{Cap. 2}
Se você cruzar meu caminho, eu poderia manter a cabeça no lugar
Nós poderíamos perambular pelo escuro, ou talvez não
Nós poderíamos achar isso uma má ideia de qualquer jeito
Lisa Hannigan
╰─────────────➤✎I Don't Know
Passou quase um mês antes que de fato abandonássemos a casa. Sabíamos que havia riscos, mas também sabíamos que era necessário. Na verdade, sabíamos também que poderíamos ficar e pegarmos coisas no mercado, coisas que ainda estavam lá, mas essas rotas que fazíamos nos dava uma pequena esperança de encontrarmos mais sobreviventes. Esse foi um acordo silencioso entre nós duas, e eu sabia que Judy pensava igual desde o suicídio de seus companheiros, e por mais agradável que fosse ter a sua companhia, sabíamos que precisávamos de mais do que somente uma à outra.
Ainda era cedo, o sol havia nascido fazia pouquíssimo tempo, mas tínhamos um longo dia pela frente. Comecei a empurrar a cadeira de Alana através da porta de entrada da casa e assim me despedi de mais um lugar que nos acolheu, agradeci mentalmente aos antigos donos da casa, porque pude usar suas coisas e torci para que estivessem bem, fosse nesse mundo ou em algum outro qualquer.
Já estávamos andando por mais de uma hora, evitamos ao máximo lugares com muitos cadáveres e carcaças de animais apodrecidos pelo tempo, na maioria dos casos apenas restavam os esqueletos, mas era aterrador ainda assim. Também tentávamos evitar os animais que apareciam em algumas ocasiões, normalmente em busca de algum alimento.
Resolvemos parar em um mercado para enchermos nossas mochilas com coisas que poderiam ser necessárias e enquanto eu via as prateleiras já reviradas provavelmente por outros sobreviventes que passaram por lá, eu escutei um barulho.
Senti meu corpo em alerta e me coloquei em posição, de um modo que podia proteger Alana e vi que Judy fazia o mesmo. Judy estava segurando uma espécie de cano de ferro que eu havia encontrado em uma das minhas buscas, e que desde então ela sempre segurava quando saíamos da zona de segurança, eu carregava uma espada que eu afiava com frequência, mas nunca havia usado, não tinha ideia do que deveria fazer se fosse necessário, peguei-a em uma das casas que havíamos passado. Eu também tinha uma pistola Beretta semiautomática de 9mm na mochila, não que eu entendesse sobre armas, havia marcado esse nome pois havia pegado essa arma em uma loja de armamentos militares, além de incontáveis balas que eu nunca havia usado. Além de não saber usar, eu morria de medo de que o barulho pudesse chamar a atenção de outros animais, a arma era sem dúvidas meu último recurso.
O barulho se intensificou e eu podia distinguir o som de passos.
– Passos...? – Judy falou com uma esperança notável.
Apesar desse fagulho de esperança, preferi me manter cautelosa. Comecei a empurrar novamente Alana bem devagar com uma das mãos, enquanto com a outra eu seguia segurando a espada.
Andamos sem fazer ruído, Judy virou uma das esquinas de prateleiras com cautela e logo pulou para trás com um grito, o que fez meu coração ir direto para a garganta.
– Espera ... – escutei a voz de um rapaz – Por favor, desculpa. Não quero fazer mal a ninguém, eu só estou pegando alguma coisa para comer.
Senti um alívio repentino, o que fez meu corpo amolecer e minhas pernas falharem instantaneamente.
– Você tem estado sozinho todo esse tempo? – perguntei ao rapaz que havia se apresentado como Omar, um nome um tanto curioso para uma pessoa tão jovem na minha opinião. Ele não aparentava ter mais que 15 anos. Um menino magro, com espinhas no rosto e que andava encurvado.
– Na verdade não, eu fiquei um tempo em uma fazenda, tinha bastante gente lá. Fizemos barracas de madeira e restos de fundo de armários, vivíamos em uma pequena comunidade, mas fomos atacados por uns cachorros ou lobos em uma noite, eu sobrevivi porque nessa noite eu havia brigado com um companheiro e resolvi ir dormir em cima de uma árvore. Não tive coragem de descer para ajudar aqueles que estavam tentando matar os cachorros – ele falou essa última frase em voz baixa enquanto tentava ocultar o rosto por vergonha, mas era compreensível, o medo sempre foi capaz de paralisar qualquer um, e fiquei imaginando o quanto deveria ter sido duro presenciar aquilo com tão pouca idade.
