Round 33
Pinóquio? Havia-me dito ter um compromisso. Jubilado? O filho faria uma peça de teatro nesta noite. Baiano? A prova foi no justo dia, assim que chegou em casa capotou pelo sono. Yasmin? Desde que me disse sobre a saída da academia, mal me respondia no celular. A noite de Botafogo era sempre idêntica ao clima que estava sentido. Vazia e solitária. Poderia até questionar sobre Zeca, mas ele não volta à academia há alguns dias.
Faltavam meros minutos para que minha luta começasse. Estranho não ter sido teletransportado para o ringue. Isso aumentava minha ansiedade. Parecia um louco de luvas de boxe. Observava pela janela, o trânsito das pessoas. Algumas iam para casa, outras estavam nelas. Bares começavam a encher e ônibus de retorno à zona norte também. A lua, brilhosa, no céu limpo, trazia consigo o frio de dezessete graus. — Para quem não mora no Rio isso é pouco. Para um carioca quase uma tortura.
Sozinho. Era como me sentia. — Maldição. Havia apoiado todo mundo, mas sumiram na minha vez. — Não era como se me importasse com a presença das pessoas. Mas um grito em meu nome seria bem legal.
Uma luz brilhou ao meu redor. Era chegada a hora. Peguei ligeiro a mochila, pois na noite teria de ser também o técnico. Num último momento, antes de partir, catei um banquinho da academia.
Quando pisquei a terceira vez. O ringue azulado com o placar holográfico acima da minha cabeça tornou-se a paisagem e território. Externo ao ringue, pessoas de... Terno? — espera, espera, espera. — O lugar era chique, com colunas foleadas a ouro. Garçons transitavam. Levavam champanhe e petiscos de frutos do mar para as mesas. Mulheres usavam de vestidos compridos com tecidos tão belos que custavam minha casa. Homens, ternos e smokings. — E particularmente mal sabia distinguir os dois.
Além da diferença nítida entre nossas vestimentas. — Pois no momento só vestia o short. – Tínhamos também a distinção de pele, e caráter. Os donos de narizes finos e empinados olhavam rindo de mim. Erguiam os cabelos lisos para assimilar aos dreads. — Não importava. Havia passado por isso. Só não queria estar sozinho.
— Calem a boca! — Quando me dei por conta tinha esquecido o motivo de estar ali. O grito de Henrique silenciou as risadas, e intimidou os velhos ricos. Ele me olhou corado, talvez surpreso com a própria atitude.
— Obrigado. — Despejei um sorriso sem jeito.
— Não... Não agradeça! — O garoto de pele pálida ficava mais vermelho. — É... é o mínimo que posso fazer.
Henrique vestia um short prateado, e luvas rosas. Do mais, o cabelo albino e trejeitos faziam-no um herói dos ricos calados. O padrão social se associava a alguém que futuramente usaria smoking e namoraria uma mulher que usasse longos vestidos. O meu, viver um amor com o pouco ao lado de outra garçonete.
O silêncio dos insultos perpetuou, mas as pessoas ainda faziam barulho. Desta vez, apostavam na vitória de um de nós. — Bem, mais falavam bem de Henrique do que de mim, mas releve essa parte. — Colocavam uma quantia alta de dinheiro na mão de um anfitrião que organizava as apostas.
— Onde estamos?
— Barra da Tijuca. Você não olhou no site?
— Site?
— Não é possível... — Esnobou com uma entonação debochada — No site da competição estão todos os locais de luta, são lançados uma semana antes do combate.
Olhei para ele numa feição vazia e idiota. Como se fosse um burro sem compreender um cálculo matemático.
— Eu não acredito que você veio lutando até agora, sem saber disso. — Henrique reclamou, mas não mudei meu rosto.
Maldição. Eu não tenho notebook, não podia me culpar tanto assim. — Se bem que possuo celular, então...
O holograma de um robozinho passou uma luz verdejante sobre nossos corpos. Indiciou o início da luta. Joguei minhas coisas para o lado de fora, aparadas por um dos garçons, ao qual pedi para que se mantivesse ali. Fomos ao centro do ringue, e nos cumprimentamos com uma batida de luvas.
O gongo soou. Apenas no momento, eu havia sentido a tensão da batalha. Há tanto tenho dito que batalharei contra Diogo na final, mas nunca cogitei a ideia destas palavras menosprezarem Henrique. Algo desta natureza estava fora de cogitação. O semblante carregado e o movimento das pernas. O posicionamento dos braços. Henrique era um pugilista perfeito para a categoria.
Era difícil compreender que um rapaz como ele não havia sido campeão ainda. Só o corpo passava a sensação de disputa por título. O olhar voraz como um tigre que apenas gastava energia no momento certo. — Por vezes, olhá-lo era pior que encarar Diogo pós-treino. — Fiquei de guarda armada. Analisava os movimentos ao máximo. "Quando ele vai se teletransportar? Quando vai se mover?"
— Pensei que você seria diferente. — Henrique se entristeceu com a paralisia do meu corpo. —Todos que sabem pensam demais. E quando pensam... — O platinado usou da magia. Num piscar de olhos não estava mais na minha frente. Senti a quentura subir na bochecha direita. O rosto se movia lento, e contra minha vontade. O soco veloz e duro que havia se encaixado deformava minha feição. Por sorte o protetor bucal segurou os dentes na arcada.
As pernas se cruzavam sem parar. Tropecei até as cordas no outro canto do corner. Por alguma luta violenta do corpo, exerci esforço para não cair. — Eu sabia que ia ser pego de surpresa. Mesmo assim não estava preparado. — Elevei os punhos pelas cordas, até ficar numa posição ereta para retornar a luta. Pior do que a força. Pior que a velocidade. Henrique me causava medo. Era como se o boxe dele não houvesse aberturas. Não dá brecha para erros. Tão experiente quanto o do El Jubilado. — Era a minha convicção. Ele era um cachorro como eu. Que não era levado a sério por quem deveria. Um cão sem título.
— Eu não esperava adivinhar o golpe. — Sorri. Tentei disfarçar o tremor das panturrilhas e peso na respiração. — Mas estou preparado para superá-lo.
Henrique ficou feliz. Deu um singelo afeto na face suave, algo que nunca havia recebido dele. — Estou contente por saber disso. Vira-lata.
— Vira-lata de rua ou de condomínio. O que nos une é que não temos pedigree. Ou estou enganado?
Henrique ficouespantado, mas logo começou a rir e se preparou para vir com tudo. — Não. Nãoestá.
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