{Cap. 22}
Então finalmente aconteceu
Eu vi o fim do mundo
Eu vi a loucura se desdobrar
The End of the World
╰─────────────➤Billie Eilish
O frio havia finalmente ficado intenso apesar de faltar praticamente dois meses para o inverno e a primeira coisa que pensamos foi poder queimar papeis para nos manter aquecidos durante a noite.
– Nenhum de nós queremos ouvir más notícias, mas o que temos de fato não é o suficiente para nos manter aquecidos. Me preocupo especialmente com Alana, já que manter seu corpo aquecido é um desafio ainda maior – Judy falou olhando para a sua amiga que mirava fixamente para algum ponto da paisagem fora da janela.
– Olha, já sobrevivemos a outros invernos antes – Vi indagou tentando animar a todos – Esse pelo visto vai ser um inverno rigoroso, já que o frio se adiantou bastante, mas estamos a salvo na escola e temos camas e cobertas, assim poderemos tentar pensar em alguma coisa tranquilamente.
Eu sorri, porque sabia que Vi tinha razão.
– Ainda resta lugares para tentar usar as chaves, sei que já vimos praticamente tudo, mas ficaram alguns poucos lugares para ver no fim das contas – indiquei para ver se provar o resto das portas poderia ajudar.
– Aonde não fomos ainda? – Liam perguntou. Fiz um esforço tremendo para não olhar para ele.
– Falta a sala dos professores ainda – Helena nos lembrou.
– Acho que ainda faltam portas sem abrir no quinto piso, havíamos provado metade dele, mas não todos os quartos – Jéssica disse olhando para a sua prancheta.
– Temos o andar térreo ainda. Sei que existem armazéns por lá – disse, já que ninguém nunca tocava no assunto do térreo – Não podemos esquecer que existem armários pelos corredores que também poderiam ser provados.
– Em último caso, sempre poderemos tentar usar a força – Luciel falou rindo – Para isso temos os nossos atléticos aqui – falou apontando para Ethan e Liam.
– Ei, poderemos descansar um pouco antes de irmos para as tarefas diárias? – Henry havia voltado ao seu mau humor habitual, mesmo assim, sempre tirava um tempo para conversar com Alana. E eu, tinha cada vez mais carinho por ele.
– Eu também estou cansado para ser sincero – Harry complementou.
– Eu continuo morrendo de sono – Yan falou um pouco sem graça e Ethan concordou com ele.
– Visto que não descansamos o suficiente após o mutirão de faxina de hoje cedo, acredito que poderemos tomar um descanso e finalizar o dia por hoje – John falou com sua voz passiva.
– Eba! – Judy gritou, não sei se pelo fato de que poderia descansar, ou pelo fato de que teria o dia livre para falar com Harry a vontade. A vi saltar emocionada feito uma criança e ri para mim mesma.
– Ei, Alana – Henry a chamou animado – quer assistir alguma coisa comigo? – aparentemente eu não precisava me preocupar com a Alana também.
– Já que estamos livres, eu vou dormir – Liam falou se levantando e antes de sair tocou nas minhas costas para se despedir e sussurrou no meu ouvido – Fique longe de problemas criança. E tenta descansar, sua cara está péssima.
Eu e Liam havíamos nos distanciado um pouco após a festa, mas mesmo depois da nossa pequena briga, eu não conseguia simplesmente deixar de falar com ele e para ser sincera nem queria isso.
Concordei com a cabeça e ele saiu. Pouco a pouco todos saímos junto.
– E você? O que vai fazer? – Su me perguntou enquanto saíamos.
Mexi na chave que estava no meu bolso de maneira pensativa. Descansar agora me daria tempo para pensar e isso era tudo o que eu não queria.
– Acho que vou ficar por aí, vou falar com a Judy para poder resolver – respondi tranquilamente.
– Quer companhia? – ela se ofereceu.
– Não se preocupe Su, sei que você está cansada também. Você precisa de um descanso. Mesmo assim obrigada por se oferecer. De qualquer jeito, não pretendo ficar muito tempo fora do quarto.
– Está bem então. Qualquer coisa pode me chamar, ok?
Eu havia voltado a sentir ansiedade pelos bilhetes, sentimento que havia me abandonado somente na hora da festa, mas que agora voltava vez ou outra com ainda mais força. Quem poderia ser? Não conseguia duvidar de ninguém ali. Sentia que podia estar exagerando, que não era possível ser alguém do nosso grupo, porque apesar das diferenças, todos se ajudavam, mesmo que não se dessem bem.
