Round 35
Uma póstuma vez sentava no banquinho. Descansava no corner, enquanto Josivaldo me auxiliava a beber água. Ele fugia dos catarros de sangue que cuspia para limpar a boca. O garçom que antes via o dinheiro perdido estava distinto. Óbvio, ainda se importava com a merreca que apostou, mas dava para ver, quando nos encarávamos, que criou um pequeno gosto pelo boxe nesta noite.
— O cabra. Acha que vai ganhar?
— Eu nunca acho. — Sorri. A respiração pesada impedia as falas de saírem com facilidade. — Dei um golpe nele, mas foi de sorte.
Mesmo assim, olhei Henrique solitário na outra ponta do corner. Ele ainda segurava a barriga, por ter sentido a dor voraz do gancho na costela. — Queria ter a oportunidade de alcançar o corpo dele novamente, mas estava alerta demais para deixar acontecer. — Por observá-lo demais algo atinou em meu bestunto. Ele estava ensopado. Era óbvio que a batalha foi intensa, mas acreditei ser apenas no meu lado. A respiração parecia desesperadora. A magia causou isso? Possível. Ali poderia ser minha brecha.
— É o último round Josivaldo. — Levantei-me do banquinho e entreguei a ele. — Deseje-me sorte.
— Cabra! Me trás meu dinheiro!
O gongo soou. Pus o protetor bucal e me encaminhei para o centro do ringue. Como de praxe, Henrique continuava distante. Esperava o momento oportuno para avançar com a magia. Talvez fosse a oportunidade de alterar o ritmo? — Precisava saber. — Como num surto, me movi ligeiro até ele. Henrique não aguardava. Ao ver meu direto indo na direção do rosto teve apenas o reflexo de usar a magia para fugir.
Mas ele a utilizou num espaço pequeno. O teleporte o levou para as cordas, ainda na distância dos meus ataques. Estava assustado, dava para ver nos olhos dele. Girei um cruzado de esquerda que bateu na têmpora. Mesmo sem posição, e com o balanço ruim do tronco, foi força suficiente para derrubá-lo no chão. Era a primeira queda. Aos burgueses, trouxe o silêncio. Aos funcionários, um grito de felicidade.
Conhecia pouco o irmão de Yasmin, porém entendia que, tão forte como ela, não me cederia à vitória por tão pouco. Era o suficiente — no momento. — Era o suficiente. Precisava acertar a têmpora. Fazê-lo escutar o chiado da chuva no pé do ouvido. — Pode não compreender. Todos os socos do boxe são nocivos a sua maneira. Os voltados ao queixo desestabilizam o equilíbrio das pernas. Os que atingem o corpo dificultam a respiração. Mas os na têmpora, pelo menos para mim, são os piores. Eles estouram o sentido auditivo, e criam confusão no raciocínio. Fica difícil distinguir qual mão está em uso. O que quer pensar. Até mesmo ver. – Isso deixaria a disputa mais equilibrada.
— Olha você... — Ele usava das cordas para se levantar. O contador batia a cinco. — Com esse sorriso, felicidade por ter me acertado. Como e eu fosse perder por um mero soco. Você é como ele. Diogo.
A comparação me ofendeu, pois queria derrotar o pugilista.
— Socos fortes. O privilégio de lutar o boxe e trazer à tona o potencial físico. Assim como Yasmin. Todos com vocação para o pugilismo por terem um punho confiável. — Henrique continuou. Ele armou a guarda enquanto limpava na luva o filete de sangue que escorria proveniente de um corte na bochecha. — Todos os três, nasceram com o talento para o ringue. Mas eu! Que amo boxe mais que os três! Que estudo e vejo lutas desde criança! Por que eu tenho essa força!? — Os gritos açoitaram o silêncio dos presentes, que hesitavam em proferir palavras que atiçassem a fúria do anjo. — Vocês tiveram títulos, ou são cotados a ter. Não faz diferença. Não importa quanto o talento te faça especial, ele nunca vai superar uma técnica polida
Por comparativos esdrúxulos. Disse a ti — leitor — que Diogo era como um cão de guarda com raça pura. Eu, apenas um vira-lata. Por infelicidade, coloquei Henrique no mesmo patamar. Na realidade. Diogo era como um lobo, preparado para caçar e devorar a presa, afastado da alcateia. Eu continuo como um vira-lata agressivo. Henrique, na verdade, era um cão-lobo. A mistura de raças. Tão fino quanto um lobo, mas desgraçado como um cão. Talvez isto o fizesse em vantagem, ou desvantagem.
Parecia que ele não aceitava ser o que é.
Em questão de técnicapolida, de fato. Após o grito me encaixou três jabs violentos na altura doqueixo, e quando me vi na oportunidade de contra-atacar ele esquivou para minhalateral, e desferiu um cruzado forte na têmpora machucada.
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