{Cap. 36}
Eu sou o ato seguinte
Esperando ás escondidas
Eu sou um animal
Preso em seu carro quente
Eu sou todos os dias
Que você escolhe ignorar
All I Need
╰─────────────➤✎Radiohead
O grupo se desfez pouco a pouco e eu fui para uma das janelas da enfermaria, eu gostava de ficar olhando para fora, criando histórias felizes na minha cabeça. Me sentei abraçada nas pernas, tentando ficar em uma posição em que o calcanhar não doesse muito e fiz de tudo para apagar o que tinha acontecido, mas a cena dos restos de Jay martelavam na minha cabeça.
Lúcio se aproximou e notei que Liam ficou pouca coisa mais para trás, esperando que Lúcio terminasse de falar comigo.
– Acho melhor você tomar cuidado – Lúcio sussurrou no meu ouvido – Isso é apenas um conselho de um amigo.
– O que você quer dizer...? – perguntei apreensiva
– Exatamente o que eu disse. Você não acha que as coisas estão seguindo um caminho um pouco estranho, Eva?
Senti a cor fugir do meu rosto.
Liam olhou para nós dois querendo saber o que estava se passando, mas ao me lembrar do que Lúcio havia me feito uma vez, não consegui encontrar nenhuma palavra para seguir.
– Nós sempre fomos amigos, Eva. Você pode mesmo esquecer da nossa amizade e depositar sua confiança em pessoas que mal conhecem? Pensa bem nisso.
Eu estava muda e com medo, tentei sustentar meu olhar, mas eu falhava uma e outra vez miseravelmente, ele chegou um pouco mais próximo, quase roçando sua boca no meu ouvido.
– Claro que eu quero que todos fiquem seguros e o melhor seria não se basear em rumores infundados, você não concorda? Eva, talvez você esteja inclinada a confiar nessas suspeitas porque você está cansada desse lugar. Talvez você precise descansar primeiro e depois podemos conversar sobre isso – ele se virou com um sorriso cativante – Até mais, Liam.
– Até... – Liam me olhou de forma estranha, mas eu não queria falar sobre o que tinha acontecido e nem sobre o que Lúcio havia acabado de dizer.
– Você vai me contar o que rolou hoje, certo? Inclusive o que o Lúcio falou agora – Liam cortou o silêncio.
– Depois – falei sentindo o desânimo tomar conta do meu corpo.
– Ok. Não gosto muito de ficar esperando, mas você promete que vai me contar, né? – ele estava claramente tentando agir normalmente comigo.
– Tudo bem... – respondi em um sussurro sem conseguir entrar no clima.
– Mas realmente parece que alguma coisa aconteceu lá fora, e não digo por conta da morte do Jay, parece que existe alguma outra história por trás disso – ele provavelmente notou o como minha expressão caiu com esse último comentário e suspirou – Sinto muito Eva. Ninguém tinha a intenção real de te culpar.
– Tudo bem Liam, ninguém precisa realmente falar alguma coisa para que eu me sinta culpada.
– Não pense desse jeito. Que tal se você for descansar um pouco agora. Ficar aqui sozinha não vai resolver muita coisa. Aconteceu muita coisa com você hoje e sei o quanto você deve estar cansada. Parece que Judy já se encarregou da sua irmã.
Ele colocou a mão quente na minha cabeça e eu senti o calor da sua palma através do cabelo. Os olhos dele se encontraram com os meus por um rápido instante antes que ele oferecesse a mão para me ajudar.
– Obrigada por ter ficado aqui por mim – agradeci baixinho.
Aceitei a mão que ele me ofereceu para levantar. Eu gostava das vezes em que ele não estava irritado ou sendo sarcástico, mas admitindo um fato, gostava até quando ele estava no estado "normal" dele, porque sentia que ele era o único que realmente falava o que pensava.
