Ouça-o chicoteando as mulheres por volta da meia noite.
Açúcar Mascavo, como é que você tem um gosto tão bom?
Açúcar Mascavo, exatamente como uma jovem deveria ser.

Brown Sugar
╰─────────────➤✎The Rolling Stones,

{TARDE}

– Boa tarde, Eva – Ray entrou e fechou a porta atrás de si – Você já almoçou?

– Ainda não – respondi me sentando na cama.

– Ainda não? – ele pareceu surpreso com isso – Você não pode saltar suas refeições assim. Vamos, iremos almoçar juntos no terraço então.

Ele foi até a porta, falou alguma coisa para alguém, me vendou e me guiou até um terraço também fechado com grades. Eu agradeci por poder sentir o ar no rosto. Após o ocorrido pela manhã, poder respirar ar fresco era aliviante. Não é que eu quisesse estar com ele, mas do que iria adiantar espernear agora?

Trouxeram a nossa comida como se fôssemos rei e rainha. Eu me sentia nervosa, ainda estava ansiosa e os músculos do meu corpo doíam.

– Sei que você ainda deve estar assustada e eu te peço perdão por isso – Ray falou sem tocar na comida – Estou a tarde inteira pensando em como você deve ter sofrido dentro daquele baú. Está com dor? Precisa de alguma coisa?

– Meu corpo dói um pouco, mas estou bem – minha voz saiu mais fraca do que eu esperava.

– Pedirei para que te tragam algum remédio para aliviar a dor. Na verdade, acho que vou aproveitar, minha cabeça está me matando... o ruim é que dificilmente consigo algum remédio que me funcione.

Eu abaixei a cabeça. Por que ele era tão agradável comigo? Não é que eu quisesse que ele fosse ruim, na verdade eu agradecia que ele me tratasse assim, já que eu era uma simples prisioneira ali. Preferi não arriscar perder o único consolo que eu percebi que teria durante a vida.

– Talvez você não esteja dormindo direito – falei tentando não sentir a voz quebrar – Você sempre teve alguma dificuldade para conciliar o sono.

– Pode ser que sim. Essa dor de cabeça vem e vai. Se algum dia você se sentir mal, por favor me diga. Eu odiaria ver você sofrer, acho que iria preferir morrer ao ver isso.

Palavras sem sentido para alguém que havia acabado com a minha vida. Ele me olhou por um longo período, sorriu e seguiu.

– Você é perfeita, quero que você fique comigo para sempre. Você ainda gosta de jardins?

– Gosto sim – falei sem olhar para nada em particular.

– Aqui tem um jardim muito bonito, posso te levar até ele amanhã – ele falou de maneira cortês e carinhosa e aquilo só aumentou o vazio que crescia dentro de mim.

Trouxeram algumas pastilhas para Ray, ele tomou com um pouco de água, fez um gesto com a mão e me olhou sorridente novamente.

– Acho que já acabamos, te levarei de volta para o seu quarto. Estou me sentindo um pouco melhor, acho que é porque eu posso te dizer o que tem no meu coração quando eu quiser agora.

Ele me levou até o quarto, me deu um beijo na mão e sussurrou no meu ouvido "Até mais tarde, minha Eva".

– Não quero te tratar com timidez, minha princesa – ele sorriu abertamente antes de sair pela porta – Quero poder ser mais atrevido. Quero passar mais tempo com você, inclusive na sua cama, do mesmo jeito que eu fazia antes. Sei que teremos muitas emoções juntos. Darei sempre o meu maior esforço para ser alguém que te entretenha e te faça feliz. Seu ritual de purificação está próximo, para que você seja oficialmente minha. Deixarei tudo preparado, prometo. Assim você não terá que esperar muito.

{NOITE}

Escutei alguém bater na porta, mas fingi que não ouvi. Se fosse Ray ele entraria sem mais, e se fosse outra pessoa... na verdade eu preferia não ver ninguém.

– Com licença – escutei uma voz familiar na porta – sou a nova dama de companhia.

Olhei com o coração aos pulos para a porta.

– Helena? – perguntei com um nó na garganta.

Ela fechou a porta atrás de si e pareceu se segurar para não correr na minha direção. Lembrei dos quartos que eu havia visto e senti o peito apertar imaginando o sofrimento da minha antiga companheira.

– Eva – ela falou baixo e me abraçou, senti como seu corpo primeiro ficava tenso e logo relaxava.

Ela limpou uma lágrima que havia teimado em sair, mas não chorou.

– Helena, sinto muito... – falei com a voz quebrada.

– Não... – ela respondeu com um sorriso fraco – eu até que tive muita sorte, o homem que está comigo é bastante carinhoso.

– Helena...

– De verdade, está tudo bem. Eu sinto muito por você, Eva. Sei que é difícil, mas você vai se adaptar.

Helena estava mudada, não tinha mais a expressão assustada. Ela carregava um semblante de pura resignação, de alguém que apesar de sofrer, havia aceitado o seu destino.

– Venha, sua janta está na porta, senhorita – Helena falou se recompondo.

– Não me trate desse jeito, por favor. Isso vai ser pior do que ficar aqui presa.

