{Cap. 10}
Este mundo continua girando
e não há tempo a perder
Upside down
╰─────────────➤✎Jack Johnson
– Não está com fome? – Yan perguntou parecendo preocupado enquanto se aproximava da cadeira em que eu descansava.
– Não muito – respondi sinceramente e sem muitos ânimos. Eu me sentia cansada e minha cabeça doía pelas noites mal dormidas, eu estava preocupada e hora ou outra os bilhetes me voltavam a mente fazendo com que eu me sentisse ansiosa.
Tínhamos acabado de jantar, mas aparentemente ainda com fome, Yan continuou passando a mão na barriga.
– Cara, eu faria de tudo por uma comidinha agora, pena que não posso cozinhar mais – ele tentou manter a conversa tranquila – Imagina só poder comer uma lasanha agora.
– Lasanha assim do nada? – Liam perguntou de um outro canto qualquer fazendo com que Yan pulasse de susto, já que mal dava para notar a presença de Liam ali.
– Caramba, mano. Você me deu um susto!
– Pare de choramingar! E fala mais baixo. Não consegue nem reparar que a modelinho aí está com dor de cabeça? – Liam resmungou – por que não saiu ainda?
– Está me chutando para fora? Qual é cara? Não fiz nada de errado. Só sou um cozinheiro com muita fome.
Yan olhou para mim com os olhos baixos, como se ele quisesse que eu o defendesse. Virei para Liam, que também estava esperando eu dizer alguma coisa..., mas eu nem sabia o que dizer. Suspirei me sentindo ainda mais cansada.
– Está tudo bem, Liam – disse por fim – ele não fez muito barulho. E mesmo se ele tivesse feito, ele não precisaria sair, né?
Liam pareceu confuso um momento.
– Eva, você vai mesmo fazer a ronda? Não deveria descansar um pouco? Você está com a cara péssima.
Olhei vagamente para Liam, eu realmente não estava com ânimos, mas eu sabia que era preciso.
– Não quero ir hoje – Yan resmungou – Estou com muita fome e além do mais, detesto sair dos trabalhos da cozinha para fazer rondas.
Mesmo com as queixas de Yan, queixas extremamente escassas tenho que admitir, era nossa vez de fazer a ronda e não mudaria em nada ele reclamar. Ele dificilmente reclamava, mas eu sabia que o desânimo chegava para todos uma hora ou outra. Queria ter algo para dar para ele comer, mas eu não podia pegar comida sem permissão então preferi só dar um ponto final naquilo.
– Ah, para de reclamar e vamos logo – falei me levantando preguiçosamente da cadeira – Quem sabe você acaba encontrando algo para comer no meio do caminho?
Yan concordou e se levantou da cadeira completamente sem vontade.
– Ok, beleza.
– Você come bastante, não? – Liam arqueou uma das sobrancelhas – Como é que sobra para as nossas refeições?
– Estou em fase de crescimento, sacou?
– Fase de crescimento? Com a sua idade? Desse jeito você com certeza vai crescer em uma direção.
A coisa estava prestes a esquentar entre os dois, então peguei o Yan e comecei a ir para fora da sala.
– Vamos logo. John não gosta de atrasos – o arrastei para fora antes que ele avançasse em Liam, eu não teria conseguido pará-los depois. Minha cabeça doía só de pensar nisso.
Em silêncio caminhamos pelo corredor por um bom tempo. À medida que nos distanciávamos das áreas comuns e dos quartos, o silêncio ficava mais forte. O vento sacudia as janelas enquanto a luz da lua penetrava no espaço. Tudo o que dava para ouvir eram nossas respirações e os nossos passos. Aparentemente mais calmo, Yan coçou a cabeça e suspirou.
– Ei, Eva. Acha mesmo que tem comida aqui?
A pergunta dele soou tão séria que até fiquei surpresa.
– Não me diga que é isso que você está procurando agora... – suspirei enquanto negava levemente com a cabeça.
– Você deveria ter responsabilidade pela situação. Foi você que disse que acha que a gente poderia achar comida.
– Sim, eu acho, mas isso não é garantia de nada.
Me arrependi do que eu tinha dito na sala de reuniões, mas já era tarde demais para voltar atrás. Se fosse para achar algo de comer dentro da escola, teríamos que ir em algum lugar aonde nunca fomos antes.
– Quer ir para o térreo? Acho que tem maquininhas lá.
– Nem morto.
A cara séria dele me fez rir.
– Ah, que pena. Então acho que a gente não vai encontrar comida.
Quando chegamos no final do corredor, paramos numa escadaria escura. Yan respirou fundo e colocou a mão no corrimão, apontou com a sua lanterna para baixo e disse:
– Certo – ele parecia tentar tomar coragem – Vamos descer.