Toquei-o no ombro, para demonstrar que eu entendia e que estava tudo bem, meu gesto funcionou, ele me mostrou um sorriso triste, mas aliviado.
– Eva, é melhor nos apressarmos, logo dá 17:00 e ainda não achamos nenhuma casa que seja possível passar a noite – Judy fez uma careta, acredito que estivesse relembrando de uma das últimas casa que entramos. A cena de 7 corpos em decomposição, insetos para todos os lados e vermes que cobriam até o teto também seguia na minha mente. A cena de um suicídio coletivo.
– Tem razão Judy. Que tal se irmos na direção daquela escola ali? Se não encontrarmos uma casa, vamos nos refugiar em uma das salas de aula até o amanhecer – palpitei por estarmos próximos do edifício que eu acreditava ser uma escola particular, pois só era possível ver um grande portão e placas indicando que ali havia uma escola, eu torci baixinho para que eu estivesse certa.
Aceleramos o passo. A rua estava vazia, não havia nem mesmo resto de ossos por ali, o que era algo incomum. E então senti um cheiro forte de sangue, mas não de sangue coagulado, era cheiro de sangue fresco, um cheiro enjoativo que impregnou nas minhas narinas. Minhas pernas bambearam um pouco e busquei instintivamente algum lugar mais próximo do que a escola para nos escondermos.
Omar gritou e virei o rosto a tempo de ver Judy tapando a boca do rapaz. Olhei na mesma direção em que eles olhavam e, logo a nossa frente, comendo algum animal, estava um lobo gigante.
"Não é possível, nunca havia visto um desse na rua enquanto estava claro", pensei enquanto olhava rapidamente para o céu. Como era possível que estivesse ali àquela hora?
Apesar da força que Judy colocava na boca do rapaz para que esse mantivesse a calma, o desespero dele era maior. Ele conseguiu se soltar e correu. O barulho de seus passos chamou a atenção da fera, que até aquele momento não havia nos notado.
– Droga – resmunguei começando a correr também, já não havia escapatória. Apesar da espada na minha mão, eu temia pela vida de Alana, eu nunca havia usado uma espada antes e conseguia finalmente ver o quanto era inútil andar com uma arma daquelas estando despreparada para usá-la. Corri com todas as minhas forças. Minha cabeça estava em total alerta e meu coração estava tão disparado que chegava a doer o peito. Judy corria logo ao meu lado.
Sabia que apesar da força que estava colocando nas pernas para correr, o "lobo" era muito mais rápido e para o meu desespero, a cadeira de Alana estava em um estado deplorável, o que atrasava ainda mais a minha fuga e por fim, para que eu realmente acreditasse que estávamos acabadas, a cadeira atascou em um bueiro.
– Não! Não! Droga, por favor se mexe – tentei usar todas as forças que tinha nos braços, mas não consegui soltar a rodinha. O animal estava bem próximo, precisava pensar em alguma coisa rápido!
Sem encontrar uma saída me virei na direção do animal e apontei a espada, pronta para morrer tentando proteger Alana. Judy, que seguiu ao meu lado todo o tempo, parou junto.
– Não Judy! Foge! – eu não queria que a minha amiga morresse também, se alguém tinha alguma chance de sobreviver a tudo aquilo, essa pessoa era ela, e vê-la morrer iria ser demais para mim.
O "lobo" parou próximo, mostrando os dentes, parecia analisar a situação antes de se preparar para um ataque. Ouvi o grito desesperado de Omar a uma certa distância e logo o grito desapareceu. Tive vontade de virar o rosto para ver o que havia acontecido, mas me segurei.
Estava preparada, o desespero estava desaparecendo e conseguia raciocinar melhor. Eu havia aceitado a morte certa, morreria tentando ajudar quem eu amo até o fim. Dei um passo à frente antes de ser surpreendida pelo som de um tiro e vi o animal caindo na minha frente enquanto se contorcia de dor.
Enquanto tentava assimilar o que acabava de acontecer, um rapaz (Harry) de uns 25 anos surgiu, ele estava usando uma blusa de moletom de zíper, tinha o cabelo claro e a pele branca.
