{Cap. 4}
Ninguém sabe onde você está,
Quão perto ou quão longe
Continue a brilhar louco diamante
Empilhe muito mais camadas e eu me juntarei a você lá
David Gilmour
On An Island
feat. Crosby & Nash
(Remember
╰─────────────➤✎That Night)
Ficou decidido que todos esperariam até o grupo de pessoas que ainda estavam para chegar, para só então, decidir o nosso futuro. Se ficaríamos ou não.
Conseguiram uma cadeira de rodas da própria escola para Alana e saímos da sala que estávamos, que parecia ser o refeitório do andar e nos levaram para um quarto. Disseram que podíamos esperar lá até decidirem, e que voltariam para dizer o que haviam resolvido.
Eu estava um tanto inquieta, e por conta disso me sentei próximo a porta, e para a minha surpresa, eu pude escutar uma conversa, baixa, mas dava para ouvir com fluidez.
– Você está contra a votação, Ethan? – pude ouvir a voz perfeita de Lúcio, que eu já havia memorizado novamente. Não vou dizer que fui nobre o bastante para tentar não escutar, muito pelo contrário, eu afiei os ouvidos o máximo que pude para poder escutar todo o resto.
– Sim – foi a resposta mais rápida que eu pude ouvir.
– Por quê? – fiquei pensando em um motivo para que Lúcio perguntasse isso e não pude entender, não bastava somente saber que ele estava contra a votação? Afinal, não foi Lúcio quem me defendeu na outra sala quando falaram da possibilidade de nos mandarem embora dizendo que éramos amigos?
– Porque não teria sentido mandá-las embora depois de salvá-las, seria algo desumano. E, não parecem pessoas ruins.
– Isso é bem a sua cara – Lúcio respondeu, não sei o motivo, mas acredito que ele estivesse sorrindo naquele momento – Bom, logo todos vão ver o quanto elas podem ser úteis.
Aquelas últimas palavras me incomodaram, me incomodaram de verdade. Então, eu só poderia ficar se eu fosse útil? Claro que eu queria colaborar com todos, mas me julgar pelo que eu sou capaz de fazer não me parecia certo também. Eu realmente não lembrava desse lado dele, provavelmente ele não era assim, afinal, dez anos é um longo período para grandes mudanças.
De qualquer maneira, agora eu sabia que votariam para saber se ficaríamos ou não. Senti as mãos formigarem. Tive medo de voltar para as ruas com Alana, será que resolveria implorar para deixá-la ficar com Judy aqui?
No quarto em que estávamos havia quatro camas, era agradável e espaçoso, as camas eram individuais, estavam postas uma ao lado da outra separadas por um criado mudo. Do outro lado havia duas mesinhas de estudo e prateleiras logo acima. O guarda-roupa ficava acoplado na parede ao lado da porta de entrada e próximo a janela havia outra porta que levava ao banheiro. A janela era bastante grande, a vista era incrivelmente bonita. Próximo ao batente da janela havia uma espécie de puff comprido, o lugar ideal para sentar e poder ler um livro tranquilamente. O banheiro, longe de ser muito grande, contava com uma banheira e um chuveiro. Eu conseguia me imaginar vivendo ali com amigos. Ao contrário do que a maioria das casas que passamos, o local estava bem cuidado e limpo, logicamente o grupo que vivia ali cuidava bem do local.
Acomodei Alana em uma cama próxima a janela. Imaginei que talvez, poder olhar a paisagem a tranquilizaria. Era uma noite fria, cobri as pernas dela que estavam sempre geladas por falta de circulação e me sentei próxima a ela, aguardando a decisão das pessoas do lugar. Já havia se passado 1 hora desde a conversa que eu escutara de Lúcio e Ethan e uns 30 minutos desde que escutei mais pessoas passando pelo corredor, o que acreditei que seriam os outros moradores da escola. Eu já havia perdido as contas de quantos sobreviventes havia por ali.
Conversei com Judy sobre assuntos triviais, como o tema do último livro que ela havia lido e sobre o romance entre os personagens principais, até que fomos surpreendidas por gritos.
– Por favor, alguém o ajude! – era a voz de um homem. Logicamente eu não distinguia as vozes ainda, mas provavelmente era alguém que havia chegado depois.
