{Cap. 51}
Há quanto tempo, baby, estive longe?
Oh, parece que tem tempos, apesar de você dizer que são apenas alguns dias
Não há linguagem para as coisas que eu vi
E a verdade é mais estranha do que os meus piores sonhos
A verdade é mais estranha que todos os meus sonhos
Oh, a escuridão me segurou
Meet Me in the woods
╰─────────────➤✎Lord Huron
{Por volta das 7:30}
Acordei sentindo um leve enjoo, havia bastante claridade na janela. Olhei para o lado e vi Ethan dormindo sentado em uma cadeira próxima da cama.
Meu corpo estava fraco e dolorido, lembrei em um flash de tudo o que havia acontecido e senti a ansiedade aumentar. "Ele não chegou a fazer nada", pensei, uma vez e outra, mas o nojo que eu sentia de mim mesma era terrivelmente grande mesmo assim. Virei para o lado e vomitei apenas o suco gástrico, o que fez Ethan acordar de um pulo.
– Ei, tudo bem? – ele perguntou quando minha pequena crise de vomito acabou.
– Droga – falei levantando a cabeça para deixar de ver aquele líquido pegajoso e amarelo no chão enquanto dava uma risada fraca para tentar quebrar o clima – Acho que sujei o chão.
– É, você tem feito muito isso – ele parecia terrivelmente sério até mesmo para ele.
– Eu preciso sair um pouco dessa cama, Ethan. Meu corpo está doendo. Será que você pode me levar para a cozinha para beber um pouco de água? E de preferência até algum banheiro para eu escovar os dentes?
Ele assentiu, mas pacientemente limpou o chão antes de me ajudar. Fiquei ali imaginando o como eles conseguiam simplesmente limpar o vômito de outra pessoa sem nem fazer careta. Depois disso foi até uma bolsa próxima a mim e para minha surpresa tirou minha escova de dentes e uma pasta. Fomos devagar até o banheiro mais próximo, ele me apoiava e seguia no meu ritmo. Eu não queria falar que me sentia tonta, não queria dar mais carga para ele ou para qualquer outra pessoa.
Depois de escovar os dentes ele sugeriu me pegar no colo para que eu não me esforçasse muito, afinal eu estava sem comer. Eu recusei delicadamente, mas aceitei seu braço novamente para que eu pudesse ir apoiada.
– Quer voltar para a cama? – ele me perguntou baixo e eu neguei com a cabeça – Então vou te deixar na sala de reuniões e pego água para você. Ou quer ir para outro lugar? – ele praticamente sussurrou a pergunta – Como você está se sentindo?
– Acho que tudo bem ir para a sala de reuniões e sinceramente acho que fui atropelada por um trem de carga – falei abrindo um pequeno sorriso novamente.
– Como você consegue fazer piada nessa situação? – seu tom não era de julgamento, mas soava triste e isso fez com que meu sorriso desaparecesse.
Eu não estava feliz, isso estava claro. Eu queria tomar um banho e de preferência apagar qualquer imagem do homem que me atacou da cabeça, mas todos ali estavam passando por situações difíceis.
Chegamos na sala de reuniões e para a minha surpresa estavam todos lá. Todos em silêncio, cada um em um canto, mas todos presentes. Quando eu cheguei todos voltaram seus olhares para mim.
O constrangimento que eu senti é impossível descrever e uma nova onda de enjoo tomou conta de mim me fazendo vomitar de novo.
Eu queria mostrar calma, mas tudo o que eu sentia era uma ansiedade incontrolável. Ninguém se aproximou muito, talvez estivessem respeitando meu espaço.
Apertei o braço de Ethan, ele me olhou assustado com a minha reação.
– Me leva daqui, por favor – falei sentindo um nó na garganta.
Meu corpo tremia e eu não conseguia controlar o turbilhão de sentimentos que veio de uma única vez. Ethan fez um sinal com a mão pedindo para que ninguém se aproximasse e ficou de frente para mim.
– Eva, está tudo bem – ele falou me olhando nos olhos.
Eu me sentia indefesa, como um animal ferido. Ethan conseguia ver o pânico nos meus olhos porque não esperou que eu falasse algo.
– Tudo bem, se quiser podemos voltar. Ninguém vai te perturbar se você não quiser. Quer que eu chame outra pessoa para te acompanhar ou quer que eu te leve?