– Vocês estão bem? – sua voz estava alarmada, esperando uma resposta, e mesmo assim eu não conseguia responder, pelo visto Judy estava na mesma situação, já que ela também ficou em silêncio.
Notando que não conseguíamos responder, ele segurou a mim e a Judy pelo braço e tentou correr.
O desespero tomou conta novamente de mim e comecei a gritar enquanto tentava me soltar.
– Não! Minha irmã, não posso deixar a minha irmã!
Mas antes que de fato eu conseguisse sair do pulso firme do rapaz, outro rapaz apareceu (Liam), ele tinha o cabelo de um ruivo escuro e a aparência bem jovem. Ainda segurava a arma que provavelmente foi responsável pelo ferimento do animal próximo a nós, tinha um porte atlético, mas ainda assim era magro. Com muita rapidez, pegou Alana no colo e correu para a mesma direção em que eu estava sendo arrastada.
Pude ver outros "lobos" surgindo das esquinas, mas minha mente parecia estar completamente em branco, eu havia perdido completamente o controle da situação e do meu próprio corpo.
Entramos pelos portões da escola que foi fechado às pressas para evitar que os animais entrassem.
Todos estávamos sem fôlego. Me apoiei nos joelhos, olhei ao redor e vi mais gente do que esperava.
– Quem... quem são vocês? – perguntei sem saber exatamente o motivo, a pergunta surgiu no automático.
– Eh? Você não deveria nos agradecer antes de tudo? – um rapaz loiro (Henry), dos olhos castanhos claros e que não tinha mais do que a idade de Alana falou em tom reclamão.
– Esquece isso, não temos tempo. Melhor entrarmos antes que mais desses apareçam para forçar o portão – o jovem (Liam) que havia corrido com Alana falou apontando com a cabeça para o portão, parecendo menos cansado do que eu acreditava ser possível depois de correr com alguém no colo – Vamos, temos que nos mover – sua voz parecia irritada e sua expressão não era diferente. Seguiu carregando Alana sem esperar que os demais respondessem.
Para uma nova surpresa, um outro rapaz (Ethan) foi ao nosso encontro. Ele não havia falado nada ainda, apenas segurou no pulso de Judy e a guiou atrás do ruivo (Liam) que ia na frente, enquanto segurava firmemente com a outra mão um imenso bastão de basebol.
Os segui em silêncio. Havíamos percorrido poucos metros quando vi mais algumas pessoas correndo na nossa direção, entre eles um rapaz (Lúcio) de cabelos castanhos, alto e que usava óculos redondos e grandes.
– Meu Deus, meu Deus – ele repetia uma e outra vez. Parou na minha frente e me segurou pelos ombros – Você está machucada?
Ainda aturdida com o que acabava de acontecer, eu apenas conseguia me manter em movimento e responder qualquer coisa significava um esforço ainda maior.
– Ei, vamos, eles estão atrás de nós – o rapaz loiro (Henry) falou com voz queixosa e alto o suficiente para que todos ouvissem.
Virei os olhos em direção ao portão sentindo o sangue sumir do meu rosto. O portão não aguentaria muito tempo e logo atrás do portão, uma alcateia imensa tentava passar.
– Maldição! Corram! – o rapaz ruivo (Liam) disse me puxando pelo braço para que eu acompanhasse o ritmo dele. Notei que ele segurava Alana com um braço apenas, de um jeito bem desajeitado, mas me senti agradecida pela atenção e ajuda dele.
Juntei as últimas forças que tinha e mantive o ritmo dos rapazes, seguia ouvindo o barulho do portão sendo forçado. Estava sem folego e enjoada, mas continuava correndo enquanto agradecia uma e outra vez mentalmente o ruivo que seguia segurando na minha mão. Isso me fazia lembrar "estamos vivas, estamos vivas graças a eles", minha gratidão em relação a esses rapazes que nunca havia visto ficava a cada passo que dávamos mais forte.
– Vamos mais depressa – o ruivo (Liam) à minha frente gritou mais uma vez para que eu apressasse ainda mais o passo.