Meus olhos cruzaram os de Judy, saímos com pressa, mas não sem antes deixar a porta do quarto fechada. Mesmo com o coração dando saltos, eu não podia esquecer a segurança da minha irmã.
Não levou dois minutos para chegarmos à sala onde todos estavam reunidos. Havia um aglomerado de pessoas no meio da sala e eu fui chegando perto para saber o que estava havendo. Não me importava se eu pertencia ou não aquele lugar, eu precisava saber.
Havia um rapaz ruivo, sim, mais um rapaz ruivo, eu nunca havia encontrado um em toda a minha vida, e naquele dia eu estava compensando isso. O rapaz ruivo estava segurando pelo ombro um homem de uns 30 anos no máximo. O homem estava bastante pálido.
– Victor fala comigo! – um homem moreno de mais ou menos a mesma idade do homem que estava passando mal falava sem parar.
Olhei para o rosto do moço, ele estava suando, os olhos estavam fixos olhando para cima e o maxilar estava travado com força. Eu conhecia aquilo.
– Quem é você? – o ruivo que o segurava perguntou um tanto confuso.
– Pergunta isso depois. Vamos deitar ele agora, no chão mesmo – falei com a voz firme mesmo notando a hesitação nos olhos do rapaz.
O deitamos e eu o virei para o lado esquerdo. Não pensei duas vezes antes de tirar a blusa que eu estava vestindo. Senti o ar gelado na pele e senti um arrepio, coloquei a blusa abaixo de sua cabeça e por um milésimo de segundo depois ele começou a se debater. O homem moreno fez menção de segurá-lo, mas eu o impedi.
– Não o segure, só tirem todas as coisas que estão ao redor – eu falei alto e firme. Judy, que já havia entendido o que estava acontecendo, já havia adiantado uma boa parte. Eu segui ao lado do homem, segurando apenas a sua cabeça para que ele não a batesse, e mesmo assim eu não usava muita força. Pacientemente esperei a convulsão terminar. Apesar de eu ter pedido espaço para quem estava ali, quase ninguém se moveu, todos seguiam olhando como se aquilo fosse um espetáculo.
Judy seguia tranquila ao meu lado. Ela já havia presenciado inúmeras convulsões da minha irmã, acredito que a minha calma e a calma dela tenha afetado os outros que pareciam mais tranquilos também.
Como o esperado, e para o meu alívio, a convulsão acabou em poucos minutos, uns 3 minutos ou menos eu diria. Após os espasmos terem cessado, ele demorou um tempo para voltar a si.
– O que aconteceu? – foi a primeira pergunta que ele fez parecendo extremamente cansado.
– Bem-vindo de volta – eu disse sorrindo para ele enquanto o ajudava a se sentar. Olhei atentamente seu rosto. Seus olhos estavam um pouco apagados pelo que acabava de acontecer, mas ele parecia ser alguém muito ativo sempre. O rosto era delicado, provavelmente havia sido alguém endinheirado. Não que a aparência conte, mas ele era o típico homem que eu via tomando fotografias para revistas, como eu costumava fazer. Enquanto ainda estudava delicadamente seus traços, acabei por levar mais uma pancada da vida. Segurei a sua mão para ajudá-lo a se sentar, senti um pequeno bilhete, que ele não fez questão nenhuma de esconder. O bilhete simplesmente dizia "bons sonhos. Ass: R". Acho que eu fiquei paranoica com tudo o que havia acontecido naqueles dois anos que se passaram, pois a primeira coisa que me passou pela cabeça foi, "ele foi drogado", essa convicção cresceu tanto que ficou insuportável.
– Estou com sono, meu corpo está mole, posso me deitar de novo? – sim, um pedido simples, mas fatal para as minhas emoções atuais. Senti um vazio se formando dentro de mim e tentei segurar o que sentia. Judy olhou para mim preocupada com a súbita mudança no meu comportamento.
Eu tinha que comprovar, cheguei ainda mais próximo do jovem enquanto ouvia alguém gritar "ei, o que você está fazendo?", mas me preocupar com aquilo seria bobagem. Coloquei a mão no seu pescoço e senti a palpitação dele acelerada, segurei seu rosto, que estava banhado de suor e levei minha boca até a testa dele, ele estava com febre. Os sintomas estavam ali, muito, muito leves, mas estavam ali. Sei que poderia ser qualquer outra coisa, mas naquele momento, a única cena que me vinha na cabeça era os dois amigos de Judy caídos sem vida no chão.
