{Cap. 11}
Eu sei que ela disse que está tudo bem
Mas você pode compensar da próxima vez
Eu sei que ela sabe que não está tudo bem
Não tem utilidade em mentir
Flake
╰─────────────➤✎Jack Johnson
No dia seguinte me arrastei até a sala de reuniões antes de todos os outros, pois tinha combinado com o Vi, o John, a Jéssica e o Luciel que iria ajudar a distribuir as tarefas mais importantes.
– Olha se não é a nossa bela adormecida – John me deu as boas-vindas e me ofereceu um pouco de café – O filme era muito bom, pena que você não viu nada.
– Ah – olhei para baixo com um pouco de vergonha – Não tem nada doce aí? Preciso alimentar meu cérebro para pensar melhor.
– Você é realmente uma criança grande, né? – ele sorriu e me entregou uma barra de chocolates.
Assim que eu abri a barra de chocolates, nossa pequena reunião de fato começou, reacomodar todos e designar novas tarefas se mostrou mais difícil do que eu imaginei. Não podíamos simplesmente tirar algumas pessoas dos lugares fixos e não podíamos dispensar a equipe de busca para outras tarefas, o que acabava realmente sobrecarregando quem ficava na escola com as tarefas gerais.
– Meus olhos estão ardendo já – falei ao ver o tanto de anotações que Jéssica fazia por dia – você faz isso todos os dias, Jéssica?
– Claro – ela sorriu – mas é gratificante ver o resultado todos os dias também. Obrigada, dessa vez, eu não sei dizer se teria conseguido fazer tudo sozinha.
– Não deveria ser eu a agradecer? Sinto que estou aproveitando meu tempo ao te ajudar. Estou feliz de poder participar um pouco disso – após revisarmos juntos uma e outra vez como havia ficado as tarefas, eu sentia que meu corpo precisava urgente de um alongamento.
– Bom trabalho pessoal – Jéssica nos agradeceu com um sorriso largo.
– Ei – John me chamou – Como você está se sentindo?
– Acho que preciso de mais um doce para repor o que eu gastei do cérebro – falei rindo – mas no geral, me sinto satisfeita de ter sido útil com algo a mais.
– Acho então que vamos precisar trazer mais chocolates para que você siga assim, você leva jeito para essas coisas – ele sorriu e pouco depois todos começaram a chegar para a nossa reunião em grupo.
– Ei, Eva. Bom dia – Ethan me cumprimentou ao entrar na sala – Vi o estado lastimável que você se arrastou hoje pelo corredor. Fiquei até triste. Não quer ir fazer um pouco de exercícios comigo e com o Liam de manhã, não?
– Eu e exercícios? – ri com a simples ideia – Desculpa, Ethan... sou a típica sedentária que prefere ficar no sofá o dia todo.
– Nem seria nada demais, só um pouco de corrida matinal já te ajudaria – ele deu de ombros e foi se acomodar no lugar.
Era noite de fazer ronda noturna e eu iria com John. Sem dúvidas não era a coisa mais divertida a se fazer, mas eu não queria reclamar, já que todos trabalhavam duro para manter o local funcionando bem. Além do mais, eu adorava a companhia do John. Depois de ver os outros saírem da sala vi que John me sinalizava para irmos. Retribuí com um sorriso e em seguida fomos para o lado de fora.
Quando Liam soube que eu faria a ronda noturna com John, ele fechou a cara e qualquer coisa que eu falava, ele me dava uma patada diferente. Desisti do Liam naquele dia como um caso perdido e o evitei.
– Hoje vamos verificar o corredor do quinto andar – John falou me tirando dos meus pensamentos – Do jeito que as coisas estão, é provável que a gente nem demore.
Sorri para ele, eu sabia que as coisas estavam funcionando bem só porque ele e o Vi faziam o possível para seguir assim. Não demorou muito para verificarmos tudo e na hora de voltar eu o parei.
– Tudo bem, Eva?
– Tudo sim – sorri tranquilamente – só não quero voltar agora. Podemos ficar um pouco aqui?
Ele sorriu e nos sentamos um pouco na escada. Os feixes de luz da lua brilhavam através das janelas. Geralmente quando ficava escuro assim, eu corria para acender uma luz, mas naquele momento eu não me importava com isso.
– Jamais pensei que algo assim pudesse acontecer.
John rompeu o silêncio depois de passar um tempo calado olhando para o chão.
– Do que você está falando? – perguntei sentindo um certo tom de melancolia vindo dele.
– De tudo isso – ele deu de ombros.
– Eu também não. As vezes ainda torço para acordar – admiti.
– Seria bom – ele sorriu – mas se isso acontecesse, significaria que eu não teria te conhecido de fato.
– Talvez pudesse ter sido melhor – rimos juntos.
– Sabe, no dia que você chegou – ele seguiu – fiquei muito surpreso em saber que você e Lúcio eram amigos de infância que haviam perdido o contato. No fim, isso tudo serviu para que vocês se encontrassem de novo.
