17. FLORESTA NEGRA - PARTE I
- Alô? Mãe?
- Oi, querida. Como está?
- Estou bem, e você?
- Tudo certo, filha.
- E o pai?
- Também está bem.
- Como será amanhã?
- Chamei algumas pessoas, nada muito grande. Só o de sempre. Faz o bolo?
- Claro, mãe!
- Obrigada, querida.
- Até amanhã, então. Beijinhos.
No dia seguinte era aniversário da minha mãe. Um evento sempre muito importante para mim.
Uma das coisas que eu mais gostava de fazer era o bolo de aniversário dela e do meu pai. Resolvi aproveitar a ocasião para fazer do próximo prato das aulas de Cristofer um delicioso bolo de aniversário. Estava um pouco na dúvida se ele aceitaria. Mesmo assim iria arriscar convidá-lo para me ajudar.
Quando Cristofer apareceu na patisserie aquele dia eu dei a notícia.
- Bolo?
- Bolo! É aniversário da minha mãe amanhã, e eu sempre faço o bolo. Bom, se não quiser, terei que cancelar nossa aula... Mais uma vez.
- Não! – teve um sobressalto. –Tenho medo só de arruinar o bolo da sua mãe – falou receoso tentando parecer mais calmo.
- Esqueceu que eu vou estar supervisionando? Além do mais, você vai estar mais na assistência do que na execução de fato.
- Tudo bem, se você assume as conseqüências, estou dentro.
- Até parece. É apenas um bolo.
- Ok. Apenas um bolo – falou tentando se convencer.
- Vá mais cedo, por via das dúvidas.
- Pode deixar. Nos vemos depois, então.
- Até lá.
- Até.
A massa do bolo já estava assando quando Cristofer bateu na minha porta. Quando eu abri, não pude deixar de notar que ele vestia a mesma calça de moletom cinza que usava no dia em que nos conhecemos, ou que eu o conheci, já que ele não demonstrava ter a menor lembrança deste dia.
- Hm... To sentindo cheiro de bolo! – pareceu inconformado
- É... – Não pude terminar a frase, porque ele me interrompeu.
- Não me esperou pra festa? – continuou arregalando os olhos que já eram naturalmente redondos demais.
- Calma! – pedi. – Só fiz a massa do bolo, o que é muito simples. Posso te dar a receita ou ensinar depois.
- Mas por quê?
- Desculpe... Comecei aos poucos e quando eu vi, já tinha terminado. Fico afobada quando o assunto é o bolo da minha mãe.
- Tudo bem. Fazer o quê? – falou num tom de brincadeira me deixando aliviada.
- O mais legal, no entanto, deixei para a hora em que você chegasse – sorri maliciosamente.
- Sério? Achei que não estava muito confiante com a minha ajuda – se encaminhou para a cozinha.
- Não é verdade – falei logo atras dele.
- Poxa. O cheiro está muito bom. Estou seguindo o rastro – se abaixou metendo o rosto muito próximo ao forno.
- Está quase pronto, enquanto isso vamos ao recheio e à cobertura. Estava pensando em dividir as tarefas. Enquanto eu faço o recheio, você a cobertura. Pode ser? – perguntei pegando os ingredientes necessários para isso.
- Não acha que é muito para mim?
- Você consegue – pisquei para ele.
Escolhi uma das coberturas mais fáceis para que não houvesse problema, e para que ele pudesse voar solo pelo menos uma única vez.
- Você vai fazer um creme chamado ganache. Não se assuste com o nome, por que é simples de fazer e é delicioso.
- Você é corajosa mesmo – riu inconformado.
- Para com isso. Quer desistir? – perguntei com o rosto dentro da geladeira pegando alguns morangos.
- Não.
- Os ingredientes que vai precisar estão na bancada.
- Só isso? Chocolate e creme de leite?
- Sim. Falei que era simples, mas não subestime o doce por sua simplicidade.
- Sim, senhora Chef.
Fui falando para ele passo a passo o que deveria fazer, a começar por ralar o chocolate.
- Você vai ter que ralar este chocolate antes de usar.
- Sem problemas – arregaçou as mangas da camiseta de manga comprida que ele usava.
Fiquei observando seus movimentos enquanto se preparava para ralar o chocolate. Colocou um dos lados do cabelo atrás da orelha e depois puxou as mangas da camiseta para cima com vontade, deixando o antebraço a mostra. Estava tão entretida com seus movimentos que quase morri do coração quando o timer do forno apitou. Eu precisava dar um jeito de arrancar esse timer do fogão.
