VII - O Instituto de Pesquisas
O corpo de Samuel havia desaparecido, assim como os dos outros policiais de sua equipe. Os órgãos foram negociados pela Máfia e alguns deles foram parar no Instituto de Pesquisas CIR — Centro de Inovação Robótica. Lá um projeto ousado utilizava uma interface neuro-cibernética unindo homem e máquina. O cérebro de Fernando, amigo de Samuel seria utilizado no androide Silver Head para criar uma espécie de ciborgue.
Num bairro próximo ao hospital onde Lucas permanecia em estado comatoso, funcionava o Instituto onde Raquel trabalhava como engenheira cibernética. O núcleo científico era privado e pertencia à empresa francesa CIR (Companhia de Inovação Robótica).
Depois de muitos anos de pesquisa era possível realizar o inédito transplante cerebral.
O chefe de projetos especiais, Paulo Nakayama, com quem Raquel namorava escondido devido às normas da empresa, observava em sua sala o holograma do cérebro que girava em 360 graus.
Na sala de testes, engenheiros, biólogos e médicos conversavam sobre os avanços conquistados nos últimos anos. O gerente geral de engenharia, doutor José Rodolfo, olhava ansioso através de uma janela de vidro para um ciborgue que estava deitado sobre a mesa. Ao se aproximar da porta, uma luz azul percorreu a íris de Raquel, permitindo a entrada dela.
— Que bom que você chegou! Faça as honras, por favor — o gerente solicitou estendendo a mão para o painel holográfico à frente dos pesquisadores.
Considerada uma mulher muito inteligente e respeitada por todos pela sua enorme capacidade técnica, Raquel digitou os comandos. O nissei Paulo a observava com admiração.
Braços de robôs posicionados sobre o engenho começaram a inserir novos chips em seu sistema operacional central.
Um cérebro humano havia sido inserido no ciborgue realizando o primeiro transplante neural do mundo.
De repente, os olhos da máquina metálica que se parecia com um androide acenderam.... Os técnicos digitaram as últimas funções e José Rodolfo, como um pai de primeira viagem, fitou o protótipo sem pestanejar de tão emocionado que ficou ao vislumbrar a concepção de sua equipe, o primeiro ensaio de uma jornada sem fim.
— Está quase pronto. Em breve, conseguiremos fazer os últimos ajustes para ter a cópia cibernética perfeita de um ser humano — Paulo Nakayama declarou com orgulho.
— E eu tenho uma boa notícia! A verba para continuação das pesquisas será liberada pela matriz — os olhos de José Rodolfo brilhavam.
Haviam marcado uma inspeção na próxima semana para verem a evolução do projeto.
Ele continuou:
— O objetivo da empresa é conectar cérebros humanos em ciborgues utilizando nanotecnologia cibernética. Depois vamos transplantar cérebros de pessoas em processo de falência dos órgãos em seres humanos vivos com problemas cerebrais como um AVC, por exemplo, para que revivam numa espécie de ressurreição.
— E vender essa tecnologia às pessoas prestes a perder um ente querido — a engenheira Silvia disse sorrindo elucidando a visão da empresa.
— Pagariam qualquer quantia! — José Rodolfo sorriu. — Além de poder enviar ciborgues para missões em ambientes hostis que os seres humanos jamais poderiam executar — ele virou-se para o nissei. — Você poderia fazer o Silver Head se mover para uma demonstração?
— Sim, Rodolfo — Nakayama virou-se então para Raquel, que chefiava a equipe técnica de Robótica. — Pode repetir os primeiros testes?
— Com prazer, Paulo! Nos dê mais alguns minutos para fazermos os últimos ajustes.
Depois de algum tempo, do outro lado da parede vítrea, José Rodolfo, Paulo e os outros cientistas varriam o robô com os olhos na expectativa da ativação.
O gerente olhava o holograma 3D que o computador da sala projetava de uma fonte puntiforme e observava a rotação da imagem, mostrando os detalhes.
À frente deles, do outro lado da parede transparente, a estrutura robótica se movia, fazendo Rodolfo engolir em seco.
As mãos artificiais se fecharam como se ele fosse dar um soco, mas logo as posicionou coladas ao corpo em posição de sentido, como os soldados executam com esmero. A testa proeminente lhe dava um ar quase selvagem, que amedrontava os pesquisadores, tirando-lhes a concentração. As feições eram parecidas com as de uma pessoa, assim como o resto do corpo. Era um ser revestido de prata, engendrado por metais que se encaixavam com perfeição.