– Verdade – sorri ao lembrar do garoto problema da rua – éramos vizinhos. Ele também frequentava a mesma escola que eu.
– Onde você estudou?
– Alexandre Yersin School. Conhece?
– Ah... a escola dos pequenos gênios – ele sorriu – eu sabia que você era inteligente.
– Essa é uma fama muito injusta da escola, as pessoas superestimavam os alunos de lá – eu ri – havia vários não pequenos gênios ali, como eu. Mas a escola buscava só pessoas importantes ou famosas. Eu pude estudar lá, mas a minha irmã não. Eu fui aceita por ter sido a modelo deles por um tempo e por ser uma criança modelo "famosa", nem apresentei um trabalho de admissão como a maioria. Eu detestava aquele lugar.
– E o Lúcio? Como entrou?
– O Lúcio pode até não parecer tão inteligente à primeira vista, principalmente do lado do Luciel, mas o trabalho de admissão dele foi tão incrível que devem ter pensado que seria impossível não o aceitar.
– Que trabalho ele fez?
– Quando ele tinha 8 anos, ele apresentou um trabalho sobre "O teste de compatibilidade genética" e teorizou a criação de humanos perfeitos. Eu nunca entendi o trabalho dele para ser sincera – ri e notei que John abria um pouco mais os olhos, mas se recompôs logo.
– Isso é incrível – John não parecia exatamente convencido disso, mas tive medo de perguntar qual era o problema e estregar aquele momento.
Notando que eu o olhava um pouco confusa, ele sorriu.
– Você estudou onde, John? – perguntei curiosa.
– Estudei fora do país – ele disse tranquilamente – fiz o ensino básico no Instituto Le Rosey.
– A escola mais cara do mundo? – perguntei arregalando os olhos – Na suíça?!
Ele riu e acenou.
– Sabe que seu ruivinho não fica muito atrás disso, certo? – ele me provocou.
– Ele não é meu ruivinho – falei olhando para baixo para não demonstrar o embaraço – mas, onde ele estudou?
– No colégio Etón.
– Ele estudou no Reino Unido?! – eu praticamente gritei – Quão podre de ricos vocês eram?
– Você tem razão – ele abriu um sorriso imenso – Eu era praticamente um rei em relação ao dinheiro, sempre tive o que eu queria antes de tudo isso. Sempre tive facilidade para ter tudo na vida.
– Desculpa – falei tapando a boca – eu não quis dizer que isso é ruim. Eu só estou impressionada. Conheci muita gente com dinheiro, mas acho que não assim.
– Tudo bem. Você fez uma cara linda de espanto. No fim valeu a pena falar.
– Você gostava de lá? – perguntei tentando não parecer mais idiota ainda.
– Mais ou menos – ele admitiu – Minha vida nunca foi baseada em curtição e festas. Minha vida foi baseada em deveres e status. Eu não suportava pessoas que pensavam que a vida era só bebedeiras, drogas e festas, mas eu gostava de aproveitar pacificamente e de maneira saudável com alguns amigos.
– Ainda pensa assim? – perguntei olhando detidamente para o rosto perfeito de John.
– Não tem sentido manter pensamentos assim hoje em dia. O que sobrou para o ser humano agora?... mas e você?
– Eu... Eu gostava de alguns professores, mas detestava acordar cedo, então eu sempre acabava dormindo nas aulas. Mas eu adorava a faculdade, apesar de ter arrumado uma briga gigantesca com a minha mãe por querer seguir a carreira artística. Você fez faculdade de que?
Ele sorriu laconicamente.
– Vamos, me fala – insisti um pouco mais.
– Fiz engenharia na MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Arregalei os olhos novamente. Estava claro que ele se orgulhava daquilo e isso me deixou ainda mais impressionada. Ele tinha motivos de sobra para se sentir orgulhoso.
– Acho que tenho um amigo extremamente importante. Realmente digno de ser um rei. E você gostava?
– Como eu disse, eu nunca me baseei em nada por gostar ou não. Mas sim, gostava de lá.
– Não sentia saudades de casa?
– Não. Eu não tinha uma família comum.
Encostei a cabeça na mão e fiquei olhando para ele, esperando que ele continuasse.
– Você vai mesmo me fazer falar sobre isso? – ele sorriu abertamente – você não tem jeito mesmo. Aonde eu fui me meter me apegando a uma amiga assim?
– Por favor – sorri ainda mais.
– Com esses olhos estranhamente fascinantes me olhando assim, eu não poderia dizer não.
Olhei para suas feições bem desenhadas e notei que ele queria sim continuar falando e sorri ainda mais.