Ele me acompanhou até meu quarto, nos despedimos brevemente, meu corpo estava dolorido e eu notei vários hematomas enquanto tomava banho, mas não dei importância a isso e apenas me deitei após colocar a roupa. Pensei nas coisas que havia acontecido e no quão bom era ter John e Vi por perto, as decisões deles nos havia salvado inúmeras vezes e soube que aquele grupo só existia por conta deles, só se mantiveram unidos porque eles tomaram a dianteira. Sei que teve uma votação para líder, mas Vi ganhou essa votação praticamente empatado com John, acho que de certo modo, todos eram agradecidos a eles. Se não fosse pela preparação deles, acho que todos já estaríamos mortos, ou pelo menos bem próximo disso. Eu, como todos os outros, sabia que eles poderiam errar, errar era humano, e se isso acontecesse, será que poderíamos culpá-los? Será que era justo colocar a morte de Jay nas costas do Vi? Ou nas costas de qualquer outra pessoa?
Liam não se dava bem com Lúcio, e de certa forma eu podia entender. Eu já não sentia Lúcio igual a quando éramos pequenos. No fim, Liam sempre duvidava do Lúcio e eu também.
"Não temos que duvidar uns dos outros", "Odeio que haja discussões e dúvidas entre nós", escutei Harry falando algumas vezes. Ele realmente se parecia com a Judy, mas essa confiança extrema as vezes me parecia um pouco fora da realidade. "Precisamos de provas para acusar alguém, Eva", Judy sempre me falava, mas não suspeitar era distinto, era muitas vezes instintivo.
Sem ser capaz de dormir, resolvi sair para dar uma volta, no fim das contas eu não poderia ficar no quarto com tantos pensamentos rondando a minha cabeça. Fui devagar e mancando, sei que não deveria, mas sentir aquela dor era de certo modo reconfortante, pois me trazia à realidade toda vez que eu começava a me afogar dentro de mim.
– Não quero duvidar de ninguém Harry, me sinto mal por ela – a voz de Ethan chegou até meus ouvidos.
– Ela? Está se referindo a Eva? – a voz familiar do Harry ecoou baixa pelo corredor. Parei com o coração acelerado.
– Bom, ela... – dessa vez era a voz inconfundível do Liam
– Então você confia nela, Liam? – Ethan perguntou. Acredito que ele tenha acenado ou algo assim, porque em seguida Ethan continuou – Se você confia nela, deveria confiar um pouco mais nos outros também, certo? Afinal, Lúcio e ela são amigos.
– Olha, isso... é... – Liam parecia um pouco enroscado na conversa – Não quis dizer que não confio nele, só achei estranha a reação dela – apesar de ter sido essa a resposta dele para os meninos, eu sabia que ele de fato não confiava no Lúcio.
– Certo – Harry disse parecendo aliviado – Liam, não queria dizer isso, mas Ethan tem razão. Devemos acreditar nos nossos companheiros.
– Céus! Eu realmente sou o malvado aqui? – o tom sarcástico de Liam havia retornado, o que me fez sorrir. Sei que eu não deveria estar escutando a conversa de outras pessoas, mas eu fazia parte do assunto, então me dei esse direito.
– Liam, não foi isso que eu disse. Eu confio em você e tenho certeza de que Ethan também. Certo, Ethan?
– Raios. Definitivamente vocês acabam de dizer que de fato eu sou o único malvado aqui – Liam retrucou.
– Oras Liam, amigos de novo. Certo? – Harry disse com a voz já bem mais alegre, "Amigos de novo?" Tive vontade de rir com essa cena de "as pazes" dentro de uma escola primária e secundária, nunca imaginei ver adultos fazendo isso.
– Está bem, está bem – Liam se deu por vencido.
Escutei passos, eles se separaram e eu precisava sair dali para que não soubessem que eu havia escutado a conversa. Por sorte, eu não tinha ido longe do meu quarto, sendo assim, pude voltar sem ser pega.
Entrei no quarto e logo que o silêncio reinou no corredor eu saí mancando para ficar rodando pelos corredores novamente. Não conseguia entrar de novo no quarto, não conseguia estar perto de ninguém. Eu estava ali apenas de corpo, parecia que minha cabeça estava em branco e, como se fosse para me despertar desse estado aéreo, escutei um barulho e quando me virei, vi um vulto correndo escadas abaixo e por algum motivo, tive a sensação de que quem quer que tivesse corrido, era o responsável pela maior parte das coisas que estavam acontecendo.