Silver Head, também conhecido como AR-399, sentou-se sobre a mesa e virou o pescoço para os lados reconhecendo o lugar onde estava, depois de acessar o mapa da empresa.
Os computadores monitoravam a máquina em movimento acompanhada por Raquel, que não desviava os olhos do robô, esquadrinhando cada detalhe. Repentinamente, um susto: o ciborgue que possuía o cérebro de Fernando, amigo de Samuel, se pôs de pé refletindo a luz do teto sobre seu corpo argênteo.
Ele analisou as características dos que o observavam, depois olhou ao redor da sala; as luzes sobre si, as fontes de energia, os hologramas, os computadores, as paredes feitas com divisórias de aço e vidros temperados instalados para o deleite da plateia.
O robô fitou os seus próprios dedos e fechou novamente as mãos. Por fim se posicionou, pronto para receber ordens. Na sua cabeça, um cérebro humano transplantado conectado à Inteligência Artificial, já havia escaneado todas as pessoas da sala e separado as informações de cada uma delas acessando a nuvem cibernética.
Subitamente, parou inerte à espera dos próximos comandos.
— Você acredita que estou arrepiado por ver este sonho se realizar? Anos de pesquisa e dedicação com vários de nossos artigos científicos publicados nas melhores revistas do Brasil e do mundo, para ver esta obra semipronta. E ainda não podemos publicar a fase final, por ser segredo de patente — Rodolfo se considerava vitorioso.
— Que bom que o senhor gostou! — comentou o engenheiro que havia projetado a máquina, Paulo Nakayama — E o melhor de tudo é que podemos controlar o Silver Head remotamente com a tecnologia 7G a uma distância considerável de cobertura.
A engenheira Silvia ficou empolgada e resolveu citar outras capacidades do invento:
— Implantamos um chip no seu crânio e a matriz está preparando outro chip especial que nos permitirá controlá-lo, integralmente. Inclusive, ele será capaz de articular palavras com sua boca e se comunicar conosco como se fosse um ser humano.
Raquel, a engenheira operacional, deu a ordem para que a máquina avançasse utilizando o comando de voz do assistente virtual holográfico.
O ciborgue, ao ouvir a ordem, começou a andar devagar na direção deles, movendo-se com uma naturalidade quase humana.
O engenheiro chefe gelou com a aproximação de Silver Head. Mesmo depois de tantos anos de trabalho, ainda não se acostumara com aquilo. Se o senhor Rodolfo se arrepiou de orgulho, a emoção de Paulo era outra: medo.
Nakayama pediu que Raquel parasse o experimento e o ciborgue voltou à sua posição de descanso; deitou-se novamente sobre a mesa de aço escovado.
No entanto, tudo era parte de um plano maior, o projeto AR-400, e para realizá-lo, os cientistas precisavam de órgãos doados para a restauração das funções de pessoas portadoras de necessidades especiais e mutiladas. Para tal, utilizariam tecnologia robótica e naquela instituição havia um laboratório com partes dos corpos de pessoas falecidas, conservadas criogenicamente para manterem os tecidos íntegros.
Os cérebros selecionados ficavam em recipientes especiais e os cientistas também estudavam os melhores meios de conservação dos órgãos para que fossem utilizados em futuras experiências.
Depois dos testes com o ciborgue, a reunião continuou.
— Como andam os testes com os fluidos corpóreos, Ana Cláudia? — indagou Nakayama à bióloga da equipe.
— Nos ensaios funcionaram perfeitamente. Acho que não teremos problemas em colocar os órgãos para funcionar em biossistemas robóticos — respondeu a doutora que adorava falar sobre a sua pesquisa. — Juntamente com os neurocientistas e médicos, conseguimos inserir próteses neurais, criando uma interface de interligação entre cérebro e máquina. O exemplo é o AR-399.
— E os materiais de adição, Reinaldo?
O engenheiro de materiais era mais comedido e gostava de mostrar uma máscara com o rosto dele em 3D que havia impresso como teste em resina. Era como se fosse um quadro para ele pendurado em sua sala no CIR.
— A impressora 3D de última geração que a matriz francesa nos enviou permite trabalhar com praticamente todos os polímeros. Foi a tecnologia usada no ciborgue que é quase todo constituído de titânio. A eficiência aumentou com as peças de silício e ouro nos circuitos nano eletrônicos.