Sentindo a ansiedade crescer, resolvi pegar minha arma e coloquei o silenciador nela. Eu havia deixado de andar com ela e sabia o quanto eu era covarde para realmente conseguir usá-la, mas de certa forma, me sentia mais segura tendo-a por perto.
Comecei caminhando pelo corredor e resolvi baixar até o térreo, queria provar as chaves por lá. Era o lugar que havíamos deixado mais abandonado até então. Sabia que o ideal era não andar sozinha, isso era pedido por John ou por Vi reunião após reunião, mas... que mal poderia me acontecer? Afinal a escola me parecia um lugar seguro.
Mesmo passando por diversas portas, as chaves não encaixavam e eu começava a ficar frustrada com aquilo, mas não queria me render, ainda havia algumas portas por ali. Virei uma das esquinas do corredor do térreo e pude ver inúmeras salas de aula. Resolvi ver uma das salas e senti como se eu tivesse voltado para o pesadelo de antes. Tinha mesas jogadas de qualquer maneira, livros rasgados e jogados, mochilas no chão ainda abertas com materiais dentro. Aquilo tudo foi aterrador para o meu espírito. Me imaginei em uma sala de aula vendo a primeira pessoa morrendo aos sinais dos primeiros sintomas da doença. A essa hora, eu estaria com o Nick, comendo alguma coisa pela cidade, falando de todas as tarefas infinitas que eu deveria fazer para a faculdade, eu logo terminaria a faculdade e meus dias estariam realmente cheios. Poderíamos também haver nos reunido com vários amigos e ido ao café da vovó Lena, ela fazia bolos maravilhosos. Apertei os punhos e sacudi a cabeça tentando me livrar desses pensamentos. Eu tinha que continuar forte, não deveria seguir chorando pelos mortos para sempre. O que importava agora era me manter viva, e isso não era lá algo muito difícil com esse grupo todo, se não fossem pelos recados...
Afastando os pensamentos tristes, dei um passo adiante e escutei um som estranho vindo de algum lugar próximo das escadas. Meu coração acelerou, realmente me sentia incômoda e não conseguia perguntar quem era, afinal ninguém descia até ali e nesse dia todos haviam sido dispensados. Senti o medo percorrendo meu corpo. Novamente escutei um barulho, dessa vez mais forte, conseguia escutar como se fossem patas de cachorro batendo no chão da escola. Meu coração batia cada vez mais rápido, batia tão rápido que podia jurar estar escutando-o.
Contive a respiração e peguei minha arma tentando não fazer barulho. Me arrependi de haver descido, de ter recusado a companhia da Su, mas já era tarde para qualquer arrependimento. Os barulhos ficaram ainda mais fortes. Percorri com os olhos para tentar achar algum lugar onde pudesse me esconder, tinha a porta de emergência da sala que dava para outro corredor. Segurei a arma com força e contei até três para tomar coragem e comecei a ir até a porta da maneira mais silenciosa possível, quando eu estava quase chegando ao meu destino, escutei um rosnado. Não havia mais tempo, eu tinha que correr e não importava mais o que eu escutasse, eu seguiria correndo. Não podia ser alcançada, eu não teria chances nenhuma. Corri pelo corredor até chegar em mais uma esquina. Eu já não fazia ideia de onde eu estava exatamente, eu só queria sair daquele lugar. Ao girar por uma esquina vi uma porta aberta, sem duvidar eu tentei apertar o passo e entrei. Fechei a porta e olhei ao redor tentando recuperar o fôlego. Como a outra sala de aula que eu havia visto, essa também estava caótica, novamente me peguei pensando no pânico de todas aquelas crianças.
"Melhor esquecer isso, isso é muito trágico", sacudi novamente a cabeça para expulsar esses pensamentos que insistiam em seguir voltando. Ali, como a outra sala, tinha uma saída de emergência na parte de trás. A tranca da porta da frente parecia quebrada. O lobo começou a forçar a porta, para a minha sorte ele não tinha mãos, e a maçaneta era redonda, ainda assim ele poderia derrubar aquela porta a qualquer momento. A porta estava velha e eu sabia a força que aqueles animais tinham. Não podia deixar aquilo entrar, não antes de eu ver para onde a porta de emergências dava. Vi a porta se sacudindo a cada pancada que o lobo dava. Ele deveria estar sentindo o meu cheiro e isso faria com que ele não se rendesse com facilidade. Seu rosnado era forte, mas tinha certeza de que não forte o bastante para chamar a atenção dos outros moradores.