Como ele estava de costas para mim, com toda a sua atenção voltada para o chocolate, nem notou o que estava acontecendo quando me virei assustada para o forno e vi que o bolo já estava pronto. Vesti minhas luvas e o tirei do forno, depois coloquei na janela para esfriar, assim como minha mãe havia ensinado.
- Assim não vou conseguir me concentrar no que tenho que fazer – reclamou sem desviar os olhos do chocolate e do ralador. – O cheiro está me matando.
Mal sabia que não seria exclusividade dele a dificuldade de concentração esta noite.
- Quer que eu tire daí?
- Não! Não... Deixe aí.
Eu poderia ficar vendo Cristofer com o chocolate a noite toda, mas infelizmente, eu tinha um recheio para fazer também. Por isso, espalhei uma quantidade grande de frutas vermelhas pela bancada da cozinha para começar de vez a minha parte da tarefa.
Estava distraída escolhendo algumas frutas quando ele surrupiou um morango da minha pilha de morangos.
- Epa! – exclamei e dei um tapa leve em sua mão.
- Desculpe – falou rindo e com a boca cheia. – Não tô mais conseguindo resistir a tantas tentações.
Só você? Pensei instantaneamente.
- Tudo bem – falei rindo também. – E já pode parar de ralar chocolate, está bom assim.
- E agora? Faço o que nesse caso?
- Agora você derrete o chocolate no micro-ondas e depois que estiver derretido, acrescenta o creme de leite ali naquela panela. Com o fogo baixo, é só mexer até virar um creme bem lisinho e homogêneo.
Não era difícil, e Cristofer terminou sua tarefa antes da minha.
- Pode deixar aí mesmo no fogão. Vou ter que agilizar esse recheio antes que o ganache esfrie demais, se não, eu não consigo cobrir o bolo. Você foi mais rápido do que eu imaginava.
- Desculpe por isso – ironizou.
Então, ele se encostou na bancada e ficou assistindo enquanto eu fazia o recheio. Não falava nada, e me observava com um olhar tão estranho que me deixava desconfortável.
Evitava olhar para ele para me concentrar apenas no que eu estava fazendo, mas era quase impossível. Eu não obedecia as minhas próprias ordens quando estava na presença de Cristofer.
Foi assim, desobedecendo uma imposição minha e olhando para ele que reconheci o olhar que ele me dirigia. Eu podia estar muito enganada, mas o olhar dele se assemelhava com o que eu mesma tinha dirigido a ele momentos antes enquanto ele ralava o chocolate.
- Pronto! – falei num tom um pouco mais alto do que desejava para me livrar das desconfianças que estava tendo. Mas ele ficou imóvel em seu posto de observação enquanto eu pegava o bolo da janela.
- Essa parte é uma das que menos gosto. Tenho que dividir o bolo em duas partes, e a probabilidade dele desmoronar é grande.
- Quer ajuda? – ofereceu.
- Não, tudo bem. To acostumada a fazer, apesar de não gostar.
- Eu ia preferir ficar só vendo mesmo – brincou. – Não que eu não fosse ajudar, mas ficar observando você fazendo estas coisas com tanta "perícia" é melhor que ajudar.
- Tá – falei sarcasticamente cortando delicadamente o bolo ao meio. A lâmina deslizava macia pelo bolo e eu podia sentir o peso do olhar de Cristofer sobre mim. Talvez isso arruinasse um corte perfeito que eu já estava habituada a fazer. Dentro da minha cabeça a frase concentre-se se repetia em meio a pensamentos a respeito de Cristofer. Ele estava tão próximo que eu podia escutar o ar entrando e saindo dele e isso estava me afetando sensivelmente.
- Agora que cortei, vou ter que separar os dois pedaços e agora sim, não posso demolir meu bolo.
Ele me olhava atento enquanto eu narrava o que estava fazendo. Não sabia se ele estava interessado em minha desenvoltura como chef ou apenas em mim. Claro que eu tinha toda a parafernália necessária para o que eu estava fazendo, mas a platéia especial que eu tinha estava dificultando meu trabalho.
- Cristofer! – desabafei.
Não falei alto, mas falei com uma voz firme fazendo com que ele se assustasse.
- O quê?
- Não consigo assim. Você está inibindo minha eficiência, destreza, perícia...
