9. MARIA MOLE
- Nada?
- Nada.
- Tem certeza, doutor?
- Estou te dizendo, Sofia. Está tudo certo.
Foram as palavras que o doutor falou enquanto avaliava meus exames. Mas, como era possível? Eu estava aliviada, claro. Apenas não era o que eu esperava depois dos últimos dois meses de fortes palpitações e dores no peito.
- Olhei todos os seus exames detalhadamente e nenhum apresentou deficiências. Não há com o que se preocupar. Basta manter os cuidados de sempre e não haverá riscos.
- Venha, vou te examinar de novo.
Ao notar que eu não parecia muito convencida enquanto levantava a blusa, ele continuou.
- Escute Sofia, sei que você tem que se preocupar quando sente que há algo errado, mas também tem que confiar em mim quando eu digo que você está bem. Eu nunca deixaria passar algo sabendo que você poderia estar em risco.
Não foi difícil expirar profundamente depois disso, já que um suspiro saiu involuntária e lentamente de mim.
Eu tinha um trauma de escutar que ia ficar tudo bem. A última vez que escutei, descobri que ia precisar trocar o coração. Mas eu tinha que dar crédito a ele, afinal, ele me salvou.
Saí confusa do consultório médico. Se não havia nada de errado, porque é que eu estava tendo todos aqueles sintomas? Acontece que não importava mais. Eu estava tão contente com a notícia que até caminhava mais leve e um pouco mais rápido também.
Eu me aproximava da rua da pâtisserie, sentindo o frio cortante contra o meu rosto, quando notei uma figura conhecida vindo ao meu encontro. Meus olhos estavam ressecados por conta do vento forte e gelado, mas mesmo assim pude reconhecer. Era ele. Os companheiros de sempre estavam com Cristofer, o livro debaixo do braço, cachecol, cabelo desalinhado e os óculos nos olhos.
Terça-feira. Lembrei.
- Sofia? – falou surpreso ao me ver.
- Olá – respondi tentando controlar a montanha russa nas minhas veias.
Ele lembra meu nome.
- Como está?
- Bem, e você?
- Estou bem também.
Começamos a caminhar em silêncio lado a lado quando viramos na mesma esquina.
- Você também vem por aqui? – quis saber.
- Sim, todo santo dia – sorri.
- Escuta, estava indo tomar um café – disse sem graça. - Se você quiser...
Nesse caso não me adiantaria muito dizer não. Eu sabia muito bem para onde ele ia.
- Claro... Onde? – perguntei sabendo que ele se referia ao meu café.
- É logo mais a frente. Eles têm uns bolinhos deliciosos por lá.
- Têm, é? – eu sorri.
- Têm sim.
Olhei para frente orgulhosa de já ter recebido um elogio, mesmo que não fosse intencional.
- Bom, neste caso, obrigada – continuei ainda olhando para frente
- Obrigada? – ele me olhou sem entender nada enquanto caminhávamos pela rua.
Não havia outro café em toda a rua a não ser o meu, por isso arrisquei a brincadeira.
- Sou eu que faço os bolinhos, Cristofer. Eu trabalho lá. Na verdade o café é meu e de uma amiga.
- Não acredito. Então você é a responsável pelos meus dois quilos a mais? – sorriu deslumbrado quando estávamos a dois passos da pâtisserie.
- Culpada.
Quando entramos pude ver os olhos de Mada se arregalando.
Lá dentro, ao contrário do que imaginei, ele não se direcionou para a mesa de sempre. Me acompanhou até o balcão onde se sentou e pediu diretamente para mim o que eu já sabia que seria seu pedido.
- Por favor, antes que eu comece a ter crises de abstinência, quero um daqueles bolinhos Madonna.
- Tudo bem, senhor – brinquei.
Servi seu cupcake e preparei um chocolate para mim, já que o frio e a tensão de estar ali conversando com ele faziam minha mão tremer num misto de frio e nervoso.
Madalena veio em nossa direção com aquele olhar de desconfiança.
- Mada, esse é o meu vizinho Cristofer. Cristofer, essa é minha quase irmã Madalena. A outra dona.
- Prazer, Madalena.
- Fique à vontade, Cristofer – Mada falou e logo encontrou o que fazer não sem antes me lançar olhares suspeitos e cheios de malícia.
- Então, vocês é quem mandam nesse lugar? – quis saber vasculhando o local com os olhos.
- Sim. Sempre quis ter algo do tipo.
- Pois eu tenho vindo aqui faz algumas semanas. Talvez meses? – perguntou para si mesmo.
- Sério? – novamente tive que mentir para ele. Não encontrei outra solução. Muito deprimente saber que o alvo de todo o meu desgaste energético não tinha sentido a minha presença enquanto ele, ao contrário, estava fortemente presente na minha vida.
- É sério sim. Engraçado nunca ter te visto.
- Verdade – quis me contorcer de raiva. – Mas eu passo boa parte do tempo dando uma de tirana na cozinha.
E me escondendo de você.
- Normalmente passo bom tempo aqui. Hoje não vou poder ficar tanto tempo assim – falou limpando a boca com um guardanapo. – Mas vou levar um café para viagem.