Mas aquela determinação toda foi embora em um piscar de olhos. Talvez pela escuridão, ele pareceu repensar e se virou novamente para mim.
– Caramba, esquece. Eva... vamos voltar. Podemos fazer a ronda no andar de cima, né? Vou deixar para comer no café da manhã mesmo.
– Há um tempinho, eu estava certa de que um de nós estava morrendo de fome...
– Vamos subir, rápido!
Yan me puxou de volta e subimos mais uma escadaria até darmos de cara com uma porta com uma placa dizendo "Gabinete de Segurança".
– Ei, quer dar uma olhada nessa sala aqui antes de irmos? – perguntei curiosa por não conhecer aquela sala ainda.
– Tá, tá. Vamos entrar logo. Esse lugar é assustador.
O gabinete estava vazio. Não tinha nada além de cobertores. Peguei um dos cobertores empoeirados e os sacudi um pouco no ar. Era uma pena que não tinha mais nada que a gente pudesse levar dali.
– Ei, Eva. Quer dar uma olhada nisso aqui?
– O que você tem aí? – perguntei tentando ver o que Yan ocultava.
– Tcharam! – ele tirou o que estava escondido em uma pose exagerada.
Fui pega completamente de surpresa. Era um pacote fechado de nachos.
– Nossa, então você acabou mesmo encontrando comida?
– Estava guardado naquela gaveta ali. Eu sabia que tinha um motivo de eu estar com tanta fome. Está na cara que é obra do destino.
– Não precisa fazer tanto drama também – ri cruzando os braços.
Ignorando o que eu disse Yan abriu o pacote cantarolando alguma coisa bem alegre.
– Você vai comer agora? E o pessoal?
– Teria muita gente de olho... e só tem um desse aqui... Ninguém vai dizer nada se a gente dividir. Eles nem vão ficar sabendo mesmo.
– Mas...
Yan deu de ombros, mas achei que aquilo era errado. Estávamos dia após dia lutando para conseguir comida o suficiente para todos nós. Tinha chegado ao ponto de que duas refeições grandes era demais. Principalmente nessa situação difícil, eu queria compartilhar com todos o que eu tinha.
"Eles nem vão ficar sabendo mesmo". Fiquei surpresa com o Yan, mas será que ele realmente estava errado? No fim um pacote de nachos seria difícil dividir entre tanta gente. Acho que ele disse aquilo só para me fazer sentir menos culpada por comer, mas ainda assim... Comecei a ficar um pouco triste, abaixei a cabeça, até que Yan cutucou meu ombro e assim que virei para ele algo entrou na minha boca. Ele ficou olhando para mim, com o rosto cheio de expectativas. Relaxando um pouco mais, senti o pedaço de nacho na minha língua. Era saboroso e familiar.
– Tem um gosto ótimo, fala aí?
Ele estava segurando o pacote aberto enquanto fazia gracinha com um pedaço de nacho entre os dentes.
– Agora que estamos juntos nessa, você não pode contar a ninguém.
Ri da tática dele e mastiguei. Era difícil ficar séria com Yan ao meu lado, principalmente quando ele tinha a fisionomia bem contente e satisfeita;
– E aí? Vai me dedurar? Ou quer mais um pouco? Aqui, pega mais um pouco para você.
Será que ele comia salgadinhos assim antes também? O imaginei se divertindo com os amigos e comendo nachos e batatas como lanche da tarde. Independente se ele fazia isso ou não, eu sorri para ele pela simples possibilidade.
– Quem diria que o nosso cozinheiro seria assim – ri um pouco – Você não tem jeito...
– Ah, qual é? O gosto é ótimo pelo menos, não é?
– Acho que não dá mesmo para te vencer – balancei a cabeça em sinal negativo e ele riu mais.
Não sei por que ele tinha achado tão engraçado, mas resolvi deixá-lo curtir o momento. Ele de tempos em tempos pegava mais um pouco de nachos, comia uma parte e colocava a outra na minha boca. Foi tão gostoso que fiquei sorrindo até depois de termos terminado. Ele era realmente um jovem bom, que se divertia com coisas simples e essa simplicidade dele era contagiante.
– O que você quer tomar? – Yan perguntou assim que eu entrei na sala.
– Um milkshake cairia muito bem, né? – respondi rindo do absurdo do meu desejo atual.
– Certo, eu consigo fazer algo parecido – o olhei impressionada com sua afirmação.
– Sério? – minha surpresa era nítida.
