{Cap. 52}
O que você vê quando apaga a luz?
Eu não posso te contar mas eu sei que é meu
Oh, eu me viro com uma ajudinha dos meus amigos
With A Little Help From My Friends
╰─────────────➤✎The Beatles
Mais um ano sem comemoração de ano novo. Mais um ano onde o dia 1 de janeiro era apenas um dia comum, onde lutávamos para sobreviver da melhor maneira possível.
– O que você está fazendo? – Luciel perguntou se aproximando da mesa de reuniões.
Luciel iria substituir o Ethan na minha segurança, mesmo assim se aproximou com certa cautela. Dei espaço para que ele pudesse ver o esboço de um desenho que eu estava fazendo em um papel A2 que eu havia pedido para pegarem na sala de artes.
– Nossa, está muito bonito – ele falou com um sorriso fraco – irá fazer todos nós?
– Essa é a ideia – respondi encolhendo o ombro.
– Trouxe uma coisa para você – ele disse tirando uma mochila preta das costas.
Enquanto ele esvaziava a mochila no chão descuidadamente eu escutei o som de um frasco rolando para perto do meu pé. Agachei e o peguei, o frasco tinha alguns comprimidos. Entreguei para ele sem perguntar nada, eu não queria ser indelicada e ultimamente todos andavam tensos.
– É só um remédio para enxaqueca – ele respondeu pegando novamente o frasco.
Apesar de ter esboçado um sorriso largo, não parecia um sorriso verdadeiro.
– Minha família não era unida – ele seguiu falando enquanto examinava o frasco – passamos por momentos difíceis. Lembro que minha mãe chorava todos os dias.
– Luciel, não precisa falar sobre isso se não quiser... – falei olhando para o rapaz à minha frente.
– Está tudo bem..., acho que nunca falei da minha família para ninguém daqui, mas acho que eu preciso. No fundo eu realmente preciso falar disso com alguém.
Ele me ofereceu um sorriso carregado de tristeza, o que me fez largar o lápis e me virar completamente para ele.
– Eu nunca chorava. Sempre que a via chorar, eu engolia o choro. Meu irmão era muito apegado a ela e então eu queria ser forte por ele. Minha mãe era alcoólatra e viciada em cocaína, vendeu tudo o que tínhamos em casa e muitas vezes não tínhamos nem o que comer. Meu avô, que era o diretor chefe de uma empresa de T.I. passou a nos criar, nossa mãe só tinha permissão de nos ver de final de semana e na casa onde vivíamos. Mesmo assim, toda vez que ela ia, ela tentava nos levar embora. Meu irmão chorava porque queria ir, ela chorava porque queria nos levar e eu segurava o choro porque no fundo eu tinha vergonha dela. Nessa época eu comecei a ter diversas crises de enxaqueca. Um dos psicólogos que passei dizia que se eu chorasse iria aliviar o que sentia e talvez minhas crises diminuíssem, mas nunca consegui.
Seu sorriso era tão triste que me partiu o coração. Eu não imaginava duas crianças passando por situações parecidas.
– Sempre que eu queria fugir de tudo, eu ia trabalhar com o meu avô, ou me trancava em um dos laboratórios da escola até que me expulsassem de lá. Construir coisas passou a ser meu passatempo.
– Por que guardou isso por tanto tempo? – perguntei me segurando para não o abraçar – Não precisa deixar essas coisas presas em você, fazer isso só vai te machucar mais. Chorar deveria ser um ato normal. E sabe, agora nós temos uma família que nos acolhe mesmo quando choramos. Sou a prova viva disso.
– Obrigado por me ouvir – seu sorriso agora era mais aliviado, de uma maneira quase carinhosa.
Ele era uma pessoa estranha, mas não deixava de ser gentil e ainda assim parecia carregar um imenso fardo sozinho. Ele voltou a buscar o que tanto procurava e tirou uma seringa fechada, era uma seringa pequena com um pequeno líquido esbranquiçado.
– O que é isso? – perguntei com um pouco de receio.
– Uma mistura com cianeto de potássio – ele falou me entregando – Se qualquer um deles tentar qualquer coisa com você, não permita.
– Deles quem? – perguntei tentando não delatar meu nervosismo.
– Eu sei que você irá atrás deles quando eles chamarem. Sei que não vai adiantar eu tentar te convencer de não fazer isso e sei que você não irá falar para ninguém sobre isso. Eu espero que saiamos antes disso acontecer daqui, mas se não for assim, promete que vai fazer o possível para ficar segura até te encontrarmos. Nós iremos te encontrar se você for e eu prometo que vamos preparados para acabar com eles sem perder nenhum de nós.
– Como você pensa em fazer isso? – perguntei ainda sem pegar a seringa.
– Eu vou bolar um plano.
– Então, você está dizendo que não vai me impedir? – perguntei me sentindo confusa.
– Eu não apoio a sua decisão, se é isso que você quer saber. Eu preferia usar o método brusco e te amarrar em uma cama até resolvermos a situação, mas o John tem razão, se fizermos isso, não seremos diferentes deles.
Eu assenti antes de finalmente pegar a seringa.
– Eu prometo que farei o possível para me manter segura até que vocês cheguem – eu respondi sem acreditar muito de que eles realmente conseguiriam me resgatar.
