Capítulo 2
POV PEDRO (Pai Madalena)
Chegou finalmente o dia da Madalena ir para Lisboa. Ainda não consigo perceber o porquê de ela não querer fazer faculdade em Coimbra. Mas, a Mila acabou por falar comigo, só nós os dois. E talvez eu tenha que concordar que afasta-la daqui seja até uma boa ideia. O meu problema é que Lisboa também não é dos melhores lugares. Muitas memórias, muita dor...tudo junto.
Claro que tive que ouvir o meu pai: que estava doido, que não devia dar tanta liberdade á Madalena. Que foi a fuga dela em Lisboa que nós perdemos a Maria. Que tudo era culpa dela...da Madalena. Será que foi? Era eu que estava a conduzir, fui eu que, como sempre fui impulsivo, e decidi ir atrás daquele delinquente. Mas, a Madalena saiu de casa às escondidas, e se ela não o tivesse feito?
A Maria...estaria...aqui...comigo...
- Em que é que estás aí a pensar?
- Na ida da Madalena para Lisboa. Na...Maria...
- Pê, a tua filha não vai estar propriamente sozinha. E em relação á Maria, já falamos sobre esse assunto um milhão de vezes desde que nos conhecemos...
— Eu sei. Mas, o meu pai...
— O teu pai. Claro que tinha que vir de novo essa história. Pedro vamos esclarecer aqui e agora essa questão, o que é que a tua filha fez de tão errado?
— Mila...- fiquei a olhar para ela, como assim o que é que ela fez...- Ela mentiu nos...ela saiu escondida com aquele marginal.
— E tu nunca saiste às escondidas quando eras jovem?
— Claro que sim. Mas eu era rapaz...o meu pai...
— Claro, já faltava o machismo.
— Emília.
— Nem me venhas com o "Emília". Tudo isto...todas estas frases feitas "a culpa é da Madalena", "ela que mentiu e saiu às escondidas" é conversa idiota do teu pai.- suspira e senta-se...- Estou cansada disto Pedro. Tu não és um miúdo, tu és um homem feito, tens 5 filhos maravilhosos, és sócio de uma dos maiores escritórios de advocacia de Lisboa. E deixas te manipular pelo teu pai...
— Eu não me deixo manipular pelo meu pai.
— Claro que deixas. Quem decidiu que tinhas que vir para Coimbra, ainda em coma. Quem decidiu que os teus filhos teriam que deixar os avós, os tios, a escola, os amigos para vir para Coimbra onde não conheciam ninguém.
— Ele fez a pensar...
— Nele. Apenas nele e na sua obsessão de ter que controlar tudo e todos.
— Mila, é meu pai... só estava preocupado...
— Sim é teu pai, não é teu dono. És homem feito, não és criança para fazeres sempre o que ele te diz. Tu é que és o pai da Madalena, és tu que deves decidir se ela vai ou não para Lisboa.
— Mas...ele apenas deu a sua opinião, como tu deste...
— O teu pai nunca dá "só opiniões" e tu sabes bem disso.
— Eu tenho medo... há muitas lembranças em Lisboa...muita coisa aconteceu...coisas horríveis...
— Talvez esteja na altura de enfrentares os teus demônios. A tua filha apesar de ter sido, talvez, a que mais sofreu, conseguiu mesmo com as coisas más, ver que haviam muitas mais coisas boas.
— Será? Eu não sei...
— A tua cunhada está lá, o teu cunhado já te disse que vai tomar conta dela. E tens que começar a acreditar na Madalena. Confia na tua filha.
- Eu confiei, há uns meses atrás, e ela meteu-se com um rapaz 6 anos mais velho.
- Então isso quer dizer que eu também não posso estar contigo? Ou será que os nossos quase 10 anos de diferença não contam?
- Mila. Sabes bem que não...nós somos adultos. A Nena é...uma menina...- apesar de já estar a atingir a maioridade para mim a Nena sempre será a minha pequenina.