- Ah. Desculpe. Mania de médico. Cada movimento teu me faz lembrar minhas cirurgias. Tanto cuidado... eu tava aqui comparando. Acabei fazendo tua cozinha virar uma sala de cirurgia.
Eu tive que rir. Ele estava fazendo uma cirurgia e eu pensando que ele estava era de olho em mim. Bem típico da minha mente perturbada.
- Tudo bem...
- Desculpe se te atrapalhei.
- Já falei que está tudo bem... – quase não conseguia disfarçar a pontada de decepção que me acometeu.
Desviei meu olhar do bolo para ele e ao contrário do que eu esperava ele ainda mantinha aquele olhar indecifrável. A sorte é que eu já tinha dividido o bolo ao meio e largado a faca. Eu estava tão distraída com a situação que não deveria mesmo ficar perto de facas ou coisas do tipo.
- Posso roubar um morango? Você já fez o recheio de qualquer forma. E desta vez estou tendo a dignidade de perguntar se posso pegar.
Dei de ombros e disse que sim. Eu estava tentando voltar minha atenção para o que eu deveria, o bolo, ainda que estivesse complicado.
Ele estava se deliciando com o morango, tanto que eu, que nem gosto da fruta pura, estava começando a ficar com água na boca.
- Eu nem sou tão fã de morango assim.
- Assim como?
- Puro. Acho um pouco ácido demais.
- Este está bem docinho. Quer?
- Não. Vejo morangos o dia todo.
- E se eu fizer assim? – falou pegando a panela com o ganache que ele tinha feito.
- O que vai fazer? – me desesperei.
Cristofer ignorou minha pergunta e ao invés de responder mergulhou o morango no ganache.
- Cristofer... – resmunguei sem força, quase choramingando. – Vai estragar o creme.
- Hmmm! Ficou muito bom, você deveria provar.
- Não – respondi calmamente pegando uma espátula na gaveta. – Vou salvar o que sobrou, da isso aqui. – Soei um pouco e ríspida.
Ele não obedeceu. Puxou para ele a panela quando eu tentei tirar de suas mãos. Eu estava calma, mas olhei com reprovação quando mais uma vez ele mergulhou outro morango no creme, prestes a arruiná-lo de vez.
- Experimenta. Fui eu que fiz, está uma delícia – me provocou segurando a vontade de rir.
Estava um pouco brava naquela altura, olhava para ele com ar de censura, mas ele estava com um bom humor inédito esta noite, faz com que eu amolecesse.
Me olhava de uma forma tão doce e irresistivelmente tentadora que eu não pude agüentar. Além disso, o cheiro do morango com o chocolate que ele tinha colocado próximo a mim estava realmente atraente. Mas a maneira como ele falou comigo foi que me ganhou. Nunca tinha usado aquele tom de voz nem me olhado daquela forma. Olhei para ele por alguns instantes devolvendo na mesma moeda o olhar intenso que ele me dirigia. Então, sem desviar meus olhos dos dele mordi o morango que ele segurava.
- É... Não está dos piores – respondi ainda olhando para ele enquanto eu saboreava a fruta com chocolate.
Cristofer permaneceu imóvel, não emitiu uma palavra sequer. Assim como eu fazia, ele continuou aquele estranho ritual de me olhar sem dizer nada. Limitei-me a fazer o mesmo enquanto eu mastigava.
Não pude agüentar o peso do seu olhar em minha direção, por isso baixei um pouco o rosto e desviei para minhas mãos sujas de recheio de morango. Então, ele ergueu a dele em direção ao meu rosto. Congelei.
Segundos depois ele ajeitou meu cabelo que estava na bochecha e segurou meu rosto com a mão. Num ato reflexo, não hesitei nem por um instante, aconcheguei meu rosto em sua mão quente, fechando meus olhos. O sangue corria por todo meu corpo fazendo meu coração pulsar tão forte que ele parecia estar exatamente nas bochechas, onde a mão dele repousava.
Quando abri meus olhos ele ainda olhava pra mim, mas permanecemos de olhos abertos por pouco tempo. Cristofer largou na bancada a panela que ainda tinha em uma das mãos e agora me segurava o rosto com as duas mãos, me puxando para perto. Não resistia a seus movimentos. Tudo o que ele fazia era imediatamente aceito pelo meu corpo como se eu soubesse cada passo que ele fosse dar adiante.
Aproximou seu rosto do meu lentamente e entãoseus lábios tocaram os meus muito de leve.
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