"Droga, eu preciso me manter calma" – pensei chegando devagar na porta de emergência. Conseguia escutar suas unhas arranhando a porta. Eu estava muito assustada e aquele som fazia tudo ficar mais insuportável.
Meu corpo tremia, e eu apertava com cada vez mais força a arma. Não podia sentir minhas pernas, meu corpo estava praticamente todo dormente.
Quando a porta quebrou um pouco, no desespero eu virei dando o primeiro passo e bati o supercílio em um móvel que tinha ali. Senti uma quantidade abundante de sangue escorrendo pelo rosto e tapando minha visão do olho esquerdo.
Abri a porta de emergência ao mesmo tempo em que a porta da frente foi rompida de vez, e ali estava ele, um lobo faminto, com dentes muito afiados rosnando, pronto para me atacar.
No desespero eu apontei a arma, empunhei de qualquer maneira e atirei uma vez, o tiro acertou o animal na boca, lugar na qual eu não estava mirando. Na hora do tiro senti uma dor terrível no pulso por conta do recuo da arma, eu mal conseguia continuar segurando-a.
Corri, não pensava em mais nada, não queria saber se o lobo estava morto ou se só havia caído. A única coisa que eu queria era sair daquele local o mais rápido possível. Consegui achar o corredor por onde eu havia chegado em pouco tempo, o reconheci por um quadro de avisos pendurado.
Enquanto corria, sentia o sangue jorrar da minha testa, minha mão doía e eu apenas conseguia continuar correndo, mas não desisti, se o lobo tivesse sobrevivido ele seguiria o rastro do meu sangue ou não... de qualquer jeito eu não queria arriscar.
"O que um lobo está fazendo aqui dentro? Como ele conseguiu passar pelo portão?", comecei a me perguntar assim que alcancei a escada. Fechei o portão e rodei as correntes que estavam pendurados nele, não havia cadeado, mas torci a corrente o máximo que eu pude. A dor estava me deixando enjoada, mas tive medo de colocar os outros em risco.
Cheguei ao nosso andar a duras penas, parei para tentar respirar. Eu queria gritar por ajuda, mas não conseguia, então me arrastei até a sala de jogos.
Liam e Ethan estavam na sala, mas apenas Ethan estava virando em direção a porta.
– Eva? – Ethan se levantou em um pulo.
– O que você faz aqui? Eu disse para você não se mete em prob... – assim que Liam virou, seu rosto empalideceu.
– O que aconteceu, olha só para você! – Ethan falou alto.
Queria explicar, mas estava sem ar e eu estava começando a ficar tonta, senti minhas pernas cedendo, mas Ethan que estava próximo a mim me segurou a tempo.
– Que raios aconteceu? – Liam parecia frustrado, me perguntou isso enquanto segurava meu rosto ensanguentado.
– Por que você está com uma arma?! – Ethan perguntou finalmente olhando para as minhas mãos e assim que Liam a tirou de mim, eu gemi de dor.
– Lobo no térreo... – foi apenas o que eu consegui falar.
– O que você estava fazendo no térreo? – Liam perguntou furioso.
Mordi os lábios, escutei mais um barulho e assustada olhei para trás sentindo o coração voltar a golpear forte no meu peito, mas não vi nada. Ali comigo estavam apenas o dois.
Ter os dois ali perto, me fez sentir de súbito uma tranquila segurança e assim que eu relaxei o corpo, comecei escutá-los longe e a visão começou a desaparecer.
– Que? Não ouse desmaiar Eva – escutei bem ao fundo Liam praticamente gritando.
– Eu agora estou bem...obrigada meninos – respondi sentindo a minha voz sumir, mesmo assim eu consegui dar um pequeno sorriso.
– Acho que o mais importante agora, é saber por que um lobo estava no térreo do prédio – era a voz de John – Verificamos cada portão e não tem nenhuma abertura por lugar nenhum.
– Isso e porque ela estava lá embaixo – escutei Lúcio falando de fundo.
Abri os olhos e reconheci a enfermaria.