Chamem de instinto, de paranoia, de teimosia ou do que quer que seja. Eu tinha certeza e ocorrências futuras me fizeram saber que eu realmente estava certa naquele dia.
– Judy, saia daqui – falei primeiro tentando manter a calma – pega a Alana e se prepara, talvez não fiquemos aqui.
– O quê? – ela falou parecendo um pouco assustada.
– Judy – respirei fundo, não queria perder a calma na frente dela e não queria que ela visse o rapaz naquelas condições – por favor, saia daqui.
– Ei, dá para você dizer o que está acontecendo? – o rapaz ruivo perguntou parecendo confuso e então eu explodi.
– Droga, como vocês podem ser tão idiotas? – eu gritei tentando segurar a raiva – Judy, sai daqui de uma vez! Eu juro que não vou deixar isso acontecer de novo, mas não quero você aqui!
Judy que era sempre tão alegre perdeu a cor, caiu de joelhos no chão e chorou, um choro alto e espasmódico pois ela via a mesma cena se repetir. Eu sabia que não podia contar com a ajuda dela naquele momento, eu sabia o quanto era difícil imaginar que mais alguém poderia morrer dessa maneira na sua frente. Eu só queria que ela saísse dali.
– Você – eu disse apontando para o homem moreno que já havia se aproximado e provavelmente tentaria me tirar de perto do seu amigo – Tire todos daqui, exceto os que estavam com ele quando ele voltou para cá.
– E quem você pensa que é para dar ordens aqui? – ele finalmente havia recobrado a postura e se recuperado do susto anterior.
– Ele foi drogado. Está intoxicado – eu disse baixo tentando manter a calma, mas acho que pelo meu olhar ele pôde notar o quão sério eu estava falando – Agora, faz o favor de tirar todos dessa maldita sala, fiquem apenas os que estavam com ele agora a pouco. E você – eu disse apontando para Liam, que foi o primeiro a entrar no meu campo de visão – no quarto que vocês me deixaram, tem uma mochila, a mesma que eu estava carregando quando vocês nos encontraram, traga-a aqui o mais rápido possível.
Vi a cara azeda que Liam fez e senti o desconcerto que aquilo tudo estava causando nas demais pessoas da sala. Mas apesar disso tudo, todos fizeram o que eu acabava de dizer. Ficaram apenas o homem moreno, o ruivo que o estava carregando e eu.
– Eu estou enjoado e tudo está rodando – o homem disse querendo se deitar de novo.
Deite-o novamente do lado esquerdo, se ele perdesse a consciência, não correria o risco de se engasgar caso vomitasse.
– Ei, tenta ficar acordado está bem? – disse com a voz suave, estressá-lo mais naquela altura seria algo ruim e eu já havia feito o suficiente para deixar qualquer um em pânico – Que tal você tentar me falar um pouco de você? Podia me falar de coisas que gosta de fazer? – eu continuava segurando a sua mão, torcendo para que tudo aquilo fosse um sonho. Normalmente, aquele tipo de situação não era fatal, mas o medo era corrosivo.
– Eram vocês que estavam com ele? – perguntei de maneira ríspida quando notei que o homem não falaria nada.
– Sim – os dois responderam em uníssono.
– Olha, eu vou ser clara. Eu não sei onde vocês estavam, eu cheguei aqui hoje um pouco mais cedo. Eu não faço ideia de que lugar é esse que estamos agora e muito menos quem são esses "seletores", na qual alguns falam com total certeza de que eu faço parte. Mas por alguma razão eu desconfio que isso esteja relacionado. Para a sorte dele a pessoa que fez isso não queria matá-lo. Não sei quais são as intenções dessa pessoa, mas com certeza era só tirar ele de "linha" por um tempo.
– E como você tem certeza de que foi intoxicação? – o ruivo perguntou sem a irritação que eu estava esperando, fazendo com que a minha própria irritação se diluísse rapidamente.
– O amigo de vocês estava segurando isso – entreguei o bilhete que seguia na minha mão. Os dois ficaram pálidos no mesmo instante.