– Vamos, você acabou de chegar cansada. Vai se sentar e eu já te levo o seu pedido, senhorita – ele sorriu de maneira divertida e eu arrastei meu corpo exausto para um assento.
– Que tratamento de princesa – Jéssica sorriu quando eu me sentei ao seu lado – Mas você merece. Bom trabalho. Conseguimos abrir muitas portas e achamos muitas coisas graças a você e a vontade que você estava de continuar mesmo depois que todos pararam. Agora você precisa descansar, vamos depois começar a fazer algumas contagens e ver o que conseguimos de útil nas salas abertas.
Sorri com o reconhecimento e afundei um pouco mais o corpo cansado.
– Aqui, senhorita – Yan depositou um copo com chocolate e chantilly por cima – Não é milkshake, mas está bem gelado, pode comprovar.
Olhei aquilo maravilhada.
– Como você conseguiu? – perguntei surpresa.
– Agradeça ao Luciel depois – ele riu e colocou um copo na frente de Jéssica também e se sentou na nossa frente.
– Ei, já arrumaram o problema com a água da cozinha? – perguntei para Yan que parecia tão animado como sempre – Se já arrumaram eu posso lavar a louça depois.
– Está arrumado sim, mas de jeito nenhum vou te deixar lavar a louça depois de ficar o dia todo andando de um lado para o outro da escola praticamente inteira. E, diga-se de passagem, não é uma escola muito pequena.
– Que bom que encontrei vocês aqui – Luciel falou com um notebook na mão.
– Aconteceu alguma coisa Luciel? – Jéssica perguntou alarmada.
– Ah – ele relaxou e nos acalmou – desculpa, não aconteceu nada demais, mas eu estive estudando alguns remédios que temos aqui e tive que jogar vários fora. Vou pedir para o Ethan me ajudar a fazer uma lista do que precisamos. Eu não consigo reproduzir a maioria dos remédios com o que temos, então vamos ter que nos virar com os remédios básicos que ainda não perderam a validade, mas queria a ajuda da Eva se não tiver problemas, Jéssica.
– Ela precisa descansar um pouco, Luciel – Yan falou repreendendo um pouco o amigo– Por que afinal você quer a ajuda dela?
– É que ela sabe mais ou menos os remédios que não podem faltar. Também preciso saber se a Alana está precisando de algo. Achei que ela seria a melhor opção para isso.
– Não tem problema – eu falei sorrindo – posso fazer isso, não estou tão cansada assim.
– Você é teimosa demais para parar, não é? – Yan falou rindo e eu não pude evitar rir junto – Prometo que a sua janta vai ser diferenciada, vou fazer a melhor janta de todas para compensar essa sua inesgotável energia. Então já vai pensando no que você quer. E falando nisso... Luciel, quero uma máquina para bater milkshake e um congelador. Você consegue?
– O congelador da escola não serve? – Luciel falou erguendo uma sobrancelha.
– Eu nunca consegui ligar aquela coisa – Yan deu de ombros.
– Tudo bem, vou ver o que eu posso fazer, mas do jeito que as coisas andam, eu vou ter que conseguir mais placas e baterias para armazenamento de energia – ele suspirou.
– Luciel, te encontro depois que passar o que eu achei nas portas que abrimos para a Jéssica – falei animada com a simples hipótese de conseguir um milkshake de novo.
Jéssica olhava sua prancheta e notei que ela nem prestava atenção no que falávamos. Sua expressão estava inquieta.
– Jéssica? Tudo bem? – perguntei assustada com aquela mudança brusca de comportamento.
– Ah – ela se sobressaltou – desculpa, só estava concentrada. Não quero sobrecarregar ninguém aqui e com a quantidade de coisas que estamos precisando vai ser um pouco difícil.
– Se acalma – eu ri um pouco, mas entendia o nervosismo dela – Por que não chamamos o John e o Vi para ver o que podemos fazer? Você fala que eu estou me sobrecarregando, mas você faz o mesmo.
– Ah, eu não quero preocupar o senhor John.
– Jéssica – coloquei minha mão em seu ombro – o "senhor" John é uma pessoa muito boa e você sabe disso, ele não vai se importar se o chamarmos para ajudar com isso e além do mais, por que você continua o vendo como seu patrão? Estamos todos na mesma situação, você precisa se soltar disso e viver um pouco, sabia? Aqui não é a empresa. Dinheiro e status já não significam nada no meio em que estamos.
Ela me olhou parecendo confusa e eu sorri ainda mais.
– Tive uma ideia – falei animada – eu vou rapidinho ajudar o Luciel. Yan você pode fazer algum lanche ao invés de janta?
– Acho que posso. Mas por quê?