– Olá, moça – Zayn me cumprimentou ao me ver abrir os olhos – Ei, Luciel, ela acordou – ele disse se virando para a direção onde estava Luciel.
– Não se levante – Luciel disse calmamente – Vamos terminar de limpar o ferimento da sua cabeça ainda, por sorte o ferimento não foi tão fundo, mas vamos tentar fazer um ponto falso aí para que não volte a sangrar.
– Meu pulso – falei tentando movê-lo, a dor estava muito pior do que antes.
– Pois é, acho que você fraturou o pulso, precisaremos colocar ele de volta no lugar e imobilizá-lo – Ethan falou do outro lado da cama.
Assim que eu me virei o vi ali de pé, parado ao lado de Liam. Liam tinha o semblante sério, chegava a ser sombrio.
Acabaram de limpar meu corte, encontraram bandagens e papelão para imobilizarem meu pulso. Dessa vez, quem tomou a frente foi Ethan, imaginei que ele sabia o que estava fazendo, pois havia tido classes de primeiros socorros por conta do esporte.
– Isso vai doer – ele me alertou – Sei que não temos nenhuma máquina de raio X, portanto não tem como saber se o osso vai estar no lugar correto, mas deixarei ele bem alinhado. Também não teremos certeza do tempo que deverá ficar imobilizado, então vamos deixar o máximo de tempo possível, está bem? Parece não ser grave, usaremos o papelão até conseguirem uma órtese para deixar no lugar. Também vou ver se conseguem algum anti-inflamatório para você.
– Tudo bem – eu disse sem entender muito bem tudo o que ele havia dito.
– Ei Liam, quer pelo menos segurar a outra mão dela enquanto eu coloco o pulso dela no lugar? – Ethan falou sorrindo para o amigo.
– Sem graça, ela é grande o suficiente para aguentar isso sozinha – apesar da resposta grosseira, ele me ofereceu sua mão e eu aceitei.
Ethan tinha razão, a dor me fez ver estrelas e apesar de eu não ter gritado, eu segurei a respiração e senti lágrimas escorrerem no canto dos meus olhos.
– Eva, será que você poderia dizer o que estava fazendo lá embaixo? – Zayn perguntou, não parecia zangado, apenas preocupado.
– Eu queria poder fazer alguma coisa, não gosto de ficar parada, então resolvi testar as chaves nas portas do térreo.
– Raios, por que tinha um lobo lá embaixo? – Liam perguntou para todos soltando a minha mão e deixando que Ethan terminasse de imobilizar meu braço.
Eu, após os recados, após o envenenamento de Vi e do meu sentido de alerta gritando a cada segundo, havia pensado em uma pergunta melhor que aquelas.
– Acho que o que eu realmente gostaria de saber é, quem estaria escalado para as buscas no térreo hoje se não houvessem nos dado uma folga repentina? – perguntei olhando para John, esperando que ele entendesse o meu ponto de vista.
Todos ficaram mudos, um olhava para o outro. Acredito que todos entenderam o que eu quis dizer.
– Era o meu turno – por fim Vi admitiu – Iria eu e Luciel hoje.
– Entendo – falei baixinho, "então não foi um acidente" pensei, eu podia sentir que não havia sido um acidente, mas dizê-lo em voz alta poderia confirmar isso.
Olhei para Vi tristemente, ele havia entendido, sua cara não era uma das melhores. Estavam novamente atrás dele. Ele parecia me implorar com os olhos para que não continuasse com aquele assunto. Fitei-o por alguns segundos, acredito que todos na sala sentiram a tensão crescer. Passei meus olhos por John e Luciel, que sabiam exatamente o porquê das minhas suspeitas. Ninguém falaria nada sobre aquilo.
– O que afinal está acontecendo? – Ethan perguntou finalmente quebrando o silêncio constrangedor da sala.
– Eu estou cansada – disse em voz baixa sem responder à pergunta dele e o corpo do Vi relaxou em um alívio aparente.
– Vamos deixá-la descansar – John disse passando a mão pela minha cabeça – durante a noite montaremos turnos para que alguém fique com você está bem?
– Acho que eu posso voltar para o quarto – falei querendo me levantar, mas senti uma tontura forte que me fez cair de volta na cama.
– Acho melhor você descansar aqui essa noite – John sorriu carinhosamente e eu assenti.
Olhei para Liam e Ethan que seguiam parados ao meu lado, murmurei um "obrigada" e fechei os olhos.
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