12. PASTEL DE QUEIJO - PARTE II
- Opa. Olha só quem resolveu voltar.
- Desculpe. Que horror, desculpe.
- Tudo bem, você foi uma boa companhia. Acredite.
- Sei – falou se ajeitando no sofá.
- Sentiu frio?
- Não, estava muito confortável, aliás estou fazendo uma força tremenda para ficar acordado.
- Não por isso, vire para o lado e volte a dormir.
- Até parece mesmo que eu seria capaz de fazer uma coisa dessas. O que está fazendo?
- Tive que me entreter com algo que fosse silencioso. Só me restou o computador. Posso dizer que estou trabalhando.
- Trabalhando? – falou incrédulo.
- Sim, e não tem problema nenhum. São apenas algumas receitas que estou trocando com alguns amigos. Verdadeiros tesouros. Totalmente restritas.
- Parece mais lazer que trabalho.
- Verdade. Talvez seja por isso que eu goste tanto. E as romãs? Vai deixar passar?
- Não, de jeito nenhum.
- Estão aí sob o abajur atrás de você.
Ele se virou para apanhá-las rapidamente.
- Olha só a cor delas.
- Era sobre isso que eu estava falando com você quando notei que eu estava num monólogo.
- Desculpe, Sofia – repetiu mais uma vez, agora com a boca cheia.
- Já falei para parar com isso.
- Tá bom... Mas hum... Não é só a cor que está linda, o gosto está uma maravilha também. Daria uma bela foto.
- Com certeza.
- Quer tentar? Eu tenho a máquina do celular.
- Eu tenho uma também.
Levantei do sofá e abri a gaveta do armário da sala com esperança que não tivesse deixado minha máquina em outro canto.
- Acho que está aqui – Falei confiante.
- Se não tiver use a minha.
- Está aqui! – exclamai feliz ao vê-la ali já que tinha medo que ele saísse do sofá e resolvesse não voltar mais. – Quer tirar?
- Quero – falou tomando a máquina das minhas mãos.
Quando pegou, examinou com cuidado e com um olhar de curiosidade.
- Máquina de filme? – quis saber intrigado.
- Sim. Não entrei na era digital, sou do século passado.
- Fazia tempo que eu não via uma. Mas são as melhores.
- Se não for assim nunca revelo as fotos. Gosto de ter álbuns.
- Os álbuns estão se perdendo mesmo. É uma boa essa sua ideia – falou ao aproximar a lente da fruta.
- Tem até zoom! – falou mexendo na máquina.
- Tem sim. Eu faço fotos dos cupcakes com ela.
Fiquei observando enquanto ele posicionava a tacinha com romãs sob a luz do abajur. Não pensei que ele fosse levar tão a sério, e pelo jeito parecia saber o que estava fazendo.
Disparou algumas vezes se posicionando de formas variadas. De repente, sem que eu pudesse prever virou a mira para mim e disparou um flash que me cegou.
- Cristofer! – falei colocando a mão nos olhos. – Não!
- Por que não? – mesmo sem olhar para ele eu podia sentir que havia um sorriso malicioso em seu rosto.
- Não quero tirar fotos agora.
- Tudo bem. Não precisa ficar com a mão no rosto, não vou mais tirar fotos.
Assim que eu tirei as mãos do rosto fui surpreendida por mais um disparo em minha direção.
- Cristofer! – dessa vez falei irritada enquanto suas gargalhadas ecoavam pelo apartamento.
- Calma!
- Traidor – falei perdendo a compostura e começando a rir. – Dá essa máquina aqui!
- Não mesmo – recusou se esquivando de mim enquanto eu tentava tirar a maquina das mãos dele.
- Tudo bem, fique com ela então – resmunguei.
Assim que ele relaxou acreditando nas minhas palavras avancei sobre ele arrancando a máquina da sua mão disparando flashes em sua direção.
- Que espertinha – também resmungou enquanto tentava esconder o rosto de várias formas.
