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Capítulo 34

Pov Diogo

É hoje que chegam a Leonor e os pais. E sinceramente espero que esteja a fazer a coisa certa. Não sei como a Madalena vai reagir: se me vai agradecer ou se vai ficar furiosa comigo. Com ela hoje em dia nada é uma certeza.

Tem dias bons em que consegue sair do quarto, vir até à sala, brincar com os meninos ou até estar numa conversa sobre maternidade com a Mara. Por vezes até eu me junto às duas, é bom ouvir a Madalena falar sobre como foi a infância da Luz. Saber por exemplo que a minha pequenita só mamava deitada ao lado da mãe, ou que gostava de dormir agarradinha ao dedo de um adulto, ou ainda que no dia em que deu o primeiro passo se desmanchou numa bonita gargalhada.

Contudo, há dias em que nada nem ninguém a consegue tirar do quarto. E em quase todos estes dias, algum de nós tem que lhe dar um calmante. Ela não grita, mas o ataque de pânico é tão grande que muitas vezes lhe causa falta de ar. E essa é uma das razões pelas quais viemos morar com a Mara. Teríamos mais apoio, e não ficaria eu sozinho com a Madalena neste estado e mais duas crianças que mesmo continuando a aprontar, sofriam com toda esta situação também.

Levanto-me da minha cama, improvisada no chão, ao lado da cama onde ela dorme. A Madalena nem sonha que durmo no chão no mesmo quarto. Disse-lhe que durmo com a Luz e o Lucas, mas, não consigo estar longe dela. E como deitar-me ao seu lado é impossível neste momento, por conta do seu medo de contacto, vou-me contentando-me a ficar no mesmo espaço.

Devagar, bem devagar para não a acordar, saio do quarto com almofadas e cobertores. Passo primeiro no quarto dos meus filhos, que é o mesmo que os meus sobrinhos, e os quatro ainda dormem. Desde que souberam um do outro, a Luz e o Lucas não se desgrudam, nem mesmo a dormir. Fecho a porta do quarto devagar e desço para a sala, coloco o que tenho nos braços em cima do sofá e sigo para a cozinha onde já encontro os meus pais e a Mara, com a Miriam ao colo.

— Bom Dia.

— Bom Dia Mano. Diz Bom Dia ao Tio, Mimi.— Mara faz a pequena acenar a sua mão como se me estivesse a dizer Adeus...— Se bem que, se o tio continuar a dormir naquele chão...

— Podes parar, já disse que aguento.— todos os dias eu ouvia de algum deles que não devia estar a dormir no chão, que um dia me ia arrepender e ficar com as costas feitas num oito...— Também me recordo de vos dizer a todos que não quero que ela saiba.

— Filho, mesmo que perceba o porquê de estares a dormir naquele chão...— bufo, porque estou cansado da mesma ladainha todos os dias. Já lhes expliquei mil vezes que se não posso estar a dormir agarrado a ela, pelo menos durmo perto dela, no mesmo quarto.— Não me bufes dessa forma, ainda sou tua mãe.

— Desculpa.— peço dando um abraço à minha mãe...— Mas, é a forma que encontrei de me sentir próximo dela, mesmo não estando.

— Eu sei Diogo, mas um dia as tuas costas vão dar sinal, e espero que nesse dia percebas...

— Espero que esse dia não chegue é nunca. Porque é sinal que já não estou a dormir no chão e sim agarrado à Madalena.

— Tudo bem, já não te digo mais nada. Promete-me só, que se esse dia chegar tu vais saber tomar a decisão certa para ti.

Olhei para a minha mãe, sabendo que ela quer a minha promessa, mas não a consigo fazer, então apenas a abraço. Tentando que ela perceba o que lhe estou a dizer nas entrelinhas: que nunca conseguirei cumprir essa promessa.

— Vou, me arranjar tenho que ir buscar a Nono e os pais, o avião deve estar para chegar.

— Filho, estava para te fazer esta pergunta: onde é que eles vão ficar? Aqui já não temos quartos.

— Não te preocupes, já falei com a Marisol, ela já arranjou os dois quartos de casa delas. Ela diz que dorme no quarto da luz.

— Ok. É preciso ir lá dar uma ajuda?

— Não ela já arranjou tudo. Aliás, ela vem cá depois de acabar o turno. Assim, se tudo correr bem, logo à noite leva-os até casa de carro. Bem vou só arranjar-me, pai tu vens comigo certo?

— Sim, vou. E estou pronto.

— Ok, dá-me dez minutos e saímos.

