Capítulo 18
Sinceramente não sei como cheguei ao salão das gravações. Corro os olhos pelo ambiente. Todas as cadeiras do auditório encontram-se vazias. Contudo os câmeras já estão tomando suas posições e ajeitando tudo.
-Um minuto da atenção de todos por favor.
Ao som da minha voz toda a movimentação no estúdio cessa instantaneamente.
- Resolvi adiantar o pronunciamento.
As poucas pessoas presentes se entreolharam preocupadas e Gustave saiu de trás de um dos refletores - que estava tentando ajustar - com o cenho franzido, mostrando-se confuso.
- Mas...Alteza...
- Agora. Sem chances para questionamentos. - Falo com uma firmeza que surpreende até a mim mesma. E parece ser suficientemente convincente, pois eles começam a ligar os equipamentos.
Poucos minutos depois Gustave se dirige a mim:
-Podemos iniciar quando quiser. - Em seu semblante posso ler o quanto incerto está por me acompanhar nessa loucura.
********
Um desastre, um completo desastre, um verdadeiro desabamento de palavras mal escolhidas que soterrava as mentes dos cidadãos de Illéa.
E o pior: era eu mesma que havia causado tudo isso.
Fui como um único fósforo aceso que é lançado a um barril de pólvora.
"Eles" conseguiram distorcer todas as palavras que eu disse em meu desespero.
Aleguei que a substituição da monarquia pelo regime republicano não traria nenhuma mudança positiva, não provocaria nenhuma alteração nas mentes preconceituosas que enxergam como inferiores os cidadãos descendentes de pessoas que perteceram a castas menos favorecidos, ou ainda aqueles que consideram o ofício de um atleta superior ao de uma costureira. É absurdo pensamentos desse tipo precalecerem mesmo tantos anos após a abolição de uma organização social tão excludente como o sistema de castas.
Busquei ancorar o que afirmei dizendo que: "Um país é como o corpo de um ser humano no qual cada pequena célula exerce uma função, que é indispensável a manutenção da vida, por mais simples que possa parecer. Assim cada habitante de uma nação é como uma dessas células tornando-se fundamental para que nosso país prospere e permaneça sempre em harmonia. Por isso vamos nos unir, vamos lutar contra o preconceito da forma certa, vamos provar que cada um de nós possui igual importância para que o "coração" do nosso país continue batendo forte e vigoroso."
Para um discurso totalmente improvisado achei que estava caminhando bem. Até que houve um corte da câmera. Ainda não havia falado nem ao menos a metade do que precisava ser dito, mas uma ordem da rainha era capaz de fazer qualquer outra voz se calar e apenas obedecer.
Ao vê-la parada bem ali, assistindo ao que eu dizia e desaprovando cada som que pudesse ter sido emitido nos minutos anteriores senti o rosto queimar, minha capacidade de argumentar fora sugada de mim através da ação de um único olhar e tinha plena certeza de que fizera a coisa errada.
O que começou com uma pontada de arrependimento terminou com a sensação de que um tiro havia sido disparado contra meu peito e a bala provocava a desintegração de cada parte de mim.
Assim que o "pronunciamento" foi interrompido e pude ver a tela que fica no auditório, de frente para o palco onde nos apresentamos para termos noção do que estamos fazendo e se estamos fazendo direito escurecer algo completamente inesperado aconteceu.
A tela reacendeu, piscava em tons sóbrios, que variavam do preto ao cinza com um brilho inegavelmente atraente. Após essa "abertura" a imagem de um corvo assustador toma a tela. Era uma transmissão dos rebeldes. Haviam invadido a nossa rede de televisores.
Eu só conseguia pensar em como haviam conseguido burlar e invadir nosso sistema que, aparentemente, era uma verdadeira fortaleza.
Porém assim que uma voz metálica e manipulada por equipamentos disfarçadores de sons ecoou por meus ouvidos todos as hipóteses que rondavam minha mente desapareceram. Minha atenção se direcionou apenas as palavras que eram emitidas pela pessoa que escondia a face por detrás daquela imagem do corvo.
Se ainda havia alguma parte inteira dentro de mim ela se rompeu quando ouvi:
- "É tão fácil jogar a culpa de todas as desgraças sobre nós, um grupo de pessoas que almeja somente o bem-estar de todos os cidadãos de Illéa, que luta por igualdade e que, acima de tudo, não vai jamais permitir o total descarte dos pequenos produtores rurais. Não é segredo que as verbas que deviam ser destinadas a eles anualmente está atrasada a tempos. Uma crise dessa magnitude na produção agrícola é extremamente prejudicial para todo o país. Nós conhecemos o jeito certo de consertar isso e sabenos que respeito e honestidade são cruiciais para solucionar os problemas que por décadas têm afetado de forna catastrófica nosso país. Espero entrar em contato com vocês em breve. Que apesar de todos os empasses todos tenham uma boa noite."
Eu não cheguei a falar do ataque as propriedades agrícolas em si. Não tive tempo e agora eles continuaram alegando que tudo foi planejado pela monarquia.
É muito surreal que alguém em seu juízo perfeito consiga acreditar em palavras tão falsas.
Sinto minhas pernas fracas e um enjôo vertiginoso me faz deixar aquele salão o mais rápido que posso.
Não consigo identificar muita coisa no caminho até o quarto. Vejo apenas Frederich caminhando com uma pilha enorme de livros e noto Patrick passar por mim no corredor com um semblante bastante preocupado no rosto. Lembro-me que ele vem de Dominica; provavelmente, de alguma forma, já ficou sabendo do desastre ocorrido em sua província.
Acelero ainda mais meus passos para cruzar o corredor, queria muito uma capa da invisibilidade semelhante a do Harry Potter para transitar nesse momento sem que ninguém me visse e simplesmente desaparecer. Contudo esse é um sonho utópico demais, resta-me trancar a porta do quarto, que acaba de se fechar nas minhas costas e aproveitar os poucos minutos de solidão que tenho para elaborar um pedido de desculpas convincente para meus pais.
Uma atitude imprudente como a minha definitivamente não condiz que a postura espera da herdeira do trono.
Me lanço na cama refletindo sobre isso e ainda imaginando como seria se pudesse desaparecer de verdade por alguns minutos e retornar com a solução para toda essa confusão.
Infelizmente coisas desse tipo não são possíveis na vida real. As batidas frenéticas na porta do quarto que me separa do resto do mundo por breves instantes me lembram disso.
Sei que devo explicações a fera que me aguarda do lado de fora. No entanto desconheço a fonte da qual retiro a coragem necessária para girar a chave e a maçaneta que se colocam à minha frente .
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