06. Encontro
Sobre um prédio distante dos olhares curiosos, Gabriel observava a hamburgueria que ele e seus amigos costumavam frequentar após exaustivos ensaios. O cheiro adocicado do perfume de Diego o guiara até aquele local. De lá, o vampiro tentava focar em seu sentido auditivo; precisava descobrir o que o rapaz escondia.
Ele captava o som de conversas paralelas misturadas à música que tocava dentro do estabelecimento, ao estalar das chapas enquanto os cozinheiros fritavam bacon e ovos. O aroma dos lanches parecia invadir suas narinas, apesar de Gabriel saber que comida humana já não despertava nenhum estímulo em si. Foi então que viu Diego sair para a rua. O rapaz escolheu um local mais afastado das mesas externas do estabelecimento e, ali, acendeu um cigarro.
Gabriel observava o melhor amigo. Notou que Diego parecia perturbado e concluiu que algo o estava tirando o sono, já que ele tinha agora grandes olheiras e os olhos fundos. No entanto, não se lembrava de Diego ter o hábito de fumar, especialmente porque ele sempre prezara por uma vida saudável.
Em pouco tempo, o rapaz fumou pelo menos três cigarros seguidos, e suas mãos tremiam. Gabriel não sabia se era por causa do frio ou por outro motivo.
— Você está péssimo! — alguém se aproximou de Diego.
A jovem cumprimentou o rapaz com um beijo no rosto, e ele retribuiu o gesto. Em seguida, ela o encarou fixamente, estudando seu rosto, que era ligeiramente mais alto que o dela.
Cris?
Gabriel espantou-se ao reconhecer a amiga. Diferente de Diego, ela não parecia tão abatida. Tinha mudado a cor do cabelo novamente; agora exibia mechas azuis próximas à nuca. Gabriel ficou fascinado com a descoberta. Sentiu o aroma de gardênias, rosas e violetas. Apesar da predominância floral, havia algo sofisticado e elegante no perfume que ela usava.
Então este é o seu cheiro! — ponderou, farejando o ar e captando fragmentos da brisa gelada do fim de inverno.
— Há quanto tempo você não dorme, não come? Como consegue se manter assim? — perguntou Cris, convidando Diego a entrar. Ele permaneceu em silêncio, desviou o olhar e sorriu de forma diferente do habitual. Havia tristeza em seu semblante. Algo não estava certo.
Gabriel os viu entrar na hamburgueria, mas não conseguia mais ouvir o que diziam. Sentiu-se frustrado por sua incapacidade de controlar os dons vampíricos.
— Eu acabei de visitar a dona Cláudia — revelou Diego.
A declaração fez Cris se levantar imediatamente, mesmo tendo acabado de se sentar próximo à janela. Ela inclinou-se na direção do amigo, visivelmente indignada, e deu um tapa no braço esquerdo dele.
— Você fez o quê? — perguntou, exaltada.
— Eu precisava desabafar... — Diego respondeu, enquanto lágrimas começavam a escorrer por seus olhos castanhos e cansados. — Se ao menos eu não tivesse agido daquela forma, talvez ele não tivesse se afastado da gente...
Cris lançou um olhar de pena para o amigo. Sabia o quanto ele ainda se culpava pela morte de Gabriel, mas achava extremamente insensível da parte dele incomodar uma mãe que acabara de perder o único filho.
— Escuta, nada daquilo teve a ver com a morte dele. Você não é culpado... — disse ela, apertando a mão do amigo. Olhou ao redor, certificando-se de que ninguém os ouvia, antes de continuar: — Foi apenas um mal-entendido...
Diego desviou o olhar, inconsolável.
— Porra... mas você sabe como ele ficava quando se magoava... — disse, e algumas pessoas ao redor começaram a notar o rapaz abatido chorar abertamente. — Quanto tempo será que ele ficou lá?
Cris não conseguia se acostumar com a visão do amigo desmoronando. Diego nunca fora do tipo sentimental. A única vez que o viu chorar daquela forma foi quando reconheceram o corpo de Gabriel no necrotério do Instituto Médico Legal.
Preciso saber sobre o que eles estão conversando...
