Capítulo 5
POV Madalena
Depois da Maria da Luz ter nascido, e a Dona Consuelo, não querer que trabalhasse mais com ela, porque achava que eu tinha que me focar nos estudos, para ser uma médica tão boa como a minha mãe. Não tive outra hipótese, até porque ela e a Pilar decidiram que até eu finalizar o meu curso suportariam as despesas da minha casa. Mesmo eu sendo contra, nada pude fazer, eram duas, ou três pois o Sr. Júlio também entrou nessa onda, contra mim.
O tempo foi passando, a Luz foi crescendo com muito amor à sua volta. E estava na altura de começar a escolher o que eu queria. O pior é que ainda estava meio indecisa qual a especialidade que iria tirar. Eu adorava pediatria, sempre adorei ver como a minha mãe acalmava os seus pequenos doentes. Ela dizia que ser pediatra era um exercício de paciência. Muitas vezes tínhamos que levar as coisas mais a brincar, mas ao mesmo tempo sermos sérios. Pois temos que conseguir a confiança da criança e dos pais ao mesmo tempo, e isso por vezes é complicado.
Porém obstetrícia também sempre foi algo que me encantou. Pelo menos desde que me aconteceu tudo aquilo com o Ricardo. Eu queria poder ajudar as mulheres que por uma razão ou outra sofriam o que eu sofri. Por isso, decidi deixar o assunto pendente, sempre ouvi os meus pais dizerem que na hora certa as respostas aparecem. E eis que apareceu, no dia do parto da minha filha. Ao ver aquele pedacinho de gente, eu não tive dúvidas, e ali com ela no meu colo a sugar o meu peito, bebendo o seu leite, fiz a minha opção.
Os meses passaram e assim que a Luz deixou de mamar voltei à minha rotina normal. Com a ajuda dos professores e de alguns colegas, nunca parei de acompanhar as aulas. A própria faculdade tem um bom sistema para situações de alunas que engravidem ou tenham filhos. As aulas teóricas temos on-line, e as práticas vão sendo marcadas à medida que conseguimos e no horário que conseguimos.
Quando deixei de amamentar, a Luz começou a ficar com a "avó", enquanto ia à faculdade de manhã. Na parte da tarde, quando não tinha aulas, era o meu tempo de ficar com a minha pequena, e enquanto ela dormitava ou brincava deitada no seu tapete, eu ia estudando. Isto quando a "avó" babada não ficava com a neta, tarde fora em casa dela, e nada do que eu dissesse iria adiantar. Era uma amor incondicional e recíproco entre as duas desde o primeiro minuto de vida da minha princesa.
Não vou dizer que tudo foi fácil, porque não foi. Entre estudar e tratar da Luz, foi tanto maravilhoso como muitas vezes frustrante. Quantas vezes me vi a chorar com a minha filha, por não saber o que fazer para a acalmar. Quantas vezes me desesperei quando a Luz ficava com uma febre resistente, que não teimava em não passar. Quantas vezes eu me stressava porque queria estudar para um exame e a Luz teimava que não queria dormir, ou chorava assim que a colocava no chão.
Sim, tudo coisas "normais" em crianças, tudo coisas que eu vi a minha mãe passar com a Sofia e com a Clara. Mas parece que quando nos toca a nós, tudo toma uma outra proporção. É o nosso filho, um bocadinho nosso, que está ali a chorar com dores ou mesmo sem. Mas que está ali doente, ou a querer algum mimo e atenção, e que depende apenas de nós.
Quando a Luz fez um ano, a minha "mama", era assim que a chamava, comunicou-me que a partir daquele momento, a minha princesa passaria a frequentar a escolinha, porque a sua "nieta" tinha que brincar com as crianças da idade dela. Luz já era conhecida por todas as funcionárias do colégio, desde que estava na minha barriga, e era amada por todas.
E apesar de no início negar a ideia, pois não me queria separar do meu pedaço de céu, a avó emprestada da minha filha não me deu alternativa. Depois veio a batalha de eu querer pagar como todos os pais, contudo, mais uma vez ela ganhou e fez questão de ser ela a pagar a mensalidade da Luz, como fazia com os outros netos.
Nesse ano, e mesmo tendo que tratar de uma casa, da Luz e de continuar a fazer umas horas no colégio (foi difícil, mas acabei por conseguir convencer Dona Consuelo a trabalhar duas vezes por semana), consegui ser aluna do quadro de honra, o que fez com que conseguisse ser assistente de um dos professores, e assim fui ganhando algum dinheiro extra.
Hoje, com quase cinco anos, Luz está mais independente. Apesar de ainda querer a minha atenção. Estou no último ano do curso, e já estou a preparar o internato, que terá inicio daqui a alguns meses. Sinto-me um pouco mal com este facto, pois sei que Luz vai sentir um pouco a minha ausência, mas a "Mama Consuelo" e o meu "Papa Júlio", amam a minha menina como se fosse mais uma neta, e sei que quando eu tiver que ficar noites no hospital eles iram tratar muito bem da minha pipoquita.