Seguimos os dois um atrás do outro. Como a Leonor, teve que trazer a pequena Mariana, acabamos por decidir usar os dois carros da família: o da Mara e o da Madalena. O meu pai traria a Leonor, o Simão e a Bebé no carro da Mara, uma vez que tinha uma cadeira para a mesma. Eu traria os pais da Madalena, mais a bagagem.

Quando chegámos ao aeroporto, estacionámos no parque um ao lado do outro. entramos no aeroporto e dirigimos-nos à saída de embarques. O avião deve estar para chegar, se não chegou já. Verifico os voos e percebo que o deles está cinco minutos atrasado, o que na prática resulta em pelo menos uma meia hora à espera.

— Achas que foi a decisão certa? Trazer os tios da Madalena?— pergunto ao meu pai.

— Queres a resposta de Pai, "Sogro" ou Advogado?— responde o meu pai dando-me um olhar brincalhão.

— Pai, estou a falar sério. Eu não sei se foi a melhor decisão, não sei o que a Madalena vai pensar, não sei...

— Bem. Em primeiro lugar, neste momento já não podes voltar atrás. Sei que fizeste o que achaste melhor para a tentar ajudar, e ela no fundo vai perceber isso.

— Isso é o pai, o sogro ou o advogado a falar?

— Com toda a certeza o pai. O "sogro" diria-te que já fizeste asneira. Nunca deves contrariar uma mulher, nunca.

— Sabes que essa resposta não me está a ajudar, está mesmo a fazer-me levantar daqui, voltar para o carro e deixá-los aqui no aeroporto.

— O advogado, diz-te com muita eloquência, que ter o Luís Ferreira Lopes a ajudar-me neste processo vai mudar o rumo do mesmo. Aquele ser, que se diz advogado, para mim foi comprado pelo pai do rapaz.

— Achas mesmo?

— Talvez não para prejudicar a Madalena, mas para tentar não os fazer perder.

— Foi o único advogado que conseguimos...

— Exactamente, mais uma razão para eu desconfiar do suborno. Precisamos de mudar isso.

— E como exactamente iremos mudar? Não vamos conseguir outro advogado que...— olho para o meu pai, e percebo onde ele quer chegar...— Não, ele nunca irá aceitar...

— Porque não?! Porque trabalha na mesma firma do teu "sogro"? Que eu saiba ele é tão sócio daquela empresa como o pai da Madalena, então pode defender quem quiser sem dar cavaco aos outros. Isto já para não falar dos casos pró Bono que todos eles podem fazer.

— Não sei, acho que seria demasiado perigoso. O pai da Madalena podia saber de tudo e acho que é a última coisa que ela quererá.

— Meu Deus, vocês só complicam as coisas. Até quando ela se vai esconder do pai? Há uns anos atrás até perceberia: grávida aos 18 anos e sozinha.

— Medo.

— Medo?! Já se passaram 5 anos, a Maria da Luz é uma realidade, e a Madalena já não tem 18 anos. É uma médica formada e com excelência. Estava a fazer um internato maravilhoso, com optimas notas dos médicos assistentes.

— Mas o que eles tinham contra o nosso namoro há cinco anos atrás continua vivo e bem na tua frente.— olho para o placard e o voo já tinha chegado há uns 10 minutos e já começavam a sair pessoas pelas portas automáticas. Levanto-me e caminho para ficar mais próximo.

— Por muito que tenhas errado na tua juventude, pagaste por isso, e diria até pagaste um preço muito alto tendo em conta que o fizeste para ajudar uma amigo.

— Pai...

— Filho, se alguém te condenar por algo do passado, não deve ter telhados de vidro. E ponho as minhas mãos no fogo que aqueles dois têm um prédio inteiro de vidros para partir.

Não respondo, apenas o abraço, como uma criança pequena, como o Lucas me abraça. Quando as portas se abriram pela quarta ou quinta vez, vi-os a sair. Logo a Leonor me viu, apontou para mim e veio ter comigo. Estava com a pequena Mariana no carrinho, o Simão vinha logo atrás com um carrinho cheio de malas, e depois os tios da Madalena.

— Obrigada por vires.— digo-lhe ao abraça-la.

— Como é que ela está?— pergunta-me ainda a abraçar-me.

— Hoje está a ser um dia bom.— digo-lhe e quebro o abraço...— A minha mãe mandou-me mensagem, conseguiu que ela fosse até ao jardim por uns dez minutos quando acordou. Tomou o pequeno almoço com os meninos.

— Que bom, então já a vou ver fora do quarto?