Apertei ainda mais o braço dele e quando olhei para Liam vi uma expressão de pura dor. Ele parecia ter envelhecido muito desde a última vez que eu o havia visto. Passei meus olhos por John e notei seus olhos inchados e vermelhos, cada olhar me fazia querer recuar ainda mais. Eu agarrei Ethan como se ele fosse o único capaz de fazer com que aquilo parasse, nunca soube o porquê senti isso, talvez porque ele tivesse sido o primeiro que eu havia visto, talvez porque ele parecia o mais seguro ali. Quando olhei para Judy, notei olheiras escuras ao redor de seus olhos. Quando meus olhos encontraram Luciel, uma onda de angústia tomou conta de mim, no olhar dele havia culpa, desespero. Todos me mostravam algo que me deixava ainda pior.
Eu não conseguia me decidir entre tentar dar mais um passo para dentro da sala ou pedir para sair dali com urgência. Meu corpo gritava por sustento. Respirei fundo e comecei a contar até dez... até vinte... lembrei das vezes que o John me ensinou a controlar a raiva e a ansiedade e usei de todas as artimanhas que eu era capaz de lembrar.
– Bem-vinda de volta – Liam quebrou o silêncio e fez um esforço enorme para sorrir.
Foi o que me bastou para me acalmar um pouco. Assenti com a cabeça e tentei sorrir também, mas não era capaz de responder.
– Finalmente o Liam disse alguma coisa sem ofender alguém – Luciel falou também tentando quebrar o clima. Comentário que fez com que se ouvisse até algumas pequenas risadas.
Henry estava atrás do Liam, parecia incomodado, pois cutucava a cabeça uma e outra vez enquanto mantinha seus olhos em mim. Fiquei olhando-o enquanto ele se aproximava, meio cambaleando e eu instintivamente dei um passo para trás.
– Eva... – ele parou na minha frente, mas não conseguia me olhar nos olhos – ... foi minha culpa..., se eu não...
Meu coração quebrou... ele se sentia culpado pelo que tinha acontecido comigo por conta do que ele falou. Eu neguei com a cabeça e fiz um esforço tremendo para abraçá-lo. Eu ainda tremia, mas eu não era capaz de culpá-lo por nada. Ele agora era uma das poucas conexões que eu tinha com a minha irmã.
– Não foi sua culpa – falei enquanto ele me abraçava de volta – Eu estou bem.
Menti, sei disso, eu não estava bem, mas ele não era o culpado realmente. A decisão de perseguir o suposto desconhecido havia sido minha. Seu corpo tremeu quando ele tentou afogar um soluço e eu o apertei ainda mais contra mim.
– Ah, qual é Eva? Por que você precisa ser sempre tão compreensiva? Por que não fica irritada? Por que precisa olhar pelo meu lado?
Ele falava de maneira desesperada.
– Ah, deixa de ser estressadinho, Henry – Liam falou fazendo uma careta.
– Isso significa que ele está voltando a normalidade – Yan comentou desde um canto qualquer.
Todos riram de novo, dessa vez com um pouco mais de vontade. Até eu sorri.
– Eu... eu só – ele gaguejou – Me perdoa. Te culpei por todas as coisas que estavam acontecendo. Eu não deveria ter feito aquilo. Eu estava nervoso e não queria acreditar no que estava acontecendo, você não é a culpada.
O pedido de desculpas dele parecia realmente sincero, fora que estava estampado no seu rosto e no seu corpo tenso o quanto ele estava arrependido, acenei com a cabeça sem me soltar do seu abraço e ele me apertou um pouco mais.
– Ai... – me encolhi ao sentir a dor percorrer meu corpo.
Ele me soltou assustado.
– Tudo bem – falei tentando disfarçar meu gemido de dor – Desculpas pelo que você disse aceitas.
– Certo – ele falou parecendo um pouco mais relaxado – Nunca mais farei isso.
Baguncei seu cabelo.
– Não se preocupa, maninho – de certa forma, chamá-lo daquela maneira foi mais fácil do que eu imaginei e notei um pequeno brilho em seus olhos.
– Tudo bem, agora deixem ela se sentar em algum lugar – John falou tentando dispensar toda a atenção que estavam me dando e eu agradeci internamente.
– Eva? – Jéssica me chamou com certa cautela.
– Sei o que vocês querem saber – falei suspirando enquanto todos se sentavam ao redor da mesa. Apenas Liam e John ficaram de pé inquietos.
– Não precisa falar nada se você não quiser – Zayn falou com um olhar compreensivo – todos havíamos concordado de que você falaria apenas se quisesse e se estivesse pronta para isso.
Olhei para Jéssica que havia começado a limpar o chão e me senti envergonhada daquilo. Olhei depois para todos na sala, todos pareciam preocupados e com uma certa expectativa, apenas Liam não olhava para onde eu estava.