- A Madalena é uma jovem, tem dezoito anos. Vocês estão a tratá-la como se fosse uma criança. Ela precisa de viver a vida dela, precisa de cair e levantar-se sozinha.
- Dizes isso porque não é tua filha.
- Pedro. Ficas a saber que nenhum deles é meu filho de sangue, mas eu gosto de cada um deles como se fossem meus.- E sei pela sua cara que já disse asneira...- Mas se é assim que pensas, não vale a pena continuar com isto que temos. Vou almoçar e despedir-me da Madalena, depois vou-me embora.
- Mila desculpa.- Pronto, agora ficou chateada, e nem lhe tiro a razão, sei que disse o que não devia...- Emília...- ela já está quase a sair do escritório, eu levanto-me e agarro-a pela cintura por trás...- Desculpa amor. Desculpa, eu...
- Vamos almoçar. Quero me despedir da tua filha. Depois resolvemos este assunto só tu e eu.
Almoçámos em família, os meus pais, a minha irmã e cunhado e os meus sobrinhos também vieram. A Madalena não queria que ninguém fosse com ela para a estação. Ela disse que apenas iria passar a semana na casa dos tios e que no fim de semana já estaria de volta. E que teríamos todos que nos habituar a esta nova rotina.
O meu pai esteve o almoço todo carrancudo, a mandar indirectas para a Madalena e para a Mila. Foi constrangedor, porém se a minha filha decidiu ignorar, a Mila decidiu responder á altura. E por vezes o clima não foi o melhor
Quando chegou perto das duas horas, despedimo-nos dela. Levamo-la até ao Táxi que já esperava por ela e um a um despedimo-nos. Quando a vejo partir, o meu coração aperta. Não sei porquê mas estou com uma sensação estranha. Uma lágrima cai, e nem me apercebi, pelo menos até sentir a Mila abracar-me, limpando as lágrimas que me caíam.
- Ei! Ela foi apenas para Lisboa amor. Sexta feira já está aí a contar as novidades todas.
- Eu não consigo explicar o que estou a sentir, mas algo aqui está a dizer-me que não a vou ver mais. Parece que vou sufocar...
- Calma, isso aí é só ansiedade de ver um dos teus rebentos bater asas para longe. Vou-te contar uma coisa que o meu pai me disse quando decidi vir para Coimbra: "Os filhos são como barcos. Eles devem sair e viver suas próprias tempestades. Mas, nunca te esqueças, que os pais são como portos. Para onde sempre podem voltar para recarregar e seguir em frente."
- Já gostei do meu sogro.- Digo e abraço-a...- Estou perdoado?- ela olha para mim, sorri...e acho que desta vez me safei.
- Sim. Só porque eu não consigo ficar zangada contigo muito tempo. Agora vamos, temos três meninas muito tristes lá dentro.
E ela tinha razão. Clara e Sofia estavam agarradinhas à avó, já a Luísa apesar de estar no seu canto percebi que estava a segurar-se para não desmurenar.
A Madalena era mais que uma irmã para as três. As duas mais novas viam-na um pouco como mãe, já que mesmo quando Maria era viva, era a Nena que nos ajudava com elas, principalmente com a Sofia, já que Clara com todos os problemas de saúde, que infelizmente ainda tem, necessitava de mais atenção. Já para a nossa Lu, ela era a melhor amiga que ela podia ter. Era com a irmã que ela falava antes de qualquer coisa, mesmo antes de pensar em vir ter connosco
Depois de nos despedirmos dos meus pais, da minha irmã e da sua família, decidimos fazer uma sessão de cinema, com direito a comida de plástico, pipocas e doces. E assim passamos o dia apenas nós os cinco. Há muito tempo que não passava um dia apenas em família. A Emilia foi sem dúvida alguém que me fez ver a vida de uma outra forma novamente.