– Ei Vi – o moreno agachou próximo do amigo – O que significa isso?
– Que? – Victor parecia confuso.
– Olha, não adianta perguntar nada para ele agora – eu interrompi, dessa vez colocando toda a compreensão que eu sentia na voz, eu entendia o que o amigo dele sentia e toda a raiva que eu tinha sentido apenas se dissipou no ar – Vamos torcer para que os efeitos passem sem nenhum agravamento. Apesar de que possivelmente a dose foi baixa, cada um reage de uma maneira diferente.
Nessa hora, Liam entrou com a minha mochila.
– Aqui – foi a única coisa que ele disse enquanto se virava para sair.
– Espera Liam, fica aqui também – falei antes que ele pudesse dar o primeiro passo em direção a porta – Prefiro que mais alguém além deles esteja junto. Não quero me meter em mais confusão do que já estou e no momento prefiro ter testemunhas por perto, apesar de não nos conhecermos também.
Eu seguia abaixada e Liam estava um pouco atrás de mim, onde ele permaneceu como uma estátua, possivelmente com os braços cruzados e a cara emburrada. Esvaziei a mochila até achar uma caixa de remédios. Tirei uma cartela de carvão ativado que eu sempre levava comigo para casos de intoxicação por água ou comida, pedi um pouco de água para alguém e fiz o homem tomar duas capsulas com um mínimo de água possível.
– Isso vai funcionar? – Liam perguntou atrás de mim.
– Eu não tenho certeza, espero que sim – respondi. Eu não sabia se funcionaria ou não, eu fiz apenas o básico de enfermagem para poder cuidar da minha irmã, eu não entendia de saúde mais do que qualquer um naquela sala, mas sabia que o carvão ativado tinha a função de remover as impurezas do organismo e usei da lógica para tentar ajudá-lo – Existe algum lugar com camas na qual eu possa ficar com ele um tempo? Vai ser bom manter ele sob vigilância para o caso de outros sintomas ou para o caso de uma nova convulsão.
– E por que você que vai ficar com ele? – Liam perguntou sarcasticamente.
– Bom Liam, você pode ficar lá comigo se quiser, mas assim você não participaria da votação, não é mesmo? – o moreno e o ruivo me olharam um tanto sem graça quando eu disse isso, não sei exatamente qual foi a reação de Liam, mas imagino que algo parecida com a deles.
– Que se dane a votação, nós éramos contra de qualquer jeito. Não vou deixar que te mandem embora agora – o moreno disse tranquilamente – Não posso dizer que confio em você, mas você teve uma atitude rápida para ajudar alguém que você nem conhece. De qualquer maneira, graças a você pudemos encontrar algo importante.
Notei que ele tomou cuidado para não falar sobre o bilhete que eu o havia entregado, mas preferi não mencionar nada, afinal, aquilo não me concernia. Eu não os conhecia e não tinha o direito de me intrometer.
– Isso não é nada comparado ao que fizeram por mim – respondi baixo enquanto Liam trocava o lado de apoio do corpo incomodado com a conversa.
Levamos o homem para uma pequena enfermaria que ficava no andar acima ao que estávamos. O deitamos em uma cama, eu me sentei ao lado de seus amigos em uma cadeira próxima. Judy veio ao meu encontro para saber se estava tudo bem.
– Por enquanto está tudo controlado. Provavelmente agora só precisa que controlem a febre e de muito descanso – eu disse a ela, e senti o quanto ela pôde relaxar depois de ouvir isso – Posso te pedir um favor?
– Obrigada, Eva. Obrigada por ajudá-lo – ela respondeu e me abraçou. Os rapazes a olharam estranhando a situação, pois ela nem conhecia o homem que havia sido drogado – Pode pedir o que quiser.
– Cuida da Alana essa noite? Vou ficar por aqui para o caso dele precisar de algo. Se precisar eu volto para o quarto – pedi, sabendo que ela aceitaria. Eu não o conhecia, mas acreditava que cada vida humana valia muito e para salvar alguém não precisávamos de uma amizade. Eu o havia ajudado e agora me sentia responsável por ele. Talvez seja besteira da minha parte, mas era assim que eu me sentia.
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