"Droga, sei que é perigoso" – pensei, mesmo assim resolvi segui-lo. Meu pé estava latejando e eu comecei a respirar com dificuldade, fui lenta demais e perdi a figura, mas sabia que ele não podia ter ido longe.
Cheguei no térreo, olhei ao redor tentando encontrar qualquer rastro. Olhei em direção ao que um dia foi uma cafeteria e fiquei parada sem saber o que fazer e escutei alguma porta no corredor sendo aberta. O som tinha vindo de perto das escadas. Segui andando com mais dificuldade que antes até chegar à porta do porão que estava escancarada. Eu sabia que não deveria seguir, mas meu instinto "problema" havia acionado.
Desci degrau por degrau com cuidado. Precisava saber quem estava por trás disso. Comecei a sentir medo, era o primeiro sentimento real que eu estava sentindo após o incidente com o Jay, mas mesmo com o corpo tremendo, eu segui descendo. Estava tudo escuro. Segui com as mãos nas paredes até achar o interruptor da luz, as luzes se acenderam, mas mesmo com a claridade era sinistro o lugar.
Minhas pernas começaram a tremer ainda mais, fazendo com que meu tornozelo doesse de uma maneira quase insuportável. Podia escutar minha respiração e cada passo que eu dava.
Cheguei próximo a uma mesa escolar e na mesa havia uma caixinha. Respirei fundo antes de abri-la. Na caixa havia uma coisa familiar, um colar que sempre estava com Helena, uma foto tirada recentemente de todos nós reunidos e um bilhete. "Faz anos que te observo de longe. Você é perfeita, mas se suja com facilidade. Espero que meus avisos tenham chegado até você de forma clara."
Senti minha respiração alterando. Eu precisava mostrar aquilo para alguém. Subi com um pouco mais de rapidez, ignorando completamente a dor.
Era impossível fazer a Sarah e Eva se darem bem, principalmente depois da cena lamentável da briga das duas. Sarah continuava provocando a Eva pelas coisas mais bobas e a Eva por sua vez, parecia cada vez mais distante. Eu sabia que algo grave estava acontecendo. A via resmungar sozinha as vezes, outras a via perdida em pensamentos com os olhos opacos por algum sofrimento interno na qual eu era incapaz de alcançar. John parecia ser o único a ter acesso a essa parte dela e ao mesmo tempo que eu me mordia de ciúmes, eu estava agradecido por ela poder contar com alguém.
Sarah continuava culpando Eva pela morte do cunhado desde que soube da notícia. Eu havia deixado a Eva em seu quarto e fui para a sala de jogo, onde para a minha surpresa, Sarah também estava.
– É obvio que tem algo de errado, mas por que ninguém me escuta? – eu escutei Sarah falar a mesma coisa pela milésima vez e ela perdendo a paciência gritou a última pergunta – Por quê!?
– Nossa, não aguento mais isso – resmunguei para mim mesmo.
Aquilo já havia acontecido muitas vezes, mas ultimamente tudo o que acontecia afetava tanto os ânimos de todos que escutar Sarah resmungando me deixava cada vez mais para baixo.
Sarah me olhou com os olhos cheios de lágrimas e saiu da sala.
Incapaz de deixar a preocupação de lado fui até o quarto dela. Ela estava olhando para o espelho e colocando uma quantidade absurda de hidratante labial. Consegui ver seus olhos cheios de tensão no reflexo.
– Ei, Sarah – chamei batendo de leve na porta.
Ela se assustou ao olhar para trás.
– O que é? – ela falou tentando enxugar as lágrimas para que eu não a visse chorar.
– Você está chorando... – afirmei deixando os ombros caírem.
– Quem está chorando? – ela fungou e olhou para o outro lado.
– Seus olhos estão vermelhos e eu te conheço Sarah – falei suspirando.