- Claro. Eu providencio um para você.
Enquanto preparava seu café fiquei ponderando os fatos. Talvez fosse bom ele não se lembrar. Assim começamos do zero. Não parei de me perguntar onde ele estaria indo e aonde ele ia nos dias em que freqüentava o café. Por mais que me corroesse por dentro esta dúvida, eu não iria perguntar, de jeito nenhum. Se ele estivesse interessado em dividir essa informação já teria feito.
- Aqui está seu café.
- Obrigado, Sofia. – pegou o copo e deu um sorriso que me fez derreter por dentro como se eu fosse feita de chocolate. – Até logo.
- Até – consegui dizer.
Como sempre, depois que Cristofer saiu, o acompanhei com os olhos através das janelas até que sumisse.
Madalena estava aflita, podia sentir a tensão nos olhos dela quando a gente se cruzava, mas o trabalho estava exigindo muito e não havia tempo para colocar o papo em dia, o que me deixou muito aliviada, não queria falar sobre o assunto naquele momento.
O livro!
Fiquei tão distraída por ele enquanto conversávamos que esqueci de ver que livro ele tanto lia. Bufei indignada enquanto meu cérebro não parava um segundo. Minha mente ficou enroscada em perguntas a respeito de sua rotina. Por que hoje ele não pôde ficar mais? Será que estava me evitando? Descartei essa teoria conspiratória quando lembrei que ele mesmo tinha me convidado para tomar um café. Apenas coincidiu de ser no meu café. E ele nem se lembrava de mim, não tinha motivos para me evitar.
Ainda que meu cérebro fizesse milhões de sinapses inúteis com o objetivo de descobrir o que tanto ele tinha que fazer durante as noites, eu nunca adivinharia o que de fato ele fazia.
Nunca passaria pela minha mente limitada que enquanto eu fazia infinitas suposições estúpidas, naquele exato momento, pelo menos, Cristofer se sentava em frente a uma mulher, muito bem vestida, meia idade, colar de pérolas e unhas vermelhas. Havia livros por todos os lados, a luz entrava suave pelas janelas na sala em que estavam.
- Então, Cristofer. Como tem andado? – Era quase sempre essa mesma pergunta que ela fazia inicialmente.
- Estou bem, sempre estive bem – pareceu inconformado.
- Nós dois sabemos que isso não é verdade – ela falou num tom absurdamente calmo, encarando os olhos de Cristofer por cima da lente dos óculos. – Esse tipo de atitude apenas te prejudica e acaba atrapalhando seu progresso.
Cristofer não emitiu um som sequer. Ao notar que ele não falaria uma só palavra em resposta, ela voltou a falar.
- Diga. Como estão suas noites de sono?
- Eu passo bastante tempo no trabalho. Não é difícil dormir quando chego em casa.
- Ótimo. Trabalhar sempre ajuda nesses casos. A menos que seus problemas psicológicos interfiram no seu desempenho profissional. Por isso, eu te pergunto Cristofer, tem sofrido esse tipo de influência no seu trabalho?
- Não – respondeu sem muito interesse.
- Não?
- Não. Na verdade é a única hora que eu consigo esquecer que tenho qualquer problema.
- Certo – a mulher respondeu bem devagar enquanto anotava algo em um bloquinho que segurava em suas mãos, e logo continuou. – Se esse é seu caso, Cristofer, aconselho que encontre alguma atividade extra para seu tempo livre.
- Tempo livre? – falou parecendo não acreditar na proposta. – Eu quase não tenho tempo para o banho... – Mas ela o interrompeu.
- Veja, Cristofer. Faz quantos anos que continuamos com isso sem evolução alguma? Você não aparece muitas vezes, em outras apresenta uma suave melhora, mas nunca saímos disso. Você está bem, posso ver, mas faz tempo que não passamos disso. O que gosta de fazer? Esportes? Jogos de raciocínio?
- Não sei... – pareceu confuso. Estava buscando na mente algo pelo que se interessasse. Mas ultimamente, havia perdido o interesse por tudo. Lia por causa do trabalho, mas não por prazer. A última coisa que havia proporcionado algum prazer a ele era comer. Comer os cupcakes da Sofia.
- Trata-se apenas de uma terapia ocupacional. Você está livre para escolher o que quiser. Natação, xadrez, aprender outra língua, trabalho filantrópico...
- Culinária? – ele a interrompeu.
- Sim! Por que não? – respondeu com entusiasmo.
Cristofer mudou a expressão que carregava em seu rosto até esse momento. A psicóloga notou a mudança significativa em seu comportamento. Era como se a luz que tivesse se acendido nas idéias dele saísse pelos seus olhos iluminando também as novas anotações que ela fazia em seu bloquinho. Talvez mostrar interesse contasse ponto e ele ganhasse uma estrelinha por bom comportamento.
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Espero que estejam gostando ♥. Críticas (construtivas) são sempre ótimas pra gente que escreve avaliar o andamento da nossa linha de raciocínio. Muito obrigada a quem teve paciência de chegar até aqui.
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