O jovem vampiro sentia sua fome crescer a cada segundo, enquanto seus amigos permaneciam dentro da hamburgueria, sabe-se lá falando sobre o quê. A visão de Gabriel ficava cada vez mais turva, e suas forças estavam prestes a se esgotar.
— Beba... — sussurrou aquela voz maldita em sua mente.
Se pudesse, ele desligaria aquele desejo insuportável que o assombrava a cada instante, sussurrando sugestões tão repugnantes quanto irresistíveis. Afundado no desespero, afastou-se da beirada do prédio e lançou um soco furioso contra a parede de concreto do outro lado. O impacto chamou a atenção de várias pessoas que passavam pela rua, mas, ao olharem para cima, não viram ninguém.
Gabriel golpeou a parede novamente. Queria, a qualquer custo, silenciar aquela voz torturante e impedir que a fome tomasse o controle de seu corpo outra vez.
Temia pela vida de seus amigos. Sentou-se de costas para a parede danificada pelos próprios golpes, cobriu a cabeça com as mãos e fechou os olhos. Encolheu as pernas até o rosto, escondendo-se em seguida. Os sons da cidade — mastigação, carros, música, televisões — transformaram-se em uma cacofonia insuportável. Os cheiros também não ajudavam; tudo remetia àquilo que ele mais desejava e temia. Imagens sanguinolentas de Cris e Diego, caídos e inertes, invadiam sua mente enquanto ele se imaginava banqueteando-se no sangue deles.
Beba, beba, beba, beba... Sangue é vida, sangue é vida, sangue é vida...
Os cadáveres de seus amigos repetiam essas palavras como uma cantiga saída do inferno. Com os pulsos feridos, eles os estendiam ao vampiro que, paralisado e sedento, os encarava. No fundo, Gabriel os desejava — e, ao mesmo tempo, sentia um profundo nojo de si mesmo.
— ME DEIXEM EM PAZ!!! — rugiu, seus olhos inflamados de raiva. Seu semblante cadavérico tomou feições ainda mais aterradoras.
De repente, a cidade parecia mais brilhante, como se estivesse iluminada por completo. Gabriel sentiu-se tomado por um frenesi avassalador. Correu até o parapeito onde estivera antes e, com seus sentidos aguçados, conseguiu distinguir formas avermelhadas e azuladas à distância. Cada conversa dentro e fora da hamburgueria chegava a ele com clareza, e o ar trazia um aroma que reconhecia: Cris e Diego já não estavam mais lá.
Quando eles saíram?
— Droga! — gritou, furioso. Seu corpo era tomado por uma mistura de euforia, fome, raiva e frustração.
Inspirou profundamente, tentando localizar o rastro dos amigos. Fechou os olhos e viu, como num negativo fotográfico, a cidade cheia de manchas que representavam cheiros, vozes e movimentos. Ele encontrou o que buscava: o doce perfume de Cris e os outros aromas familiares ao redor dela.
Um sorriso quase maníaco tomou conta de seu rosto. Seus olhos estavam completamente vermelhos, e suas presas prontas. Gabriel correu e se jogou do alto do prédio. O impacto da queda ecoou na rua abaixo, alarmes soaram, e pessoas gritaram assustadas. Mas, antes que pudessem reagir, o vampiro desapareceu na escuridão, perseguindo o aroma de seus amigos pelas ruas de Pinheiros.
Parou de repente.
Lá estão eles! Seu coração batia violentamente no peito; sentia-se agitado como nunca.
Gabriel os viu: Diego e Cris esperavam em um ponto de ônibus, cercados por algumas pessoas. Logo, Cris abraçou o amigo e entrou em um dos ônibus. Gabriel esperava que Diego permanecesse ali, mas ele começou a caminhar em direção ao metrô.
— O que você está tramando, Diego? — murmurou para si mesmo.
Diego agora estava sozinho, salvo por alguns poucos carros na rua e pedestres dispersos. Sentindo-se observado, virou-se subitamente e congelou. Seus olhos se arregalaram ao encontrar a figura que parecia ser Gabriel.
Era impossível... Gabriel estava morto.