- Ah, Cristofer. São só algumas fotos... – disse sarcástica sem parar de tirar fotos dele.
- Quantas poses tem esse filme? Não acaba nunca. Devolve isso aqui – ele falou segurando meu braço. – Você vai acabar com o filme todo.
- Não devolvo, o filme é meu – respondi tentando me soltar em vão.
Avançando em direção a mim, sentou-se no mesmo sofá em que eu estava. Cristofer segurava meus braços com uma força que quase começava a machucar. Mas ainda assim, não me importei, já que era apenas uma brincadeira. O que eu demorei pra perceber foi que ele já não estampava mais as covinhas nas bochechas e sim um sinal de desconforto ao se aproximar tanto de mim. Ele ainda me segurava firme quando seus olhos refletiram os meus. No instante em que minha pupila se abriu ao olhar bem nos olhos dele eu pude me ver lá no fundo. Notei que suas sobrancelhas se juntaram ao mesmo tempo em que suas mãos se afrouxaram em meu braço.
Sentados no mesmo sofá, seu rosto estava tão próximo ao meu que podia sentir o cheiro do cabelo recém lavado. Eu estava tão entorpecida com a situação, tão confortável perto dele que não conseguia ver que ele, ao contrário, estava profundamente desconfortável.
Cristofer soltou-se de mim bruscamente ao notar meu estado de hipnose. E foi realmente como se ele me acordasse de algum tipo de transe. Precisei piscar algumas vezes para recobrar plena lucidez enquanto ele me olhava como quem estivesse sofrendo de alguma dor aguda.
Senti-me tão mal com a situação que comecei, em um ato falho, espelhar em minha face a sua expressão de dor. Acho que foi só então que ele percebeu como estava feia sua cara.
- Ah... – resmungou enquanto tentava dissipar todas as rugas de dor que estampavam seu rosto. – Acho que preciso ir.
Continuava sentado, mas se virou para frente para evitar contato visual. Esfregava as duas mãos sobre as coxas repetidamente. Estava nervoso.
Não pude responder, tão pouco mudei de expressão. O momento era tão desconfortável que fiquei paralisada. Ao contrário dele continuei como estava, feito estátua.
- Desculpe, Sofia – falou se levantando do sofá sem nem ao menos me olhar.
- Desculpas? Pelo quê? – tentei parecer indiferente.
Minha tentativa não funcionou. Estava claro como água que eu estava perplexa.
- Tá... Eu... Melhor eu ir, preciso ir pro hospital.
- Tudo bem – concordei ignorando o fato de saber que hoje era sua noite de folga.
Foi só então que notei como eu agarrava com força uma almofada em meu colo, se ela não estivesse entre meus dedos talvez eu tivesse perfurado minha mão com as minhas próprias unhas.
Levantei lentamente e me encaminhei para a porta como se fosse um robô.
- Fica bem, tá? – recomendou falou quando abri a porta, e só neste momento voltou os olhos pra mim novamente.
- Você também.
- Tchau – passou por mim.
- Tchau – mal terminei e fechei a porta.
Eu estava, só para variar, tão confusa que não podia articular as ideias de forma coesa. Sentei novamente no sofá inconformada com o momento. Senti algo incômodo ao sentar, era a máquina. Em um ataque súbito de raiva levantei num pulo com ela nas mãos, atirei no fundo da gaveta novamente e fechei.
Espremi os olhos e os punhos com força enquanto um grunhido saia da minha boca. Qual era o problema com Cristofer? Eu não estava disposta a passar por aquela situação novamente, nem que isso significasse ficar longe dele e parar com essa palhaçada de aulas de culinária.
Meus planos de ir para a pâtisserie fracassaram.
Afundei no sofá e me agarrei de novo em minha almofada. Por seguidas vezes continuei apertando os olhos para ver se sonhava e saia da realidade um pouco. Funcionou.
***
Enquanto a tarde descia e eu caia em sono não tão profundo quanto gostaria, Cristofer se encaminhava para o hospital. Pelo menos falou a verdade, mesmo que eu não soubesse disso. Mas ele não estava lá para ser médico, era paciente desta vez.
