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Capítulo 9

Deveria ir direto para meu quarto, aprontar-me para o jantar e descer para refeição; como se nada tivesse acontecido. Mas não consigo aceitar que ficaremos de braços cruzados esperando até  que os rebeldes conquistem o trono. Porque é isso que vai acontecer se não tomarmos providências imediatas. Será que meus pais ficaram cegos?

Estou tão concentrada na raiva que fervilha dentro de mim, a ponto de nem ao menos perceber que Stuart Craven está presente no corredor. Só me dou conta disso quando, ambos apressados trombamos violentamente e tintas de diversos tons colorem o chão, as paredes, meu vestido, meus cabelos.

- Você não olha por onde anda?

-Alteza...

- Aonde arrumou tantas tintas, para fazer um estrago como esse?-falo apontando o ambiente a nossa volta.

-Trouxe  algumas de casa. Minha intenção jamais foi que algo assim acontecesse. Me desculpe, por favor!

- Não é uma boa hora para me pedir perdão Stuart.

Então deixo-o, quase tão colorido quanto eu, parado no meio do corredor que leva aos aposentos destinados aos selecionados e retomo o caminho para os jardins. 

É o único lugar que me permite raciocinar com leveza mesmo que o mundo esteja prestes a se desmanchar em cacos de sonhos e esperanças despedaçados.

Sento-me na grama e admiro o canteiro de rosas a minha frente. Tão delicadas e serenas. Se tivessem consciência de que em breve vão murchar e suas pétalas serão jogadas ao vento, continuariam brotando com tamanha beleza e vitalidade? Provavelmente não.

É só ai que começo a entender, se procurarmos conhecer melhor os rebeldes, enquanto estiverem convictos da vitória; saberemos qual o momento e a forma  corretos para  agir. Porém se suas ações forem inibidas antes do tempo eles podem planejar algo ainda maior, nos fazendo uma terrível surpresa.

Decido que é melhor entrar e tirar toda aquela tinta da roupa e do cabelo, uma vez que caso alguém me encontre nesse estado andando por ai, podem começar a me considerar como uma louca.

********************

O jantar transcorre normalmente, todavia noto certa tensão entre os selecionados.

Aos poucos todos vão se retirando. Nicholas é um dos únicos que permanece na sala. Ele pisca discreta e sugestivamente para mim quando meu olhar, que corria o local, para sobre ele alguns segundos. É  perguntando-me o que ele quis dizer com isso que ponho-me de pé e  despesso-me de minha família.

-Preciso falar com você.-ouço o sussurro relativamente distante de Nicholas que também se dirige para saída.

-Okay.

Decido que a biblioteca é um bom lugar para conversarmos. Faço um sinal para que ele me acompanhe, certificando-me que não estamos sendo observados e cuidando para manter uma distância considerável entre nós. Quando chegamos  confirmo que a biblioteca encontra-se vazia, sento-me em uma poltrona  próxima à janela e indico que ele faça o mesmo.

-Diga.

- Stuart vai mesmo voltar para casa?

-Acho que não entendi.

-O boato em todo o castelo é que ele vai ser chutado ainda hoje.

- Essa fofoca deve ter começado devido ao episódio das tintas.

-Exatamente. Ele está desesperado. Principalmente porque, talvez por ironia do destino, ele esteve fazendo uma pintura sua a tarde toda. Para lhe dar de presente. Como estava atrasado para o jantar veio correndo pelo corredor, o resto a senhorita já sabe.

-Sinceramente, não dei importância alguma aquele incidente. Pareci meio zangada quando Stuart se desculpou mas somado ao balde de água fria que acabara de receber a chuva de tintas foi somente uma cereja no bolo.

-Fico mais tranquilo por saber que ele não vai ser prejudicado por isso. Afinal eu fiz algo bem pior e ainda estou aqui. Seria injusto ele ter que partir.

-Eis uma verdade.-falo tentando conter uma risada-Você queria apenas advogar em favor de Stuart?

-Ele bem que merece, apesar de desastrado é um cara legal...

-E quem entre vocês não é tão legal assim?-o interrompo um tanto curiosa.

-Ainda não sei dizer. Mas, na verdade, além de defender um pintor atrapalhado,  gostaria de saber mais sobre os rebeldes.

Ele toca no assunto assim, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ou algo para fofoqueiras de plantão comentarem durante o chá das cinco. Mas, pelo contrário, esse é um tema sigiloso.

- O que você sabe sobre eles?-tento manter a calma.

-Nada muito relevante. Passo grande parte do meu tempo livre no Jardim e acabei ouvindo um dos guardas da entrada dizendo: "o mensageiro trouxe notícias importantes acerca dos rebeldes essa manhã".

-Para ter memorizado a frase, a conversa deve ter chamado muito sua atenção não é mesmo?

-Eles já organizaram ataques na Honduragua. Atearam fogo no mastro com a bandeira, erguido na entrada da sede do governo provincial. Além disso, jogaram uma bomba de tinta preta no telão que transmite o jornal oficial bem no dia do sorteio da seleção. Muitos que assistiam na praça central sairam com ferimentos e hematomas devido ao tumulto que se formou. O brasão de corvo apareceu de alguma forma após os dois atos. Conte-me apenas se aprontaram na Honduragua de novo.

Não sabia que as coisas estavam nesse ponto. Mas não demonstro o tamanho da minha surpresa.

-Copreendo e admiro  sua preocupação. Mas, dessa vez, não fizeram nenhuma agressão desse tipo.  Nada que pudesse machucar ninguém; nada que possa afetar sua província. - "pelo menos por enquanto", completo mentalmente.

-Obrigada por ter esclarecido minhas dúvidas alteza, sei que não deveria tomar seu tempo, mas  precisava ter certeza que minha família não corre perigo.

-É você quem os protege, não é?

-Digamos que eu tento. - ele diz já passando pelas portas largas da biblioteca.- Boa noite Kerttu!

-Boa noite! -um sorriso inconsciente se forma em meus lábios. Foi a primeira vez que ouvi meu nome ser pronunciado por ele, soou tão doce.

O instante de devaneio se quebra quando Frederich Scoot adentra a biblioteca. Ele carrega nas mãos uma pilha de livros bem grossos e gastos.

-Alteza?

-Olá Friedrich.

-Eu...não esperava encontrá-la aqui a essa hora.-ele parece extremamente emcabulado e desconcertado.

-Você também devia estar dormindo agora, certo?

-Certo. Porém depois que conheci essa biblioteca está difícil ficar fora dela. Sou professor de história e jamais encontrei um acervo tão grande de arquivos sobre o mundo antigo.

- Realmente há  muitos fatos interessantes narrados nessas páginas. Pode explorar a vontade.-falo num sorriso para acalma-lo e apanho um livro qualquer para disfarçar .- Eu já estava de saída. Ah! Lembre-se que adquirir conhecimento é importante, mas o descanso também tem seu valor.

-Não vou esquecer nunca essa breve lição alteza!-ele me olha de modo gentilmente agradecido.

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