Botafogo era a perdição para um garoto de favela. Por que ruas tão longas? Os becos? Tinham dois mil quilômetros de extensão. Os prédios são altos demais. Corria sem rumo. Na intenção de achar Yasmin. — Se ela ainda estivesse em Botafogo. — Onde poderia estar? Fiquei chateado. Havia deixado o celular na academia. Precisava compreender onde estava indo pela intuição. — Assim como teria que saber como voltar.

Nunca desacreditei nos sentidos. Porém, confesso. Ficar perdido em Botafogo dava frio na barriga. Corri para lá e para cá por alguns minutos, mas cansei. Comprei um milk-shake de Ovomaltine e relaxei num dos bancos da rua. O dia estava quente. — Inclusive adquiri um de morango para ela. Como pedido de desculpas. Devia esperar achá-la. — O tempo estava propício para um milk-shake.

Desisti da procura. Busquei na rua à frente alguma resposta. Choquei-me com a ironia do destino. Estava sentado há dez minutos. Não reparei a academia à frente. Bem. Podia ser só coincidência. O melhor era investigar.

Atravessei a rua. No intuito de olhar pelos vidros. A procura do cabelo arco-íris. Acredite ou não. O encontrei. Não vou mentir. Subiu-me um sorriso bobo. As pessoas que praticavam musculação do outro lado do vidro ficaram com medo. E saíram do meu horizonte. Yasmin estava alterada. Dava para notar a expressão de raiva na mexer da boca. Porque a feição dela era tão dolorosa e entristecida?

Entrei na academia. Escondi-me próximo aos equipamentos para fuxicar a conversa. — A fofoca é um dom ensinado com sabedoria na favela.

— Mas treinador! Eu consigo, sou mais forte do que a maior parte dos teus alunos! — Ela protestava. O homem grisalho não dava ouvidos aos interesses dela. Permanecia de olhos fechados. Negava com a cabeça. Isso causou desânimo em Yasmin.

— Menina. Eu sei muito bem que você é capaz! — Ele pôs a mão no ombro dela. Yasmin, por um instante, sorriu aliviada. — Mas você sabe que moleque tem mais facilidade para desenvolver magia. — Falou na maior cara lavada.

Que filho da mãe... Eu ia xingar, mas tive medo da minha aparecer, e me bater, por chamar alguém de... você sabe.

— Mestre! Eu...

— Os garotos evoluem mais rápido. Sempre estão calmos. — Ele se desprendeu dela — Você sabe que tem chances de perder quando está... Naqueles dias.

A magia da Yasmin tomou conta do ambiente. Mais poderosa que em nossa luta. Podia imaginar ela dando um soco capaz de destruir a academia. Yasmin retraiu o poder. Constatei nela, após a demonstração agressiva, uma tristeza no rosto. Partia-me o coração olhá-la chorar por isso.

O treinador se virou para retornar ao ringue. Alguns garotos o esperavam para voltar ao treino. Yasmin o segurou pelo pulso. O apertou.

— Sou capaz de ganhar o campeonato dos novatos esse ano! — Afirmou confiante. — Me coloca contra qualquer um, e eu vou te mostrar que sou mais que um simples sparing.

O tom alto não só foi chamativo. Como provocativo também. Havia muitos magos-boxeadores na academia. Pareciam prontos para entrar no ringue contra Yasmin.

— Timóteo! — O técnico convocou um garoto bruto e alto, com aspecto gordo.

Foi apelativo. Diogo comportava categorias de peso acima de Yasmin. Distinto ao gênero. Essa é a maior desvantagem que o lutador pode sofrer. Vi no rosto de Yasmin que ela entendia. O antigo técnico não tinha pretensões de aceita-la.

Como pude ser tão idiota? Privilegiei a preguiça na frente dela. Acabei por desmerecer o objetivo de Yasmin. Fui rude. Babaca. Comigo, e com ela. Nossas lutas diferiam, mas possuíam problema semelhante. O peso da dor.

Ela largou a mochila no chão. Entrou no ringue, e colocou o protetor bucal. O rapaz subiu e apoiou os braços no corner oposto. Ambos aguardavam o soar do gongo. — Deve-se questionar. Onde estou nesse momento? Bem. Avancei pela academia, mas continuo sorrateiro. — Quando o gongo soou ela começou a saltar. A energia acumulou dentro dos punhos.

O grandalhão nada fez. Apenas ansiava pelo embate. Ela correu para o socar. Desferiu o jab no tronco do desafiante, mas algo estranho aconteceu. A capa de gordura na barriga saliente afundou a mão dela. Uma energia amarela emanou ao redor dele. O gordo lançou um cruzado de esquerda no rosto de Yasmin. O som do impacto ecoou. Mais violento que o soco que ela me deu.

— Magia de contragolpe, princesa. Desce do ringue, não quero bater nesse rostinho de novo.

Ele sorriu. Um sorriso desordenado. — Igual quando o rapaz faz uma cantada escrota ou piada ruim. Que fica murcha com o passar dos segundos e do silêncio.

Yasmin sorriu de volta. Os dentes estavam vermelhos, pois o sangue havia-os sujado. Para ela, a brincadeira havia começado.