– Liam, por favor, fica comigo. Você é tudo o que eu tenho agora.
– Quê? – perguntei confuso.
– Eu estou com medo – ela falou olhando para baixo – Essas coisas estranhas continuam acontecendo.
– Foi com o nosso mundo que a coisa mais estranha aconteceu – falei me sentando em sua cama.
– Eu sempre me senti segura aqui, Liam. Sempre me senti segura com você – ela falou se sentando ao meu lado – Mas a sensação não é mais a mesma. Estou com medo. Não quero ficar sozinha.
– Então vamos voltar para a sala de reuniões – falei por ser a coisa mais óbvia a se dizer – Todos os outros estão lá.
– Não – ela agarrou meu braço – Quero ficar com você.
– Olha, é melhor ficarmos em grupo – falei tentando soltá-la. Aquilo ia realmente acontecer de novo...
– Não – ela emburrou – ela está lá também.
– Quem? – perguntei já sabendo da resposta e me sentindo de repente arrependido de ter ido atrás dela – Está falando da Eva? Ei, o que ela te fez para você justificar esse comportamento?
– Liam, você está do lado dela também ou algo do tipo?
– Que inferno, Sarah. Isso não tem nada a ver com assumir lados. Não consegue enxergar que essa sua competição estúpida por não sei o quê só está prejudicando-a?
– Ah – ela riu de uma maneira nervosa – Parece que você ficou caidinho por ela também. Sou a única que ainda está em sã consciência? Isso é um absurdo.
Olhei para ela e senti um arrepio percorrer meu corpo, ela parecia haver perdido a sanidade e aquilo me deixou extremamente preocupado.
– Ei! Sarah!
– Saia daqui, Liam! Não quero mais ver a sua cara! – ela praticamente me expulsou do quarto aos berros – Cai fora! Sai do meu quarto!
Preferi deixá-la sozinha. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde acertaríamos isso.
Após deixá-la, encontrei Ethan e Harry no corredor, conversamos um tempo e fui para a sala de jogos, que novamente, não estava vazia.
– Droga, logo você – resmunguei querendo refazer meus passos.
– Espera, Liam – John me chamou sem ao menos se virar para a porta.
– O que você quer? – perguntei sentindo o mau humor se instalando dentro de mim.
– Eu sei que você está preocupado com a Eva – ele seguia sem olhar para trás e eu preferi me manter na porta – ela está sofrendo, e está sofrendo muito... não adicione mais carga em cima dela.
– O que você quer dizer com isso? Por que você acha que eu iria querer fazê-la sofrer? – perguntei rispidamente.
– Você é um idiota. O que ela viu em você afinal de contas? – ele murmurou, se levantou e lentamente foi até onde eu estava. Perto de mim, John era grande e com a cara que ele estava fazendo, posso dizer que ele estava inclusive aterrorizante. Ele parou a poucos centímetros de onde eu estava e continuou – Ela te ama..., mas todas as vezes que você chega perto, ela sofre de alguma maneira... então eu estou te dando um aviso: não seja um fardo para ela.
Senti meu coração disparar, mas antes que eu pudesse mandar o John para um lugar bem-merecido, a Judy apareceu.
– Vocês dois juntos? – a cara de espanto dela era compreensível, mas ela se recompôs da surpresa rapidamente – Vocês viram a Eva? – qualquer raiva que eu pudesse ter sentido por John naquele momento, desapareceu por completo e meu corpo foi tomado por pura preocupação.
– Eu a deixei no quarto mais cedo – falei tentando manter a calma.
Judy fez uma careta e respirou fundo.
– Ela não está no quarto. Já procurei em todo o andar e não a encontro. Achei que ela podia estar com... – ela pareceu de repente confusa e eu terminei a frase mentalmente "com o John".
O único lugar que ela iria a essa altura e com o ânimo caído do jeito que estava, seria junto dos filhotes.
– Vem, John – o chamei sem nem saber o motivo – Eu sei onde ela pode estar.
Judy pareceu relaxar e John apenas me seguiu em silêncio.
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