Paulo ficou satisfeito com os resultados do projeto e José Rodolfo mais ainda, pois já poderia apresentar os números para o supervisor da empresa mãe, que na semana seguinte os visitaria. Com os estudos biológicos do centro de pesquisas, eles poderiam produzir neuro próteses motoras e sensoriais viáveis para a reconstrução dos seres humanos.
A maior máquina que a matriz havia enviado para eles imprimia materiais tridimensionais com vários tipos de polímeros e havia custado um milhão de euros.
Raquel fitou Paulo com orgulho de tê-lo como namorado e ele retribuiu o olhar cheio de apreço por aquela que comandava toda a parte operacional do projeto. Os olhares se perdiam em disfarces ardilosos para se encontrarem nos melhores momentos reais fora dali.
Todos estavam prontos para continuar os testes com o robô quando o telefone de Raquel começou a vibrar. Estava no modo silencioso, porque José Rodolfo odiava interrupções, e até mesmo aquele barulho incomodava porque o lugar era hermeticamente fechado.
Ela tirou o celular do bolso e olhou o número, viu que era a sua mãe. A engenheira pediu licença e foi ao toilette.
— Oi, mãe! O que houve? Como está o Lucas?
— Desculpe-me interromper, filha. Sei que tinha uma reunião importante, mas o médico me disse a situação é crítica e que seu irmão tem poucos dias de vida. Talvez o Samuel conheça alguém que possa nos ajudar.
— Mas, mãe, desde a semana passada que ligo para o número dele e ninguém responde. Assim que terminar aqui, vou direto ao hospital para saber o que os especialistas querem dizer com isso.
— Está bem! Estou muito nervosa... Nem acredito que isso está acontecendo. Beijos.
— Um beijo! Tenha calma, mãe. Se houver algum jeito de salvá-lo, vamos tentar...
Dentro da sala de reuniões, subitamente, o gerente virou—se para o chefe de projetos:
— Onde está a Raquel, Paulo? Um fato importante como esse... Eu quero a equipe reunida.
— Acho que foi ao toilette, Rodolfo. Vou chamá-la.
Quando ele procurava por Raquel, encontrou-a andando pelo corredor com os olhos cheios de lágrimas.
— O que aconteceu, Raquel?
— Meu irmão, o Lucas... Os médicos disseram que ele tem pouco tempo de vida.
— Que triste! Desculpe-me, Raquel, sei que o momento é horrível para se concentrar no trabalho, mas Rodolfo quer todos presentes. Tome esse lenço — ele ofereceu tirando do bolso de seu blazer azul-marinho.
De repente, o nissei fitou o chão pensativo.
— O que foi, Paulo?
— Eu tive uma ideia, mas depois explicarei tudo. Vamos lá antes que o homem tenha um ataque de nervos.
Ambos se dirigiram à sala de projetos e a reunião durou mais algumas horas. A mente de Raquel permanecia dividida entre o trabalho e a vida em risco do irmão. Ela não imaginava que na cabeça do seu amor secreto havia uma chance de salvar a vida de Lucas.
***
Na mansão do Doutor Alma, ele revia as imagens gravadas do cérebro de Samuel. Observava a bela mulher que o hipnotizara. De repente, um enfermeiro entrou na sala dele para lhe fazer uma pergunta e o interrompeu nos seus pensamentos maquiavélicos.
— Doutor Alma...
— Por que não bateu na porta? Sabe que não gosto de interrupções.
O homem olhou para as imagens e ficou parado como uma estátua.
Thomas olhou para o alvo dos olhos dele.
— Ela é simplesmente hipnotizante. Sempre quis encontrar um amor que compartilhasse a minha profissão. Quem sabe eu consiga convencê-la a trabalhar junto comigo? Seríamos muito felizes.
— Tenho certeza que sim.
O homem não poderia responder de outro jeito. Todos morriam de medo do médico com alma de monstro. Os colaboradores valorizavam seus preciosos órgãos.
— Você acredita que o dono do cérebro que me presenteou com essas imagens não queria ter filhos com essa mulher? O policial federal devia ser maluco... Eu quero ter muitos filhos com ela! Tenho certeza que seremos felizes constituindo uma família.
O enfermeiro fez uma cara de paisagem não acreditando que alguém seria capaz de amar aquele médico louco.
— E então? O que quer me perguntar?
— Não é nada importante. Me desculpe interrompê-lo.
Ele saiu fechando a porta, observado por Thomas que continuou a fitar as imagens cheio de pensamentos temperados com paixão.
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