– Não posso te tratar diferente, afinal você agora pertence ao senhor Ray.

Aquilo me despedaçou por dentro. Ela me pegou suavemente pelo braço e me conduziu até a mesinha que havia no meu quarto. Prendeu meu cabelo em um rabo de cavalo e logo foi até a porta para permitir que minha janta entrasse. Eu comi em silêncio. Helena arrumava meu quarto e por mais que eu quisesse pará-la, eu sabia que não me escutaria, já não havia rastros da Helena que viveu na escola.

De repente ela parou e correu para o banheiro, a escutei vomitar sem me mover... "será que...?" Tentei afastar esse pensamento macabro da cabeça e deixei metade da comida no prato.

– Acho que o ideal hoje é nos dividirmos, já estamos no final do segundo dia e não encontramos nada ainda – John falou suspirando, tentando controlar a frustração que sentia.

– Primeiro, saímos ontem à noite – Vi corrigiu seu amigo e recebeu um olhar tão carregado de raiva que chegou a recuar.

– Mas dois que ela foi levada – John olhou para o amigo como se o desafiasse a discordar dele.

– Podíamos somente ir cada um para um lado, isso nos daria mais alguma vantagem em relação ao tempo – Liam respondeu irritado.

– Sei que você está aflito, Liam, mas ficarmos sozinhos só vai nos colocar em perigo – Vi tentou acalmar seu companheiro.

Liam olhou primeiro detidamente para Vi, mas desviou o olhar ainda zangado. Liam sabia que ele estava certo, mas ele não conseguia controlar o turbilhão de sentimentos que o acompanhava desde que Eva o havia deixado.

– Vi está certo, é melhor não andarmos sozinhos. Vamos andar em duplas, assim poderemos percorrer 3 caminhos diferentes – Luciel falou ainda olhando para o mapa em suas mãos.

– Não quero menosprezar ninguém daqui, mas o ideal é que John, Liam e Ethan fiquem separados – Henry falou suspirando – São os mais resistentes aqui no fim das contas.

– Ah – Liam conseguiu rir um pouco e tentou brincar para espantar a própria tensão – Fico feliz em saber que sou melhor que você.

– Ei, eu não disse isso – Henry falou com seu típico mau humor na voz.

– Irei eu e Vi – John falou tranquilamente – Liam pode ir com Luciel e Ethan com o Henry. Mas tenho que pedir por favor, Liam se controle. Luciel é muito inteligente e você muito cabeça dura. Se ele disser que vocês estão em perigo, apenas acredite e obedeça. Se quer ter qualquer chance de salvar a Eva, seja prudente.

Liam forçou o maxilar, ele no fundo sabia que era impulsivo e que isso poderia colocar todo o resgate a perder e por isso fez um esforço imenso para assentir. Quando foi que ele passou a aceitar tanto as palavras de John? Nem ele mesmo sabia, mas sabia que John jamais faria nada para prejudicar Eva e isso era o suficiente para que ele aceitasse suas palavras.

– Ok, então prestem atenção – Luciel falou abrindo o mapa da região no chão – Estamos aqui, cada um iniciará a busca em diferentes direções – Luciel apontou a direção que cada um iria, contornando com o dedo os locais mais prováveis para um possível esconderijo e traçou um caminho para cada um – Faremos esse trajeto até aqui, na estação. É uma rota bem longa, diga-se de passagem, então estejam preparados o tempo inteiro. Não façam besteiras, mesmo que encontrem o esconderijo, apenas se dirijam para a estação para que possamos traçar um plano de invasão.

Ethan acenou com a cabeça.

– Cada um precisará levar um bolsa com água potável também. O melhor seria economizar, pois não sabemos quanto tempo levaremos. Outra coisa, estamos andando durante a noite, o perigo triplica, sejam cuidadosos – John concluiu e cada um foi para um canto.

{MANHÃ}

– Hoje o clima está perfeito para dar um passeio – Ray falou mantendo a postura de um príncipe, como sempre fazia – Se lembra do que eu te disse ontem?

– Se refere ao jardim? – perguntei.

– Sim, te levarei ali – ele sorriu e me estendeu a mão – Você deve estar sentindo tédio por estar presa nesse andar. Vamos?

Estendi a mão, aceitando a sua oferta. Qualquer coisa era melhor do que ficar ali mais tempo.

– Eu estava me sentindo muito emocionado enquanto vinha aqui. Espero que você goste. E mesmo que seja diferente do que você espera, sei que não irá se decepcionar. Agora vamos dar um passeio, está na hora de você conhecer a parte de fora da sua casa.

Minha casa, aquilo fez com que meu coração apertasse, mas respirei fundo antes de seguir.

– Hoje eu separei o dia para te acompanhar. Quero poder ter boas recordações com você, na verdade quero muitas recordações, já temos algumas boas juntos, mas quero que sejam cada vez melhores. O jardim é sem dúvidas o meu lugar favorito.

Ray me vendou e eu passei meu braço pelo seu. Andar vendada era algo que eu estava me acostumando pouco a pouco.

