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Round 9

Corria pelas ruas largas — e alguns becos — de Botafogo. Vestido com roupas leves. — Além da identidade na mochila. — As pessoas me vigiavam com medo e repúdio. Não fazia mal. Contanto que não pensassem errado. Dona Marielle me alertou a não correr fora da favela. Um policial podia me dar oito tiros nas costas. Só de aviso. As ruas que tinham viaturas estacionadas eu preferi dar meia volta, ou desviá-las.

No fim do circuito me vi ensopado e sem ar. Na frente, de volta, da academia do Zeca. Ao correr a porta tive uma surpresa que me arregalou os olhos.

— Pinóquio? — O Emo conversava com nosso técnico.

— O-oi! — Era tímido. Evitava-me confrontar no olhar.

— O que veio fazer aqui?

— De-depois da de-derrota contra a Y-Yasmin, meu tre-treinador me expulsou.

— Ele pediu. — Soluçou. — Para treinar aqui conosco. E com certeza eu aceitei. — Soluçou risonho. — Quero treinar uma coisa com você, garoto.

Olhamo-nos, eu e Pinóquio. Não entendemos bulhufas das ideias do Zeca. Poucos minutos mais tarde subimos no ringue. Para começar um sparing. Cada um se posicionou num corner. E Zeca deu o comunicado para começarmos.

Boxe!

Sendo sincero. Relaxei a guarda assim que vi os clones. — Como infernos vou acertá-lo? — Não tinha velocidade. Ou força — como Yasmin — para conseguir uma brecha.

— Pode me explicar, como isso aqui vai funcionar? — Virei o rosto para Zeca.

— A técnica você já possui, garoto. — Soluçou — O som do soco é tão limpo quanto de um boxeador profissional. — Ele levou a boca um cantil de ferro. Será que havia álcool dentro? — O problema é a velocidade, força e resistência. Temos poucos dias para extrair algo disso.

Pinóquio não se importou com a conversa. Um dos clones me atacou. Desferiu um cruzado de direita na bochecha.

Fui pego com a guarda baixa. Inclusive me assustei com o soco. O olhei irritado e incrédulo. Tão bravo que o fez esconder o rosto atrás das luvas. — Não era meu objetivo. Isso havia me deixado mal. Baiano dizia que eu tinha o coração de manteiga.

— Podia ter esperado Pinóquio.

— E-eu p-pensei que não i-ia haver outra oportunidade. — Ele ficou cabisbaixo. Pinóquio era feio quando estava triste. — O-o técnico havia m-me di-di-dito que só me colocou de-dentro do campeonato, p-pois não havia ninguém melhor na academia.

— Bem, então ele é idiota. — Rebati. A fala pareceu dar a ele um sopro de ânimo. Os olhos brilhavam de felicidade. Acredito que não era de receber elogios. — Na luta, tua magia é muito útil, e teusx socosx fizeram a Yasmin dormir cheia de dores à noite.

— Como você sabe que ela dormiu com dor? — O soluço veio acompanhado de uma dúvida matadora.

— E-e-e-eu... mandei mensagem para ela, está bem!? Havia ficado preocupado! — Desgraça. Falar sobre Yasmin me deixava mais gago que o Emo.

Encarei o nariz pontudo do Pinóquio. Notei, logo abaixo, um sorriso de lábios cerrados. O rosto era triste. Por conta do peso das olheiras, e o cabelo lambido. Mas confiante em minhas palavras. Era o suficiente para crermos um no outro.

Voltamos a lutar.

Poderia falar que foi lindo o momento em nossa história. Onde aprendemos em conjunto e evoluímos. Rimos das situações... Esforçamo-nos ao máximo... Mas não. A verdade foi brutal. Os clones fizeram o ringue se transformar num matadouro. Apanhei por dez minutos. Estava jogado no corner. Sentado. Podia jurar sentir meu suor se tornar vapor.

— M-m-me desculpa! — Pinóquio ficou desesperado.

— Como você acha que vou acertá-lo, Zeca?

— Paciência. Precisa de tempo para se acostumar ao perigo em tantas direções. — Soluçou. — nós precisamos fazer com que teus olhos se acostumem a isso. Por isso sei o treinamento perfeito para você!

Não estávamos mais na academia. Dentro do ambiente climatizado com ar-condicionado. Meu sorriso foi substituído pela exaustão e descrença na humanidade. Zeca havia me levado no campo de tênis.

— A solução é jogar tênisx? — Reclamei — Por que não viemos de ônibus?

— Quer parar de reclamar? — Soluçou. Pegou o cantil para tomar mais um gole. — Pega esses cones ai e coloca em volta de ti.

Falava dos cones pequenos ao meu lado. Fiz como pedido. Os rodeei sobre meus pés. Deixei a distância pequena entre os cones e meus pés. Para me mover sem ficar igual a um boneco de posto de gasolina.

— Feito, agora o que eu-.

Mal pude terminar o raciocínio. Uma bola de tênis voou no meu rosto. Do meu nariz machucado escorreu um filete de sangue. Olhei para Zeca, descrente. O beberrão arranjou uma máquina de arremessar. E uma cesta cheia de bolinhas.

— Para com isso Zeca!

— Mexa esse tronco, garoto!

Uma onda de bolinhas veio. Batiam violentas contra meu corpo. Subi a guarda dos braços e comecei a desviar delas. Só que duas me acertaram na barriga.

— Isso é babaquice! — Pestanejei.

Não esperei resposta. Sai da roda de cones e caminhei para fora da quadra. Percebi o olhar julgador de Zeca. Esforçava-me para não encará-lo. — Como quando uma pessoa mal-encarada passa por ti na rua e você tenta não manter contato visual.

— Garoto. — Um soluço. Algo voou em minha direção.

Peguei. Uma simples bolinha.

— Vinte vitórias, vinte nocautes. — Outro soluço. A voz embriagada trazia seriedade. — O Matheus que tinha vontades na época sentiria nojo de vê-lo se tornar alguém tão desistente.

Não era mentira. Tinha medo de olhar no espelho e começar a chorar. Pelo arrependimento da pessoa que me tornei. A realidade era cruel e aterrorizante. Pior que ela só o fato que eu não tinha mais objetivo. Queria sair da quadra, mas minhas pernas não deixavam. Meu corpo lutava contra minha cabeça. — Existe alguém por quem prometi melhorar.

Verdade. Jurei surrar o irmão e o ex-namorado de Yasmin. Era esse o motivo de estar ali. Meu corpo ia ficar cheio de hematomas. Mas era necessário. Precisava apanhar, antes de começar a aprender a lutar por mim.

— Zeca. — Caminhei de volta para a roda dos cones. — Essa é a maior velocidade que isso daí chega?

— Não — Ele riu. — Há um bem pior.

— Manda ver.

— Assim que se fala campeão.

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