Nunca esquecerei a Maria, ela foi o meu primeiro amor, tudo com ela foi feito pela primeira vez. Mas como a Madalena me disse, ela não gostaria de me ver a fechar para a vida. A Maria não era assim, não era egoísta, não era ciumenta. Ela iria querer ver-me feliz, e eu estava de novo a redescobrir a felicidade junto da Mila. Conhecemo-nos numa das minhas sessões de fisioterapia. Ela também estava lá a ser tratada, Mila teve um acidente de carro. Estava com o marido e a filha. Infelizmente ela foi a única que sobreviveu.
Acabámos por nos aproximar, conversavamos por horas sobre o que nos aconteceu. Demorou um pouco para ela se sentir pronta para conhecer os meus filhos. Para ela ainda lhe custava muito, estar com crianças lembrava-lhe do seu bebé. E apesar de tudo eu consegui perceber esse seu medo. Contudo, na primeira vez que viu a Clara, houve ali uma química enorme. Ela tinha 5 quase 6 anos e logo tratou de adoptar a Mila como uma mãe. E quanto menos esperávamos a Sofia também acabou por chamá-la de mãe, tal como a Clara.
No início a Mila ficou meio sem saber o que fazer. Ela não queria ocupar o lugar de Maria no coração das meninas. Foi tudo tão espontâneo, até a Madalena depressa se acostumou a presença dela cá em casa. Acho mesmo que viraram amigas. A que não gostou nada de toda esta situação foi a Luísa. Ela não fazia nem um esforço para nos fazer ver que ela odiava o nosso relacionamento. Foi preciso uma conversa da Nena para ela perceber que ninguém nunca iria ocupar o lugar da mãe.
Ao fim do dia, já depois de jantarmos, estranho o facto de Madalena não ter ligado ainda. Decido telefonar para a Marta, sei que quando a Nena se junta com a Nono elas se esquecem do mundo. Mas quando vou pegar no telemóvel ele toca.
"- Marta. Ia-te ligar agora..."
"- É o Luís. Desculpa, estar a ligar. A Marta deixou o telemóvel em casa. Ela foi com a Nono buscar a Nena."
"- Ah! Já percebi, puseram-se as três na conversa e a Nena esqueceu-se de me ligar, certo?"
"- Pedro. A Marta ainda está na estação. A Madalena ainda não chegou."
"- Como assim!? A Madalena saiu daqui há..."- Vejo as horas são nove horas..."- Ela saiu daqui há sete horas atrás. Luís, onde é que está a minha filha?"
"- Eu não sei, a Marta no início pensou que talvez tivesse percebido mal o horário. Depois começou a pensar que talvez ela tivesse perdido o comboio."
"- Porque é que não me ligaram? Porque é que esperaram..."
"- Pedro, a Marta está farta de te ligar..."- Olho para o telemóvel, tenho uma dúzia de chamadas perdidas da Leonor.
"- Eu...eu estive com as meninas. Deixei o telemóvel no quarto. Luís, onde é que está a minha filha? Onde está a Madalena?"
"- Eu não sei. Talvez o namorado saiba, talvez..."
"- Eu coloco-a num convento se ela foi atrás desse rapaz. Luís eu já te ligo..."
Desço as escadas, e vou à cozinha onde está a Mila. Peço-lhe para tomar conta das meninas que eu vou num instante a casa dos meus pais. Não lhe digo nada, não quero ter uma discussão neste momento. Quando chego a casa dos meus pais, peço ao meu pai para falar com ele no escritório. Digo tudo o que se está a passar, e logo estamos a sair de casa. Se a Madalena estiver com aquele rapaz eu juro que não me seguro.
Chegámos e batemos à porta como se não houvesse amanhã. Quem nos abre a porta é a tal de Rute, amiga da minha filha. Logo vejo o pai e peço para falar com o rapaz.