Aliás estes dois são a definição de avós babados. Para além da Luz, neta adoptada por eles, eles têm mais cinco netos: Javier e Carmen do filho Carlos e três da Paloma, Pablo, Candela e Maribel. Porém a minha Luz é a perdição dos dois.
Comecei o meu internato há cerca de dois meses, e hoje foi um dos poucos dias que tive alguma folga da Universidade, tenho andado ocupada a passar a assistência para um dos alunos do 2º ano, já que agora com o internato seria impossível continuar a mesma. Porém, hoje o Juan tinha um exame, por isso adiámos para amanhã. Decidi que naquele dia iria apenas aproveitar a minha pipoca, e passear. Ela amava ir para ao parque brincar, por vezes encontrava por lá algumas crianças do Colégio e a festa era certa. Levanto-me para preparar o leite da minha pequena, e o meu café, e eis que ouço a alguém com muita manha atrás de mim...
— Mamã...— Quando olho para a porta da cozinha onde bebia um café, e relembrava a minha vida antes deste pacotinho rosa aparecer na minha vida, vejo a luz dos meus dias toda despenteada e com um bico enorme de quem acordou com muita preguiça.— Coio...— Abaixo-me um pouco e pego-a ao colo.
Maria da Luz, a minha vida, e verdadeiramente a minha luz. Luz, tem quatro anos (quase cinco, como gosta de frisar apesar de ainda faltar mais de meio ano para fazer anos, é um doce de menina, fala português e espanhol, e adora ir para a escolinha. Tem um feitio muito parecido com o de Diogo, na maioria das vezes, pois quando quer consegue desarmar até a pessoa mais brava apenas com um sorriso. Cabelos loiros iguais aos meus e olhos azuis. O seu sorriso é talvez o que mais amo, pois faz lembrar o pai, ela faz duas covinhas de lado, assim como o Diogo fazia.
— Bom Dia, Pipoquita...— Dou-lhe um beijo na sua bochecha, e ela aninha-se no meu ombro...— Queres o teu leitinho?— Pergunto, enquanto lhe faço festas nas suas costas...
—Mi Botella mama...(Meu biberon, mamã)— Diz ela levantando um pouco a sua cabecinha do meu ombro.
— A mamã vai fazer, vamos sentar na tua cadeira.— ela assente e sento-a.— A Mamã hoje não vai trabalhar, então que tal irmos passear só as duas?
— Luz no va a escuela?(Luz, não vai à escola?)
— Não, hoje a Luz não vai à escola.
A minha pequena embora falasse bem o português, amava falar no seu espanhol meio encurtado. Nunca percebi porque é que ela às vezes falava espanhol e outras falava português. Na escola sempre falou em espanhol, até porque ela andava numa escola onde todos falavam a língua mãe do país. Porém, em casa que seria onde poderia falar o português, ela não o fazia. Era até engraçado, pois eu sempre falava com ela em português, porém ela respondia-me em espanhol. As pessoas ficavam surpresas, mas era assim desde que começou a falar.
— Mama...
— Aqui tens minha pipoquita.— Dou-lhe o biberon, pego nela e coloco-a sentada no sofá. Ligo a TV no canal de desenhos animados.— Enquanto a Luz bebe o leitinho a mamã vai tomar banho sim, não saias daí?
- Non mama...(Não mamã...)
Fui para o meu quarto, tomei um banho rápido, vesti-me e fui ver da minha filha. Luz estava em pé no sofá, ela cantava a música do desenho que estava a dar, e dançava como conseguia. Olhei para ela e fiz cara séria, apesar de me apetece rir, mas eu morria de medo que ela caísse e já a tinha avisado que não a queria em pé no sofá.
— Maria da Luz Sá Fernandes.- ela parou e olhou para mim com aquele sorriso de quem foi apanhado a fazer o que não deve.
— Deculpa...— Ela diz com aquele ar de quem sabe que fez asneira.
Porém, ao mesmo tempo, espera que fazendo um ar o mais angelical possível consiga derreter o meu coração. E o facto é que sempre consegue. Fui ter com ela e comecei a dar-lhe beijos no seu pescoço, fazendo-a rir muito. Depois deste ataque, fomos as duas para o seu quarto, dei-lhe um banho bem rápido, vesti-a e lá fomos nós para um dia só nosso.
Passamos a manhã no parque, Luz saltou, correu, brincou e ao vê-la feliz eu sei que fiz o certo. Foi duro, foi difícil, mas ver a felicidade da minha menina era o mais importante, como se costuma dizer ela era com toda a certeza a cereja no topo do meu bolo. Sei que um dia ela me vai perguntar pelo pai, será inevitável, e sinceramente não sei o que lhe vou dizer. Fui eu que a escondi do pai, ele nem sabe que ela existe.
Mas eu não podia continuar em Coimbra. Era como se todos os dias revivesse aquele momento, aquele mesmo pesadelo. Ver o Diogo com aquela miúda, doeu, dói ainda. Não tinha outra hipótese senão sair dali, e fugir. Porque ir para Lisboa, também não era opção, teria os meus tios à perna, e iriam obrigar-me a contar ao meu pai.
E foi assim que a minha vida mudou de novo, e mais uma vez girou 360°graus. A única solução que encontrei, foi candidatar-me para uma bolsa em Espanha. Claro que para a minha família em Coimbra eu iria estudar para Lisboa, e ficaria em casa da Tia Marta. Nem sei o que eles pensaram quando descobriram que eu tinha sumido. Não sei se ainda estão à minha procura.
Quando me candidatei pensei em apenas colocar o nome da minha mãe. Contudo, mesmo que eu usasse o meu nome todo, aqui ninguém me conhecia, ninguém conhecia a minha mãe. Então porquê esconder quem eu sou aqui? A minha família? Nunca lhes passaria pela cabeça que iria fugir para Espanha.
Despedir-me do Diogo, foi talvez aquilo que mais me custou. Aquela noite, em que me entreguei a ele, de alma, corpo e coração, foi sem dúvida a mais feliz da minha vida. Ele foi super cuidadoso, carinhoso, sempre preocupado se realmente eu estaria preparada para o que iríamos fazer. E eu estava, quer dizer mais ou menos.
Estaria a mentir claramente se dissesse que tudo estava bem dentro de mim, naquela hora. Porque na verdade eu estava realmente apavorada, na minha mente sempre me vinha aquela noite em que tudo aconteceu. Porém o meu Príncipe percebeu o meu nervosismo e medo, e foi-me sempre acalmando, quer com carinhos quer com palavras doces: "Eu estou aqui, não vou deixar que nada te aconteça...eu amo-te, e sabes que se não quiseres, eu vou esperar. Basta uma palavra tua...".
Mas vê-lo com outra na sua casa, partiu-me por dentro. Despedir-me dele na estação de comboio, custou-me muito, a minha vontade confesso era ter-me atirado para o seu colo e nunca mais me separar dele. Contar-lhe da gravidez, e quem sabe sermos felizes os três juntos. Mas a minha mágoa naquele dia ainda era muita. Depois de ler aquela carta, foi...doeu. Como se cada palavra fosse um corte feito na minha pele. Ainda hoje a leio quando a saudade é muita.
Se eu ainda o amo? Sim, como amei no primeiro dia, como vou amar para sempre. Mas como não amar alguém que me deu o meu maior tesouro: a minha princesa. Foi ela, que conseguiu colar todos os pedacinhos que estavam quebrados dentro de mim, foi como se algo se colasse instantaneamente. Todos os meses, à medida que a via crescer dentro de mim, ao vê-la naquele ecrã, ao ouvir o batimento do seu coração, era como se ela me fosse colando aos poucos. Ela era um bocadinho meu e dele, era a nossa minha filha, a nossa menina. A minha vida, a minha Luz.
— Mamã, fominha.— A minha princesa diz colocando-se de pé...— Luz qué batata fita e buguer.
— Ainda ontem comemos pizza Luz, hoje vamos para casa. A mamã fez lasanha...— Luz olha para mim com o bico mais lindo do mundo.
— Mamã...eu queo...por favo.— Nego com a cabeça...— Mamá ... queo, po favo. Luz no estropeó, e una chica hemosa.(Mamã....quero, por favor. Luz não fez birras e foi uma menina linda.)
— Maria da Luz, chega. Podes parar com a birra...— Ela olha para mim fingindo que não percebeu o que lhe disse, Luz é ardilosa, quando quer algo que eu não lhe dou, ela simplesmente coloca a sua faceta de espanholita.— Luz, mira a mamá. No quiero más rabietas, hoy nos vamos a casa a comer la lasaña, que sé que te encanta.(Luz, olha para a mamã. Não quero mais birras, hpje vamos para casa comer a lasanha, que sei que adoras.)
— Podemos complal helado en el mercado?(Podemos comprar geledo no mercado). E lá vem a outra faceta da minha menina, quando não tem o que quer, tenta sempre ter outra coisa.
— No sé si te lo mereces después del berrinche, pero está bien.(Não se sei se mereces depois dessa birra toda, mas está bem.)— E uma Luz animada salta e grita à minha volta...— Vamos al mercado a comprar el helado...(Vamos ao mercado comprar o gelado...)
E assim seguimos até ao mercado. Aproveitei para comprar mais algumas coisas. Quando estávamos a sair, a Luz fez outra birra, queria porque queria ser ela a levar o saco onde estava o gelado, mas ela nunca conseguiria levá-lo, estava demasiado pesado. Então ela resolveu colocar a sua postura de espanholita, e fazer das suas: sentou-se no chão e armou um berreiro. Estava eu a tentar pegar na luz, como podia, mais os sacos, quando ouço uma voz que não esqueceria nunca.
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