"Raios, até onde teremos que correr" – pensei quase sem conseguir respirar. O portão estava praticamente cedido e não tínhamos muito tempo. O cheiro de sangue continuava forte, não pude deixar de sentir um calafrio ao imaginar que talvez um dos que estavam um pouco mais para atrás tivessem sido pegos pelas feras.
"Por favor, por favor, faça com que todos cheguem a salvo onde quer que seja que estejamos indo", pensava uma e outra vez desejando que os "lobos" fossem um tanto mais lentos. Meus pensamentos foram substituídos por uma leve esperança quando avistei mais um portão, que parecia muito mais reforçado que o anterior. Alguns rapazes gritaram e o portão lentamente começou a se abrir.
– Droga de portão, abram mais rápido! – o menino loiro (Henry) gritou com a mesma voz queixosa que já havia falado antes – Eu sabia que não deveríamos ter nos envolvido com isso!
Entrei em pânico ao ver que um dos "lobos" correu mais rápido que os outros ao passarem pelo portão já destruído e senti o corpo ficando mais tenso, porém, o menino que carregava um taco de basebol (Ethan) conseguiu abatê-lo com apenas um golpe certeiro na cabeça enquanto gritava "mais depressa!". Pude ver assustada o garoto dar uma vez mais com o taco de basebol enquanto o sangue do "lobo" salpicava toda sua roupa, e logo voltou a segurar o pulso de Judy e seguiram a corrida em direção ao portão.
Vendo o "ato heroico" do rapaz, me senti um pouco mais confiante e resolvi forçar um pouco mais os músculos, enfim, eu precisava reagir se quisesse ter vida suficiente para agradecê-los.
Todos passaram pelo portão e por pouco conseguiram fechar sem que nenhuma fera entrasse.
Ver o portão reforçado fechado trouxe um alívio a mim e aparentemente ao grupo todo. Meu corpo estava pesado e dolorido, mas sabia que só estava a salvo por conta desse grupo que apareceu de repente.
– Santo Deus, essa realmente foi por pouco – o rapaz ruivo (Liam) falou com a voz entrecortada por conta da falta de fôlego enquanto finalmente soltava a minha mão e voltava a segurar minha irmã com os dois braços.
Olhei novamente em direção ao portão, consegui ver os "lobos" tentando forçar a entrada. Olhei para o pequeno grupo ali parado, alguns olhando para o portão, outros não, mas todos pareciam tranquilos agora, o que indicava que realmente estávamos a salvo.
– Vocês estão bem? – a pergunta inicial brotou novamente nos lábios do primeiro rapaz (Harry) que nos encontrou.
– Sim, obrigada – respondi a duras penas – E você? Por favor, me diz que não está ferido! – minha voz soou bastante alarmada, me sentiria muito culpada se algum deles estivesse ferido.
– Não se preocupe comigo. Espero que também não esteja ferida – ele respondeu parecendo aliviado com a minha resposta.
Dei um pequeno sorriso me sentindo extremamente cansada, deixei as pernas cederem e enfim agachei.
– Caramba, calma eu te ajudo – o rapaz voltou a soar alarmado, o olhei com o mesmo sorriso cansado de antes para que ele se tranquilizasse.
– Ei, vocês dois, deixem de ser tão patéticos e vamos entrar – o rapaz ruivo (Liam) falou alto para que nós dois escutássemos bem – Só nós ainda não entramos.
Ao ouvir a última frase olhei ao redor procurando todos que estavam ali há poucos minutos e percebi que o ruivo realmente estava certo, só restara nós ali.
Levantei e comecei a caminhar, tentando forçar as pernas ao máximo, fui orgulhosa o suficiente para recusar ajuda para andar. Preferia não dar mais trabalho aos meus salvadores.
Pude notar enquanto entrávamos o nome do colégio, era de fato um colégio famoso e extremamente caro, muito conhecido, que ficava localizado no vilarejo ao lado do meu. "Colégio e Internato Förbindelse". Agora sim eu entendia o porquê do portão reforçado, aquele era um colégio caríssimo onde só estudavam filhos de pessoas extremamente importantes, colégio que estava fora inclusive da minha realidade financeira e isso porque eu tive uma vida bem folgada.
OBS: Coloquei os nomes entre parênteses (nome do personagem aqui) porque estava muito confusa a história só com as característica deles. Prometo arrumar essa bagunça com o tempo.🤣😅
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