- O Diogo? Ele está no quarto, chegou à pouco do hospital. Rute, podes chamar o teu irmão por favor.- Assim que ela sai ela pede para entrarmos.- Posso saber o que se passa?
- Eu prefiro esperar pelo seu filho, senão se importa.- Digo e minutos depois aparece o rapaz, e por muito que eu queira não me controlo, e avanço para cima dele...- Onde é que está a Madalena? Onde foi que tu a escondeste?
- Eu...eu não sei da Madalena. Eu não a vejo há dias.
- Tu não me enganas, eu sei que de alguma forma vocês devem ter conseguido estar juntos.
- Juntos. Como assim Diogo?- Pergunta o pai...- Eu avisei-te que não te queria junto dela.
- Mas ele não ficou. O seu filho e a minha filha andaram enganar-nos durante quase dois anos. E se não fosse o meu filho, ainda estariam.
- DIOGO. Eu não acredito.
- Eu...querem saber eu e a Madalena estamos juntos há mais tempo. Desde aquele piquenique pai. E sabem não me arrependo nem por um minuto. Eu e ela amamo-nos...e...
- Onde é que ela está?- Agarro o colarinho do rapaz, eu estou no limite da minha calma.
- Eu não sei. Eu...- ele tenta sair do meu aperto...- A Madalena chateou-se comigo. Eu não consigo falar com ela há mais de duas semanas.- Vira-se para o Pai...- Podes perguntar à Rute, até do telemóvel dela eu tentei ligar, mas ela simplesmente ignorou todas as chamadas.
- RUTE.- O pai do rapaz chama a amiga da minha filha...- O teu irmão diz que não consegue falar com a Madalena, que nem do teu telemóvel ela atende, é verdade?
- Sim. A Mada simplesmente deixou de atender as minhas chamadas, e na escola evita estar comigo. Não sei o que aconteceu, ela não me contou.
- O que foi que fizeste? Alguma tu fizeste. Agora percebo o porquê de ela querer ir para Lisboa estudar. O que não percebo é o porquê de ela simplesmente ter sumido.
- Como assim ter sumido? O que aconteceu com a Madalena?- Pergunta o miúdo aflito, não acredito muito naquela preocupação toda.
- Ela simplesmente não chegou a Lisboa. A Tia está há mais de nove horas na estação à espera dela e nada da Madalena.
- Eu...eu vi-a na estação.- ele diz olhando para mim.- Eu soube que ela iria hoje para Lisboa, fui tentar que ela me perdoasse, e de certa forma despedir-me.
- Já é um avanço, pelo menos sabemos que ele apanhou o comboio. Mas onde é que ela está? Ela não chegou a Lisboa.
- Filho vamos à polícia. Já percebemos que aqui ela não está. Eu juro que desta vez eu mesmo coloco a Madalena num convento.
Saímos de casa do suposto namorado e fomos à polícia. Contámos tudo, inclusive do envolvimento da Nena com o tal de Diogo.
Passaram-se semanas, meses e nada da Madalena. O rapaz foi ilibado, visto que esteve o dia todo no hospital a trabalhar, não havia hipótese de ter sido ele. Ao fim de três meses Mila encontrou uma carta escrita pela minha menina, no quarto dela, não sei como ela lá foi parar, nós revirámos aquele quarto e nunca encontrámos nada.
"Pai,
Sei que deves estar furioso neste momento. Mas eu não tinha outra hipótese. Desculpa por tudo o que te fiz passar. Desculpa por ter desobedecido naquele dia. Desculpa por estar de novo a fugir. Quero apenas que saibas que eu estou bem, e vou ficar bem. Eu cresci neste último ano, sem nem tu perceberes eu deixei a menina para trás e virei mulher. Um dia quem sabe possa contar tudo o que me levou a sair de casa. Nunca te esqueças que te amo, és e sempre serás o meu herói.
Da Tua Filha Nena"
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