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Round 36

O chiado da chuva piorou no mesmo instante. Estava impossível de ouvir qualquer outro som. Segurei-me nas cordas para não ir ao chão. De fato, os socos eram limpos, mas não fortes o suficiente para derrubar um pugilista de elite. Só que o caminho da luta nos levaria a vitória por decisão dos juízes — o robô — e disto havia certeza que eu não venceria.

Foquei outra vez em Henrique, e recebi mais uma sequencia de jab e direto. Tentei subir minha defesa, mas o ataque dele era imparável. A tontura não permitia erguer os braços com facilidade — Erguer é deixar para baixo? Ou para os lados? É isso que ocorre quando você perde a têmpora. — Dava para sentir raiva a cada soco. As luvas arrancavam consigo meu sangue.

Ele tentava compensar a força, com ódio. Não um sentimento contra mim. Era claro. Por algum motivo, Henrique admirava, e detestava a própria arte de luta. — Que imbecil, eu estava tão admirado por ele. Era o momento de perceber o motivo de valorizar o esforço. E você só valoriza o trabalho, quando ele fracassa.

Na fúria e desespero, balancei o corpo todo para a direita, jogando meu cruzado de esquerda no ponto onde a costela dele foi machucada. O grito de dor que ele deu ultrapassou o chiado. — O protetor bucal caiu no chão. — Dei mais cruzados, em ritmo, no rosto. Com o corpo paralisado, não conseguia fugir ou usar magia.

Arqueado, segurando a barriga, Henrique olhou para cima. Vendo meu braço descer como um prensador de metal. Amassou o rosto dele contra o solo. — Se você só possui técnica ao invés de talento, seja duas vezes melhor para enfrentar alguém. — O contador seguia, e ele se via sem forças para erguer o corpo. Apenas me olhava. — Eu sei como é a sensação de sempre estar atrás, mas preciso mostrar meu valor. Espero que você entenda isso. — Toquei a luva no braço. Dei a entender que dizia sobre minha pele.

O gongo soou, e por nocaute a vitória foi estabelecida. Os funcionários jogaram bandejas, petiscos, e copos ao ar. Alguns xingaram os patrões, e outros rasgaram as roupas — ou amarras — que travestiam. Com o bolão, eles faturaram tanto que não precisariam voltar a trabalhar ali. — É o que ocorre quando você aposta em algo de pouca crença.

Ajudei Henrique a se levantar, e desci com ele do ringue. Os agora antigos garçons — que inclusive gritavam que estavam ricos. — nos ajudaram a cuidar dos ferimentos. — Dava para ouvir o choro dos apostadores que viam o dinheiro ir para a mão dos pobres.

— Você é incrível!

— Eu sou... — Henrique interrompeu as próprias palavras, surpreso com o elogio. — Entendo porque Yasmin gosta tanto de você.

— Matheuzzz? — O robô juiz, que vê todos os combates do campeonato, apareceu como um pequeno brinquedo voador para nós dois. — Meuzzz parabénzzz! — confetes saíram acima da cabeça.

— Obrigado? Mas por quê?

— Esta foi a final. — Henrique explicou.

O robô depositou em minhas mãos, uma medalha de ouro, com os ditos da minha colocação no campeonato. Junto a ela, deu-me um lobo guará. A nota tão valiosa e o motivo de ter entrado no torneio — mesmo que, vale lembrar, tenha sido ideia do baiano.

— Como assim a final? — Confuso, busquei informações com o Henrique, enquanto o robô ia embora.

— Diogo foi desclassificado junto com o outro semifinalista. Ele descobriu que o organizador do campeonato fez uma fralde. A competição tinha mais inscritos. Só que ele abafou as lutas colocando o filho contra eles, assim ganhou dinheiro em cima de lutadores despreparados, sem dar a oportunidade de um mês de treino.

Isso havia ocorrido comigo. Por sorte não havia encarado o filho do organizador.

— Diogo lutou contra o filho do organizador. Violando as regras do torneio. Então, essa foi a final.

— Pensei que lutaria com ele. — Respondi cabisbaixo. Havia se tornado meu objetivo pessoal. — Agora com a notícia, fiquei feliz, e triste na mesma proporção.

Henrique riu de mim, como se contasse uma piada. — Ele não desistiu da luta de vocês. Mandou avisar que iria atrás de ti para resolver as contas. Mandou ficar preparado. — Parecia mais um alerta de crime, do que um convite. — Ah! — Se recordou de algo. — Disse que agora vocês lutaram em pé de igualdade.

Ele pediu ajuda a dois garçons para se levantar, e apoiado nos braços deles começou a caminhar para longe de mim.

— Henrique! Como assim em pé de igualdade!?

— Eu não estou longe ainda, desgraçado! — Reclamou. — Ele fez o tratamento para anular magia. Agora ele não é mais um mago. Apenas um boxeador. Não ia ser justo dá-lo a vantagem de apenas confiar no boxe. Foram suas palavras.

Um fogo crescia dentro do meu peito. Isso havia sido um chamado real, de uma luta que ambos ansiávamos.

O gongo não soou.

Não nos vimos.

Mas estava prontopara encará-lo. 

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