 — Infelizmente não. Ela voltou para o quarto logo a seguir. E esta princesa? Cada vez mais parecida com a mãe.

— Graças a Deus. Porque para dizer a verdade a mãe é muito mais bonita...

— Simão. Que bom que vieste...o Lucas vai adorar ver o Ti Mão.

— Só espero que a minha nova prima não me chame de "Timão".

— Não sei, aqueles dois não cresceram juntos, mas são unha com carne desde que se conheceram.

— Um a chamar-me "Timão" ainda aguento, agora dois...ah!!! Nem pensar, vou ter uma conversa de pé de orelha com a minha nova prima.

— Diogo, querido.— A mãe da Leonor interrompe esta conversa de primos e abraça-me, enquanto o meu pai fala com o pai da Leonor.— Ela...ela...

— Não sei o que a Leonor vos contou, mas o problema da Madalena é mesmo a parte mental. Ela está bastante fragilizada.

— Fisicamente?- pergunta-me. Sei qual o medo dela, mas felizmente o facto do meu pai a ter encontrado no momento em que a encontrou, fez com que a Madalena fosse apenas agredida fisicamente,

— Ela está bem, não chegou a esse ponto.

— Então ele não chegou a...

— Não. O meu pai encontrou-a antes de poder acontecer. Claro que teve a sua dose de hematomas, mas já praticamente desapareceram. Mas vamos?

— Sim vamos...- diz a Leonor.

Vamos em direcção aos carros e tal como decidimos distribuímo-nos pelos carros. Com uma pequena mudança de planos: o Simão e o sogro foram com o meu pai, a Leonor, a Mariana e a Marta vieram comigo, já que a cadeira da minha primita era daquela que se transforma em cadeirinha de carro. No caminho tive que contar mais alguns pormenores sobre o que aconteceu.

— Meu Deus, porque é que tudo acontece sempre a esta menina. Desde aquela noite que ela não teve mais paz. Nunca mais foi feliz.

— Ela foi feliz mãe.— A Dona Marta olha para a filha curiosa...— Quando começou a namorar o Diogo, acho que nunca a vi tão feliz.

— Isso é porque nunca a viram com o Lucas e com a Luz. O olhar dela ilumina, acho que era capaz de iluminar um estádio inteiro.

— Como é a Luz? É parecida contigo ou com a Madalena?— pergunta a Leonor.

— Eu não te enviei uma foto?

— De costas Diogo!? Os dois de costas!!

— Ups, desculpa. A Luz é uma mistura dos dois, tem as minhas feições, mas com os olhos e os cabelos da Madalena. É teimosa e muito argumentativa...

— Parece o feitio da Luísa, mãe.— comenta a Leonor.

— A Madalena também já disse isso. Mas sabe ser meiga, e adora ser a irmã mais velha, protege muito o Lucas.

— Isso é toda Madalena...— diz a Dona Marta...— A minha irmã não conseguia zangar-se com a Luísa ou com a Sofia, sem a Madalena vir defende-las.

— Tem sangue latino, ou seja, ferve em pouca água. E quando o faz, começa a falar espanhol.

— Ela fala em espanhol? Então como é que vamos conseguir falar com ela?— pergunta aflita a Dona Marta.

— Calma, ela fala português também. Mas, devo avisar antes de chegarmos, ela é muito insegura perante novas caras. E quando é assim a tendência é falar em espanhol. 

— Como é que tu consegues entender? Quer dizer, que eu saiba tu não falas espanhol?

— Não falava até ter uma filha que é mais espanhola do que os próprios espanhóis. Estou a tentar aprender, e ela está a tentar ensinar-me, o que é algo engraçado e que nos está a fazer bem aos dois.

— Ela é a tua professora de espanhol? Isso é algo que eu gostava de ver.

— Chegámos. Lembrem-se a Madalena não sabe que vocês vinham.

— Ok. A Leonor já nos contou tudo. Ela também não suporta a proximidade de homens, certo?

— Sim. Eu já a abracei, ou melhor ela abraçou-me e eu apenas retribui. Foi curto, mas foi um progresso.

— Ok. Vamos entrar.

— Vamos. Pai, vamos entrando, depois vimos buscar as malas.— digo para o meu pai.

— Ok. Vamos senhores.

E assim entramos os seis em casa da Mara. Não sei o que vai acontecer, como é que a Madalena vai reagir. Apenas espero que ela saiba que fiz o que fiz porque a amo, porque não aguento mais vê-la afundar-se num abismo, sem eu conseguir lá chegar para a resgatar.

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