Quando chegamos ao jardim e eu pude finalmente tirar a minha venda, eu quase perdi o ar com a paisagem que se estendia a minha frente. Era um jardim grande, havia realmente muitas espécies de flores e inclusive uma pequena praça com arcos floridos. Era o lugar mais bonito que eu havia visto na vida, mas ao mesmo tempo o mais melancólico. Eu faria qualquer coisa para estar desfrutando daquela vista com outra pessoa.

– É muito bom estar aqui com você, Eva – ele falou enquanto caminhávamos lentamente pelo jardim me tirando dos meus pensamentos.

– É muito lindo... – eu falei ainda admirada.

– Fico muito feliz que tenha gostado, poderemos vir aqui mais vezes se você quiser.

Eu assenti e senti um sorriso, ainda que fraco, brotando nos meus lábios.

– Esse jardim ficou ainda mais bonito com você aqui – ele me ofereceu um sorriso largo ao dizer isso – Hoje é o terceiro dia desde a sua chegada. Toda vez que eu acordo, me lembro que você está aqui e preciso ir até o seu quarto para me certificar de que não estou sonhando. Gostaria que você pudesse desfrutar das nossas conversas tanto quanto eu. Às vezes me assusta que você possa desaparecer de repente e hoje senti um medo grande se apoderando de mim. Não pude evitar correr até você. Temos que fazer a sua purificação logo, minha pequena.

Senti o coração parar, o único que me chamava assim era John e isso fez meu coração doer tanto que quase me deixou louca.

– Não me chame assim – falei entre dentes sentindo o nó aumentar na minha garganta.

– Queria que você soubesse de fato o que fazemos aqui – ele falou ignorando completamente o meu comentário – Você poderia enxergar que faço isso pensando apenas em um futuro em que a humanidade será perfeita. Eu não desfruto fazendo o que faço, mas faço isso por um bem maior. Todos aqui concordam comigo, espero que você possa entender logo. Não posso evitar estar ocupado por enquanto, eu que administro todo o lugar e estamos preparando a seleção das novas crianças. Ainda há pessoas aqui que necessitam da nossa ajuda, que ainda estão cegas para o verdadeiro caminho da humanidade.

– Seleção? – perguntei parando em seco. O nome "seletores" fazia jus ao monstro que "Ray" havia se tornado.

– Você não precisa se preocupar com isso – Ray sorriu – tenho certeza de que nossos filhos passarão pela seleção, seria impossível ter filhos defeituosos vindos de você.

– O que vocês fazem? – senti um leve enjoo se instalando no meu estômago.

– Vamos, você não precisa se preocupar com isso agora – ele sorriu e me puxou levemente para que eu seguisse andando – Ah, cuidado com os pés.

Ele me puxou para perto evitando que eu pisasse em cheio em uma garrafa de vidro quebrada. Ray chamou um de seus seguranças que nos seguiam poucos passos atrás.

– Descubra o responsável por isso e castigue-o para que isso nunca mais se repita – Ray falou secamente.

O segurança acenou com a cabeça e saiu rapidamente.

– Sinto muito por isso – ele voltou a me mostrar seu sorriso habitual – Pedi para que deixassem o jardim em perfeitas condições para você, parece que não terminaram o trabalho. Espero que você não tenha se assustado. Este lugar ainda não está completo, espero com ânsia o dia em que esteja e que possamos desfrutar juntos o nosso lar. Falta terminar de construir o sótão por exemplo e alguns quartos. Assim que você for purificada e nos casemos, você poderá andar por todo o edifício da maneira que você desejar, sempre que esteja com algum segurança acompanhando-a, claro. Mas é melhor não falar disso agora. Se você quiser mudar alguma coisa, apenas diga-me, se desejar alguma coisa também, farei tudo o que estiver ao meu alcance para agradá-la. Só peço que me deixe entrar... que me deixe entrar livremente na sua vida. Não quero ter de te forçar a isso.

Senti as pernas fraquejarem, mas me forcei a continuar andando. Me desesperar não resolveria e em último caso, eu ainda tinha a seringa.

– O vento começou a ficar forte – ele falou parando de repente – Você não deveria ficar exposta a ventos gelados. Deveríamos entrar agora.

– Não, por favor – falei com a voz quebrada – Não quero voltar agora. Me sinto muito presa ali dentro...

– Tem razão – ele acariciou uma das minhas mãos – Você deve realmente se sentir presa naquele quarto sem possibilidades de sair. Prometo que agilizarei o processo da sua purificação e você poderá ser livre. Me dê apenas um pouco mais de tempo. Te visitarei com mais frequência para que não se sinta sozinha, mas agora vamos, te levarei para o seu quarto.

Cheguei em silêncio no quarto, não sabia mais como reagir, queria que aquilo fosse um sonho.

– Acho que não conseguirei dormir essa noite – ele disse se sentando em uma das poltronas e me indicando a outra pra que eu me sentasse também – Queria poder continuar a nossa caminhada, mas infelizmente o tempo voou. Quase aceito ficar mais tempo com você lá fora, mas não posso permitir que você fique doente por conta do vento gelado. Espero que você entenda. Você estava perfeita naquele jardim, sabia?