– Meu pai, como a maioria dos pais de famílias importantes, não era um exemplo de pai. Ele sempre gritava, sempre dizia que tudo tinha que ser perfeito. Adornava minha mãe com tudo o que ela pedia e queria, do mesmo jeito que me dava tudo o que eu pedia. O fato de nos dar tudo fazia com que ele acreditasse que ele tinha poder sobre nossas vidas também, só que as vezes ele abusava um pouco. Ele batia e abusava da minha mãe e como eu era criança, não havia nada que eu pudesse fazer. Perguntei para a minha mãe uma vez o porquê ela aguentava tudo aquilo, e ela disse que era porque tínhamos tudo graças a ele e ela não renunciaria ao que tinha por coisas sem importância. A partir desse dia passei a enxergar minha mãe de maneira superficial, ela sofria aquilo porque não queria perder o dinheiro dele e passei a acreditar que no fim, o dinheiro sempre seria o mais importante, e estava tudo bem, já que eu tinha todo o dinheiro que eu queria. Uma vez ele me bateu e me abriu uma ferida na cabeça, quando chegamos no hospital, ele disse que eu havia caído – ele apontou uma parte da cabeça, perto do início do cabelo e notei uma pequena cicatriz coberta por algumas mechas que caíam por seu rosto – Eu falei a verdade para um dos meus professores e ele disse que isso era normal em famílias como a minha e que eu tinha que estar feliz porque eu tinha muito mais do que a maioria.
– O quê? – gritei furiosa – que professor inútil era esse?
John riu com a minha reação, mas continuou com seu semblante despreocupado.
– Quando escutei isso, decidi que eu poderia viver em outro lugar, eu não amava a minha família e sem dúvidas eles não me amavam. Pesquisei a melhor escola do mundo na época e pedi para estudar lá. Na semana seguinte ao meu pedido eu já não vivia mais na casa dele e passei a viver no internato do Instituto Le Rosey.
– John, isso é horrível – falei deixando meus braços caírem para os lados.
– Ah não – ele deu de ombros – minha vida era bem normal pelo que eu notei. Conheci inúmeras famílias poderosas como a minha que atravessavam pelos mesmos problemas. Quando eu voltei, assumi a empresa do meu pai e ele se aposentou. Passamos a ter uma relação profissional. No fim, por mais coisas terríveis que acontecessem, eu seguiria sendo o herdeiro de toda a companhia e ele seria apenas a minha fonte de dinheiro.
– Quando você voltou, já voltou trabalhando na empresa.
– Sim, era o mais lógico e o mais normal – ele falou com um tom de voz baixo.
A expressão em seu rosto revelava que ele não havia me contado tudo e que de alguma maneira, apesar de tudo, ele também queria voltar àqueles tempos. Aquilo partiu meu coração.
– John – o chamei tirando-o de seus pensamentos.
– Sim?
– Agora temos um ao outro – falei sorrindo, abracei seu braço e encostei em seu ombro – somos uma família, certo?
– Sim – ele sorriu gentilmente – Somos uma família e vamos superar tudo isso juntos.
Adorei aquele sorriso. Aquele sorriso me devolveu um pouco de esperança.
– Acho que não foi tão ruim te falar sobre isso – ele falou baixinho.
– Como assim?
– Alguns aqui conhecem essa história, Vi sempre foi meu melhor amigo e sua família não era muito diferente da minha, mas me sinto melhor agora que pude te contar também.
– Quem diria que o homem assustador das reuniões possa guardar tantos sentimentos.
– Você é uma pestinha – ele riu, se inclinou para frente e depois se virou para olhar para mim. O rosto dele estava próximo ao meu e eu nunca tinha visto tanta gentileza em uma pessoa antes.
– O que você deseja fazer daqui para frente, Eva? – ele perguntou sem desviar o olhar.
– Comer um lanche nada saudável como um hamburgão... ou uma pizza.
– Boa ideia. Então... vamos fazer isso juntos quando conseguirmos melhorar nossa situação.
– Juntos?
– Sim, juntos. Somos uma família, não somos? – John sorriu contente. Ele estava sendo iluminado de uma maneira que parecia que a própria lua tivesse se aproximado para contemplar sua beleza – Vamos voltar, precisamos descansar.
Nos levantamos e tiramos a poeira da roupa. Eu me sentia leve e apesar de andarmos bem lentos, o caminho de volta pareceu extremamente curto.
OBSERVAÇÕES:
* Alexandre Yersin School (onde Eva e Lúcio estudaram) é uma escola fictícia criada por mim.
* O Instituto Le Rosey (onde John estudou), estabelecido em 1880, é o mais antigo internato particular da Suíça. Essa instituição foi criada para educar jovens promissores, localizada em Rolle no Cantão de Vaud, é uma das instituições educacionais mais exclusivas do mundo.
* Eton College (onde Liam estudou) comumente conhecido apenas como Eton e fundado sob o nome de King's College of Our Lady of Eton beside Windsor é uma escola interna para rapazes, fundada em 1440 por Henrique VI da Inglaterra. Educa mais de 1.300 alunos, com idades entre 13 e 18 anos. Inicialmente era uma escola somente para a elite britânica e hoje em dia é uma das escolas mais caras do mundo.
* Instituto de Tecnologia de Massachusetts (onde John cursou o ensino superior) é uma universidade privada de pesquisa localizada em Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos. Uma das universidades mais conceituadas do mundo.
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