério, não é? — comentou João, completamente encantado.

— Sim, mas ela tem idade pra ser sua bisneta — retrucou Fernando, ríspido, trazendo o homem de volta à realidade.

— Vamos focar no Gabriel, por favor? — repreendeu a jovem, com firmeza, mas sem perder a doçura.

Fernando e João trocaram olhares e se calaram imediatamente, como crianças que acabavam de levar uma bronca.

— Durante essa visita, encontrei meu melhor amigo — continuou Gabriel, hesitante. — Ele parecia... diferente, como se guardasse um segredo.

Os fantasmas ficaram em silêncio, atentos. Fernando, agora completamente envolvido, apoiou os cotovelos nos joelhos e o rosto nas mãos.

— E você o seguiu? — perguntou Isabel, tentando disfarçar o interesse.

— Segui... e acabei bebendo o sangue dele — admitiu Gabriel, desviando o olhar para o chão.

Os murmúrios começaram de imediato:

— Pobre rapaz...
— Que destino cruel...
— Que Deus o tenha...

— Eu consigo ouvir vocês... — disse Gabriel, sem graça.

Todos imediatamente começaram a elogiar o quanto o cemitério era bonito à noite, tentando disfarçar.

— Eu não o matei... acho. Mas ele descobriu o que eu sou — revelou Gabriel, com a voz tremendo.

— Então, ele sabe que você é um vampiro? — perguntou a doutora.

— Sim, e... descobri algo mais. — Ele fez uma pausa, lutando para encontrar as palavras. — Nos beijamos na noite em que eu morri.

Um silêncio pesado tomou conta do grupo, seguido por suspiros dramáticos. Alguns fantasmas entrelaçaram as mãos, emocionados com o que interpretaram como uma trágica história de amor.

— Isso é tão... romântico — disse Joana, os olhos brilhando.

— Vocês namoravam? — perguntou Isabel, incrédula.

— Não! Foi só um beijo, na balada. Nada além disso.

— Esses jovens de hoje em dia... — murmurou Isabel, com um tom de reprovação.

— E como se isso não fosse ruim o suficiente, a mãe dele quase nos pegou juntos.

— Ela viu vocês se beijando? — perguntou a doutora, tão curiosa quanto os outros.

— Não, ela apareceu logo depois que eu bebi o sangue dele — explicou Gabriel, sentindo o peso da vergonha e das lembranças.

— Isso parece Romeu e Julieta! — exclamou Joana, encantada.

— Vocês deveriam ter visto o olhar dele... — Gabriel continuou, quase para si mesmo. — Ele ficou mais chocado por eu lembrar do beijo do que pelo fato de eu ser um vampiro.

O grupo suspirou novamente, mas desta vez, com um misto de pena e frustração pela situação.

— Ah... esses romances trágicos... — comentou João, enquanto os outros acenavam, concordando em silêncio.

— Será que alguém algum dia não me verá como um monstro? — Gabriel perguntou, a voz carregada de tristeza, enquanto seus olhos se fixavam no chão.

Os fantasmas ao redor se entreolharam, desconfortáveis. Quiseram dizer algo que o reconfortasse, mas as palavras pareciam fugir. O silêncio pesado os envolveu, e até mesmo os mais brincalhões entre eles sucumbiram a uma melancolia coletiva.

— Tudo bem se quiser chorar, filho. Aqui ninguém julgará a sua dor. — A voz grave e inesperadamente gentil de Fernando quebrou o silêncio, deixando todos surpresos. O fantasma rabugento raramente demonstrava tal empatia.

Gabriel não resistiu mais. Desabou. Deixou que todo o peso de sua dor escapasse como um rio rompendo uma represa. Os fantasmas o cercaram em silêncio, entendendo que palavras eram desnecessárias naquele momento. A presença deles, por si só, era um conforto para que Gabriel permitisse a si mesmo um momento de fragilidade.

Era uma cena rara: um vampiro mostrando sua humanidade perdida. Gabriel chorava não apenas pelo que havia deixado para trás — a vida que um dia teve, as pessoas que perdeu — mas também pelo desconhecido que agora enfrentava. Ele era um estranho em um mundo sombrio, cheio de regras que não compreendia.

João foi o primeiro a se aproximar. Colocou uma mão encorajada sobre o ombro de Gabriel e deu-lhe tapinhas leves, quase paternais. Um a um, os outros fantasmas se juntaram a ele, formando um abraço coletivo. A melancolia que pairava começou a se dissipar.

Quando as lágrimas secaram, os fantasmas compartilharam histórias de suas próprias vidas e mortes. Gabriel ouvia com fascínio, maravilhado com as experiências de outras épocas, costumes e os encontros que cada um deles teve com o sobrenatural. Porém, uma pergunta começou a incomodá-lo: por que ele era diferente? Por que não conseguia se lembrar de quem o transformara ou como havia morrido?

— Vocês todos sabiam como morreram assim que perceberam que estavam mortos? — Gabriel perguntou, a curiosidade misturada ao desconforto.

Os fantasmas trocaram olhares surpresos.

— Bem... Acho que é natural lembrar da última coisa que se viu — respondeu Isabel, examinando Gabriel com cautela. Algo naquela história parecia fora do lugar, e ela também começava a desconfiar.

— Você nem sabe o nome do vampiro que o transformou? — Fernando perguntou, intrigado.

— Não — Gabriel admitiu, sentindo-se ainda mais pequeno diante da reprovação que percebia.

— Esses jovens de hoje... Não é à toa que morrem tão facilmente. Vivem se enfiando em qualquer festa barulhenta e promíscua! — Isabel comentou, balançando a cabeça.

Gabriel abaixou os olhos, sentindo o peso das palavras. Ele era, de fato, um novato desamparado em um mundo hostil.

— Olha, garoto, se vale um conselho... Esqueça essa história. E seja mais discreto daqui para frente — disse Joana, apertando suavemente a mão dele.

Antes que Gabriel pudesse responder, uma voz desconhecida interrompeu a conversa:

— Uau, este mundo nunca para de me surpreender...

Todos se viraram, alarmados. Caminhando com uma tranquilidade inquietante, surgiu uma mulher deslumbrante. Seus cabelos dourados caíam em ondas perfeitas sobre os ombros, e o vestido negro ajustado valorizava suas curvas. Um casaco branco com uma gola de pelinhos completava o visual, conferindo-lhe uma elegância fria.

— O que você quer? — Gabriel perguntou, seus sentidos em alerta.

A intrusa não respondeu de imediato. Seus olhos percorreram cada fantasma ao redor antes de se fixarem no vampiro.

— Para alguém que nos deu tanto trabalho para cobrir os rastros, confesso que esperava mais maturidade... — disse, avaliando Gabriel com desdém.

Os fantasmas desapareceram de imediato, deixando Gabriel sozinho com a mulher. Ele tentou chamá-los, mas o medo já os havia feito fugir.

— É tudo verdade! — Gabriel exclamou, seus olhos brilhando em um último esforço para intimidá-la.

Ela apenas riu, sem demonstrar o menor interesse por sua ameaça.

— Que adorável... Mas seja um bom garoto e obedeça aos adultos, está bem?

Com um gesto discreto da mulher, duas sombras surgiram atrás de Gabriel. Ele tentou reagir, mas era tarde demais. Uma dor lancinante atravessou seu peito, e quando olhou para baixo, viu a estaca de madeira perfurando-o.

Seu sangue escorria pela ferida e pelos lábios, e suas forças o abandonavam. A mulher o observava com desprezo, como se ele fosse uma criatura patética e insignificante.

— Que desperdício... — murmurou ela.

Gabriel tombou no chão, a escuridão o envolvendo mais uma vez. O mundo ao seu redor desapareceu em um vazio silencioso e angustiante. Ninguém gritaria por ele naquela noite. E ninguém viria ao seu socorro.

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