Lágrimas encheram os olhos de Diego, que começou a chorar compulsivamente. O alívio por ver o amigo vivo foi logo tomado pela culpa e pelo remorso. Mas algo estava errado. A figura diante dele, embora se parecesse com Gabriel, exalava uma maldade inconfundível. Os olhos, como brasas, eram aterrorizantes. A pele, pálida e enrugada, conferia-lhe um aspecto monstruoso.
Tomado pelo susto, Diego caiu sentado no chão. Gabriel, por sua vez, permaneceu imóvel, encarando-o com olhos arregalados.
— Você está morto! — gritou Diego, completamente apavorado.
Sem esperar uma resposta, levantou-se e correu o mais rápido que pôde, desaparecendo na noite.
Diego caminhava às pressas em direção ao portão do enorme prédio de tons creme e marrom. Sua respiração estava ofegante, o suor escorria por seu rosto, os olhos marejados, e as mãos tremiam descontroladamente. De tempos em tempos, ele olhava para trás, como se quisesse se certificar de que ninguém o seguia. Repetia para si mesmo, como um mantra:
Você está vendo coisas!
Não tem como aquilo ser o Gabriel!
É só saudade... falta de sono! Sua mente perturbada está pregando peças.
Ao chegar ao portão, Diego apertou o botão do interfone por engano. Percebeu, então, que precisava pressionar sua digital para acessar o condomínio.
— Tudo bem com você? — perguntou Raul, o porteiro do prédio. Ele tinha um bigode farto e grisalho, era tão alto quanto Diego e um pouco mais robusto. — Parece que viu um fantasma!
— O que disse? — Diego respondeu, confuso.
— Que parece que viu um fantasma! Tá até pálido.
— É... devo ter visto um...
— Tem certeza de que está bem?
— Estou sim, Raul! Vê se não me enche! — Diego retrucou, irritado.
Com dificuldade, abriu o primeiro portão, fechando-o logo em seguida, como se isso pudesse garantir sua segurança. Continuava olhando na direção de onde viera, as mãos agarradas às barras do portão com tanta força que seus dedos doíam. Raul o observava em silêncio, sabendo que o rapaz estava abalado desde a morte do melhor amigo. No entanto, nunca o tinha visto tão transtornado.
— Não deixe mais ninguém entrar, ok?
As palavras de Diego soaram confusas para o porteiro. Afinal, as pessoas tinham o direito de ir e vir. Não podia simplesmente barrar entradas por causa de um pedido estranho, vindo de alguém que parecia fora de si.
Com pressa, Diego atravessou o estacionamento do condomínio, quase tropeçando nas próprias pernas ao tentar olhar para trás. Caminhava em direção ao bloco onde morava, enquanto Raul continuava a observá-lo de longe, incerto sobre chamar a polícia ou notificar a mãe do rapaz sobre o estado do filho.
Mesmo sem ver ninguém, Diego não conseguia se livrar da sensação de estar sendo seguido. O incômodo era sufocante. Com dificuldade, abriu a porta de vidro do bloco e lançou mais um olhar para trás. Foi quando o viu: Gabriel.
— Fique longe de mim!!! — gritou, empurrando a porta com o ombro para entrar no saguão.
Desequilibrado, Diego tombou no chão, batendo o corpo violentamente contra o piso. O choro veio incontrolável, seu peito parecia prestes a explodir. Ele se arrastou pelo chão, lutando para se levantar. Aos tropeços, foi até o elevador, apertando o botão para subir repetidas vezes. Entre um olhar para a porta de vidro e outro para a do elevador, não via mais nada.
Um barulho ecoou. As portas do elevador se abriram, e Diego se jogou para dentro, arfando de medo. Apertou o botão para fechar as portas repetidamente, enquanto seu corpo tremia. Um arrepio percorreu sua nuca. Olhou para baixo, as calças e os tênis estavam ensopados.
— Que merda! Só pode ser uma piada maldita! — murmurou, soltando uma risada nervosa.
Como Gabriel, morto, poderia estar caminhando como ele?
Ele olhou para o reflexo na parede metálica do elevador e congelou. Atrás de si, havia uma outra silhueta. O coração quase parou. Lentamente, virou a cabeça e deparou-se com Gabriel.
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