- Olá, Cristofer.
- Oi – respondeu sem emoção.
Cristofer entrou em silêncio e se sentou. Permaneceu assim enquanto a mulher de meia idade se ajeitava em sua cadeira empunhando seu bloco de notas.
- Progresso? – perguntou colocando os óculos.
- Bom... – começou desanimado.
- Certo. Como têm sido os últimos dias? – continuou notando que ele estava enrolando.
- Trabalho... E aulas! – falou quase que em tom de zombaria, mas se arrependeu quando uma das sobrancelhas da mulher se levantou. – Aulas de culinária – falou voltando ao tom de sempre.
- Aulas de culinária? Muito bem! – o parabenizou fazendo suas anotações habituais. – E como foi? Te fez bem?
- Sim – desta vez ele sorriu seu sorriso triste.
- Mas que ótimo. Isso é muito bom.
Ele permaneceu em silêncio, não disse mais nada
Ela abaixou a cabeça tocando-a pesarosamente, e então voltou a encará-lo através dos óculos de lentes reluzentes.
- Escuta, Cristofer. Eu preciso de ajuda aqui, está bem? Quantas sessões já tivemos? Não vejo melhoras. Estou me tornando repetitiva... Talvez em alguns momentos você esboce um pequeno brilho nos olhos. Hoje quase pude notar, mas em geral, nada.
"Se espera que eu aceite, está enganado – ela continuou ao tirar os óculos. – Se você quiser continuar atuando neste hospital, vai ter que apresentar melhoras. Sinto muito, Cristofer."
Ele ouvia tudo com seus olhos azuis arregalados num misto de pânico e raiva. Havia indiferença também porque seu olhar se desviava e voltava a encarar a psicóloga vez após outra. Finalmente ele não agüentou. Levantou-se e foi em direção à porta.
- Cristofer, não acabamos ainda! – falou levantando, mas sem sair do lugar.
Ele nada respondeu. Saiu porta a fora deixando-a para trás sem saber o que fazer, mas certamente não muito feliz.
Bateu a porta ao sair e nem olhou para trás
Não foi para casa, mais por medo de me encontrar no caminho ou nas escadas do que por falta de vontade. Andou por alguns quarteirões em um dia que não era convidativo a caminhadas.
Ao passar os cinco minutos daquele misto de sentimentos que fazem a gente perder a cabeça, ele parou. Já respirava mais calmo, seus batimentos cardíacos estavam voltando ao normal e seu maxilar relaxou. Parecia esboçar arrependimento.
Não sentia vontade de ir a lugar algum, então, sentou em um banco numa rua do centro aonde pessoas iam e vinham e por lá ficou. De braços cruzados para se esquentar, seu olhar irado lentamente se dissolveu até se perder novamente na sua expressão de frustração que já parecia crônica.
O sol já ameaçava se pôr por completo quando ele se levantou, colocou as duas mãos no bolso e se encaminhou pra casa a passos de tartaruga. Trocou de rua quando se aproximou da patisserie, mesmo que lá no fundo estivesse louco para tomar um chocolate com o pretexto de me ver.
Ao chegar no prédio verificou as correspondências que estavam acumuladas, colocou-as sob o braço enquanto já localizava as chaves no bolso. O medo de me encontrar pelos corredores era grande. Mas, medo de quê? E além de tudo, ele sabia que eu já tinha voltado para a pâtisserie. Não corria riscos.
Em casa, perambulou pelos cômodos guiado apenas pela luz que vinha de fora. Sentou em uma poltrona e acendeu a luz de um abajur comprido que iluminava bem, mas ainda deixava boa parte da sala na penumbra. Puxou para si uma caixa de papelão que estava no chão. Ao abri-la, arremessou alguns objetos longe, tocou outros como se fossem de uma imensurável preciosidade, e assim, passou boa parte da noite até não resistir mais e deixar finalmente se levar pelo sono.
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