– Eu vi uma pessoa lá fora – falei por fim sentindo um temporal surgir dentro de mim – Ele estava andando perto da entrada.
– E você... – Liam pareceu zangado, mas se calou assim que John o repreendeu com o olhar.
– Tudo bem, pode continuar – Harry falou tentando me animar.
Eu respirei fundo antes de continuar.
– Eu fui atrás dele, eu queria saber quem era e eu estava confusa com tudo o que tinha acontecido. Entre a decisão de ir embora ou não, eu simplesmente não me segurei. Minha ideia era apenas ver quem era e voltar. No fim, era um dos homens do Ray.
– Quem é Ray? – Judy pareceu despertar de um transe e não havia sido um despertar tranquilo.
– Aparentemente o chefe deles – falei sem conseguir olhar direto para ela.
– E o que você tem com ele, Eva? – alguma coisa em sua voz mostrava mais do que parecia, era uma mistura de ansiedade e irritação descontrolada.
– Segundo o homem que me atacou, eu pertenço a ele – falei encolhendo o ombro ao lembrar novamente do ataque no porão.
– É por isso que você tem uma aliança com o nome dele? – ela parecia indignada, mas tentava em vão não parecer acusatória.
Abaixei a cabeça sentindo tudo ao redor começar a rodar de novo, minha pressão parecia cair rapidamente e Ethan que estava próximo a mim tentou me apoiar, mas eu fiz qualquer sinal que pudesse indicar que estava tudo bem.
– Eu recebi essa aliança junto com um recado no dia da morte da Sarah e da Alana, segundo o recado eles iriam me chamar quando fosse a hora e eu iria me arrepender se não atendesse esse chamado. Sarah e Alana foram meu aviso.
Senti o choro preso na garganta e segurei para que as lágrimas não voltassem a rolar.
– Eva, eu... – Judy falou arrependida pelo tom que tinha usado comigo.
Ela caiu em uma cadeira e voltou a ser a pessoa ausente que eu via desde a morte da Alana. Eu não era capaz de seguir falando daquilo.
– Eva, eu sei que ninguém quer te fazer essa pergunta, então eu vou fazer – Henry falou levantando-se bruscamente.
Olhei para ele e senti o corpo encolhendo.
– Henry, para... – John falou quase em um sussurro.
– Não... eu sei que você quer saber isso também – ele falou em vários tons acima.
– Henry, não força – Ethan falou colocando as mãos nos meus ombros como estivesse tentando me proteger – Você prometeu que não faria nada assim de novo.
– Eu estou fazendo isso porque estou preocupado – ele falou começando a se irritar – Eva... ele... ele te violou?
Essa última pergunta saiu entre dentes.
– Não...
– Você tem certeza? – ele parecia desesperado.
– Não... – falei desesperada repassando toda a cena pela cabeça, eu achava que não, mas não conseguia mais ter certeza. Sacudi a cabeça tentando afastar esse pensamento. Olhei para baixo e senti tudo rodar de novo, sentia as lágrimas acumulando nos olhos e todas as recordações começaram a ficar confusas na minha cabeça.
– Alguém traz um pouco de água, ela está muito pálida – Ethan falou para qualquer um que pudesse fazer isso.
Pouco tempo depois apareceram com água e alguns biscoitos.
– Tem... um homem morto em um dos quartos do porão – falei gaguejando – ele tentou... tentou...
Respirei fundo tentando manter o controle das palavras, mas era difícil. A respiração estava alterada e eu não podia olhar para ninguém em concreto. Tentei a todo custo organizar as imagens que passavam descontroladas diante dos meus olhos.
– Ele tentou me forçar, tinha a parede... lembro de uma agulha no pescoço... ele queria... ele disse que queria... disse que eu teria que ser purificada de qualquer jeito... – as lágrimas começaram a rolar com abundância novamente – mas apareceu outra pessoa dizendo que eu era do Ray e o matou...
Eu sabia que não estava falando nada com nada, as imagens na minha cabeça eram extremamente confusas, mas pelo menos eu consegui realmente ter certeza de que não, ele não tinha chegado a fazer nada comigo. A sala ficou em um silêncio sepulcral, ninguém falava, ninguém ousava respirar alto. O único que eu ouvia eram alguns soluços vindos de Judy enquanto Harry a abraçava.
– Que inferno! – Liam gritou ao dar um tapa na parede – Nós precisamos ir embora daqui! Simples assim. Aqui não é seguro.
– É raro eu concordar com o Liam, mas eu estou de acordo. Esse lugar virou um inferno. Não temos nada nos prendendo aqui – John falou com a voz derrotada.