– Que bom! – falei animada – Vou falar com o John e com o Vi. Vamos resolver o problema com a sobrecarga de todos amanhã. Tenho certeza de que tem coisas que poderemos deixar para fazer depois e hoje... – parei para pensar tentando arrumar alguma coisa que pudesse relaxar e divertir um pouco a moça atarefada à minha frente – hoje tem um filme que eu gostaria muito de ver com vocês.
Luciel soltou uma risada tão gostosa que fizeram todos rir ao mesmo tempo.
– Por que as vezes eu tenho a impressão de que você segue sendo uma garotinha? – ele perguntou colocando a mão na minha cabeça.
– Acho que porque eu continuo sendo uma garotinha – eu estava cansada demais para falar a verdade e nem tinha um filme na cabeça ainda, mas ver todos eles se esforçando tanto as vezes me deixava triste e eu queria fazer algo para aliviar esse fardo de todos.
– Ok, vou te ajudar na conversa com o John e o Vi – Luciel falou bagunçando ainda mais o meu cabelo – Eu gostei da ideia e acho que todos estão precisando relaxar um pouco realmente.
Apertei a mão da Jéssica, dei um beijo animado no rosto de Yan e puxei Luciel apressadamente para fazer o que tínhamos que fazer, mas no meio do caminho ele me parou.
– O que foi Luciel? – perguntei parando abruptamente.
– Você é uma pessoa muito gentil, sabia? – ele falou sorrindo – Você está com o semblante extremamente cansado, mas segue pensando nos outros. Me deixa adivinhar. Você inventou aquela história do filme que quer ver, certo?
– Não – falei tentando parecer convincente.
– Todos parecem curtir um pouco mais desde que você chegou – ele sorriu – venha, vamos deixar a lista de remédios para amanhã. Tenho certeza de que ainda temos o suficiente para uma noite.
Ele me puxou para a sala de jogos e ao invés de contarmos os remédios que faltavam, arrumamos a sala de um jeito que todos pudessem participar do filme. Depois fomos falar com John e com Vi que aprovaram a ideia após eu explicar o como estavam os ânimos de alguns e eles mesmos ficaram encarregados de chamar todos.
Enquanto todos estavam se acomodando na sala de jogos, eu fui até a cozinha e espremi algumas frutas para ajudar o Yan com o suco e pouco tempo depois o cheiro de pipoca chegou até mim me fazendo ter nostalgia e saudade.
– Eu estava procurando um lugar para plantar milho um tempo atrás, mas por aqui é muito difícil. Eu li em um livro o processo para plantar milho para pipoca – Yan falava animadamente do meu lado – De qualquer jeito, estou fazendo isso por vocês, não sou muito de comer enquanto assisto filmes.
– Então você deveria ter me dito isso e ido descansar enquanto eu estourava a pipoca. Isso é algo que eu sei fazer – eu ri com a simples recordação das inúmeras pipocas que eu queimei ao longo da vida.
– Você sempre foi assim? – Yan me perguntou enquanto esperava mais uma panela de pipoca parar de estourar.
– Acho que podemos levar um pouco de nachos também! – falei animada ao lembrar da quantidade de nachos que eu e Yan havíamos achado no final da nossa última ronda, a ronda que eu me senti culpada por comer um pacote sozinha com ele. Encontramos em um armário próximo a sala que estávamos e guardamos ali na cozinha mesmo, alguns perderiam a validade logo e eu queria aproveitar.
– Você evadiu a minha pergunta – ele riu, mas não insistiu – pelo visto hoje não vamos jantar.
– Hoje vai ser sua noite de folga também, Yan! Essa pipoca ficaria uma delícia com manteiga por cima.
– Acho que isso não vai ser possível dessa vez, mas vou ver o que posso fazer para uma próxima – Yan sorriu – Caramba, você é a mais espontânea de todos aqui.
– Eu só gosto de me divertir, Yan... isso tudo aqui ficaria muito mais difícil sem alguma diversão – falei dando de ombros – as vezes é bom deixar as preocupações para outra hora e aproveitarmos o momento. Sei que pode parecer imaturo..., mas... – tentei afastar a pequena melancolia que estava querendo invadir meu corpo.
– Isso não é nada imaturo, Eva. Você é uma pessoa muito focada nas coisas que faz e isso é admirável.
Sorri um pouco sem graça com o elogio e tirei um chocolate que eu estava guardando no bolso e entreguei para ele.
– Nem pense em recusar – sorri um pouco mais – obrigada, por tudo.
Ele acenou com a cabeça, guardou o chocolate e fomos assistir ao filme que eu acabei improvisando, na qual eu não lembro nem o nome e nem a trama, pois dormi nos primeiros minutos...
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