Enrolei meu desenho após me sentir cansada e na companhia de Luciel caminhei pelo corredor em direção ao quarto do Liam.
Me deitei na cama que Liam havia cedido para mim, ele não estava ali, tinha sido escalado para fazer ronda aquela noite. Tentei dormir, sabia que Luciel estaria do lado de fora da porta, mas não podia deixar de me sentir inquieta. Todos estavam preocupados e mesmo assim todos estavam se esforçando para agir normalmente, de certo modo aquilo era bom, mas ao mesmo tempo me irritava porque eu sabia que a maior parte era pura encenação. Liam quase não falava comigo, ele parecia tão frio e distante e isso apenas me machucava mais e mais. Como havia sido desde o dia em que cheguei aqui, eu afogava tudo o que eu sentia no ombro de John sempre que ele estava por perto.
John dizia que Liam simplesmente não sabia como lidar com aquela situação, que ele se sentia frustrado por não ter sido capaz de me proteger ou proteger qualquer outro amigo. Eu queria conseguir tranquilizá-lo, mas como eu seria capaz de fazer isso sabendo que eu já tinha planejado ir embora?
Meus pensamentos ficaram embaralhando na minha mente e antes que eu percebesse já estava amanhecendo. Eu não sabia dizer se eu realmente havia dormido ou se passei a noite em claro. Eu estava me sentindo mega cansada.
Alguém bateu de leve na porta antes de entrar. Ethan pediu licença perguntando se podia continuar, eu me sentei na cama sentindo o corpo pesar e permiti que ele entrasse.
– Você que irá ficar comigo agora? – perguntei esfregando um dos olhos.
Ele assentiu.
– Você está com cara de preocupada.
Apesar do absurdo que seria eu não estar preocupa eu apenas sorri.
– Obrigada por se preocupar – falei segurando o impulso de não me deitar de novo – Ah, eu não consegui comer isso ontem, achei que seria mais bem aproveitado por você.
Estiquei a mão e peguei o chocolate que havia sido distribuído no dia anterior e o ofereci. Seus olhos pararam um tempo na barra de chocolate.
– Por que você não comeu? Logo você? Sem comer chocolates? – ele perguntou parecendo surpreso.
– Eu realmente não estava com vontade ontem – dei de ombros e voltei a oferecer para ele.
Na verdade, eu não quis admitir que me sentia mal sabendo que estava sendo tudo racionado e que eu não via a necessidade de comer chocolates naquela situação. Fiquei olhando para ele enquanto ele abria e tirava um tablete do pacote.
– Você parece estar com fome – falei enquanto o observava.
– Sim, esse racionamento de comida não está fácil – ele falou enquanto colocava outro tablete de chocolate na boca.
Para alguém alto e forte como ele, principalmente por ele executar a maior parte dos trabalhos pesados, a quantidade de comida que tínhamos por dia sem dúvidas não era o suficiente para sustentá-lo. Mal sustentava a mim.
– Já pensou se de repente aparecesse uma mesa repleta de comidas agora na nossa frente? – falei em tom sonhador – Ou um restaurante com rodízios de comida japonesa.
Ele me olhou admirado, mas riu do meu comentário, o que só me encorajou a seguir.
– Geralmente eu prefiro lugares que tenham muitos doces, como uma confeitaria, mas se eu fosse com você, talvez devêssemos ir a um rodízio de carne, certo?
Mesmo nos meus devaneios e as vezes falando coisas estranhas, Ethan sorria e as vezes concordava com a cabeça.
– Um rodízio de carne seria bom – ele falou sem tirar o sorriso do rosto – Mas não estaria mal ir em uma confeitaria.
– Então deixarei isso anotado, quando formos sair para comer, passaremos em um rodízio de carne e logo em seguida em uma confeitaria para a sobremesa. Iremos juntos e os dois iremos passar mal de tanto comer.
Meu sorriso se alargou muito ao imaginar a cena. Ele confirmou também sorrindo do absurdo que aquilo tudo era. Ethan era um bom amigo e eu queria que esses devaneios fossem possíveis, mas principalmente, queria que ele se mantivesse seguro junto com todos os outros. Eu não podia me deixar abater, eu tinha que permanecer forte, por mais que o desespero quisesse tomar conta de mim. Eu tinha medo, mas o medo não iria me ajudar e nem ajudar a eles. Ethan me fazia sentir segura, assim como Liam, John e Luciel. Eu havia ganhado uma boa família.
– Acho que Liam não vai gostar muito se não o convidarmos – Ethan falou ficando sério de repente.
– Ele nem está falando comigo direito – falei sentindo a tristeza me invadir novamente.
– Dê um tempo a ele, ele não sabe como lidar com o que sente. Acho que podemos marcar isso com os membros desse pequeno time estranho que formamos. Liam gosta de carne tanto quanto eu, John gosta de vinho e Luciel eu não faço ideia se gosta de alguma coisa. Sei que ele muitas vezes se acaba em salgadinhos e coisas desse tipo e você gosta de doces. Acho que teremos que marcar mais de um passeio.
Eu sorri com o comentário e rezei internamente para que fosse pelo menos possível estar com eles mais tempo do que o que haviam me dado.
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