– Vocês têm razão – era a primeira vez que eu ouvia a voz de Vi depois do ocorrido – vamos começar a montar equipes de busca, para encontrarmos algum bom lugar que dê para todos.
– Nós não precisamos de equipes de buscas – Henry parecia tão zangado quanto Liam – o que precisamos é sair daqui o mais rápido possível.
– E sermos mortos lá fora por outros animais? Essa é a sua ideia? – Su falou calmamente, mas havia dureza em seu tom.
– A regra de não ficarmos sozinho será mantida. Os quartos deverão ficar perto um do outro, então os que estão mais distantes terão que se transferir para os quartos próximos a esta sala. Faremos vigilância constante a partir de agora nesse andar, iremos inutilizar os outros andares por enquanto. Se alguém receber mais alguma ameaça terá que informar imediatamente e Eva terá que ter escolta o tempo inteiro. Mantenham alguma arma sempre por perto. Vamos conseguir outro lugar em no máximo uma semana. Temos comida para no máximo isso e não sairemos mais para buscar. Se alguém tem alguma ideia melhor eu gostaria de ouvir, ou se alguém tem mais alguma coisa que queira adicionar peço por favor que fale também.
Vi falou olhando para todos. Eu levantei a mão devagar para poder falar.
– Eu queria pedir para que a Judy ficasse no quarto do Harry e se possível eu preferia não voltar para o meu quarto também.
– Entendo. Vamos arrumar um quarto para você então – Vi falou de maneira compreensiva – Harry e Judy, tudo bem por vocês?
– Sim, por mim está tudo bem – Harry falou e Judy apenas acenou.
– Eu acho que a Eva deveria ficar no quarto de alguém também – Ethan deu a ideia e me olhou como se pedisse desculpas por tirar a minha privacidade.
– Seria prudente realmente – Vi falou pensativo – mas não posso pedir para que ela divida o quarto com alguém depois de tudo isso. O que você acha, Eva?
Eu parecia estar vivendo uma alucinação, me sentia um peso para quem estava ali. Sei que estavam preocupados comigo e uns com os outros, mas o que eu sentia era inevitável.
– Ela pode voltar para o meu quarto se ela não se importar – Liam falou ainda sem olhar para mim.
– O que você acha? – Vi me perguntou.
Eu assenti com a cabeça me sentindo vazia. Não havia aceitado por ser o quarto do Liam, não aceitei por querer passar um tempo com ele e nem porque me sentiria mais segura. Eu aceitei no automático, aceitei porque teria aceitado qualquer coisa naquela situação.
– Agora que isso está resolvido, vou enfatizar que apesar do que aconteceu, precisamos nos manter unidos. Só temos uns aos outros. A vida nos tirou muito, não podemos deixar que nos tirem mais coisas. Sei que todos estão cansados, sei que ninguém foi capaz de dormir nessas 34 horas em que Eva ficou desacordada. Vou montar as equipes e novamente peço para que ninguém ande sozinho ou fique sozinho.
Todos assentiram, Jéssica montou uma equipe para ficar responsável pela janta e montou as rondas para a vigilância do andar. Cada grupo tinha no mínimo 3 pessoas. Cada um dos que teriam que se transferir de quarto saíram sem que ninguém ficasse sozinho.
Vi também me pediu para escolher 4 pessoas para que revezassem e ficassem próximos o tempo todo. Segundo ele, depois do que me aconteceu, seria normal eu não me sentir confortável se ficássemos trocando a pessoa que iria me vigiar, mas pediu para que eu incluísse o Ethan, que era o mais forte dali e Liam que sabia atirar. Uma das minhas escolhas obvias seria o John, minha outra escolha que talvez também seja obvia pois havia tido participação em muita coisa recentes da minha vida foi o Luciel.
– Se você a fizer sofrer, por mínimo que seja o sofrimento, eu acabo com a sua vida – John sussurrou tentando controlar a voz para Liam.
Eu fingi que não ouvi, ele havia falado baixo, mas acho que meus sentidos estavam em alerta para qualquer som. Qualquer ruído diferente me fazia sobressaltar.
– Eu fiz um mapa do andar indicando o quarto de todos e os locais permitidos. Lembrando que mesmo nesses lugares teremos que estar sempre acompanhados – Luciel falou colocando uma folha A3 na mesa.
Os únicos locais permitidos além dos nossos próprios quartos era a sala de jogos, a sala de reuniões e a cozinha e obviamente, sempre acompanhados.
As escalas de todos os dias foram feitas, claramente eu não estava incluída em nenhuma ronda.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro