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Round 25

O domingo não continha a leveza de sábado. Yasmin, que no dia anterior estava animada e executava brandos golpes contra a sombra. Hoje mal conseguia se levantar do banco. Dava para notar a tremedeira que paralisava as pernas. O ombro parecia tão tenso que os músculos mal reagiam. Yasmin estava preparada de corpo, mas a alma queria fugir pela porta da frente. Apenas eu e Zeca nos encontrávamos no vestiário. Mal conseguíamos falar algo para acalmá-la. — Na verdade, o treinador era ótimo nisso, mas ele não queria falar. — Somente três coisas possuíam coragem de impor barulho no vestiário: nossas respirações; o relógio de ponteiro; e as moscas.

Zeca se levantou, e como por um milagre, pegou do distante do banco a garrafa de água. Ele a pôs na boca. Nunca havíamos o visto tomar. Parecia que ele era movido à cerveja. Assim que deu uma boa golada, soltou um arroto desgostoso e limpou as babas do beiço com a manga da camisa surrada. Ele arrastou a cadeira de ferro a frente de Yasmin, e soou um barulho que nos prendia atenção.

O corpo gordo parecia encontrar repouso no assento duro. Tão prazeroso que abriu as pernas para relaxar a panturrilha esticada. O treinador declinou o tronco para frente. Ficou próximo da pugilista. Em seguida começou a desabotoar a camisa. Uma cena esquisita que nos recuou o rosto. Ele desprendeu apenas três botões. A puxou para o lado. Mostrou-nos algumas cicatrizes escondidas na pele escura e pentelhos grisalhos.

— Eu e meu amigo fazíamos um último treino na academia. Tínhamos de desviar de chicotadas — Ele tocou nas cicatrizes. — Nós queríamos alcançar o topo do boxe mundial, e faríamos de tudo para chegar lá. — Os olhos buscaram algo ao que se centrar. — Mas, como deve perceber o vício ao álcool me fez fracassar.

Técnico... Evitou expressar a dor dele durante os nossos treinos. Agora exposta num último momento. — A última luta que fiz. — Continuou. — Me daria chance de ir para o exterior, mas havia consumido tanto álcool que fui impedido de subir ao ringue. — Ele colocou a mão no ombro dela, e delicado a moveu para o queixo, onde ergueu a cabeça assustada da lutadora. — Todo o esforço das cicatrizes, jogados por luxo. Mas você está aqui. As cicatrizes não estão no corpo, não é? Você não precisa mostrar a mais ninguém do que é capaz. Essa é a primeira vitória.

Yasmin, chorosa, assentiu com a cabeça. Em seguida limpou os olhos e despejou a nós uma faceta agressiva de uma mulher pronta para subir ao ringue outra vez. Ao me encarar, sorriu sem mostrar os dentes. O suficiente para me deixar gamado e tranquilo.

Não era mais o momento para estar lá. Assim que o juiz a chamou, era hora de deixa-la junto ao Zeca e permiti-la subir ao ringue. Apenas me dirigi no silêncio dos corredores até o alvoroço da plateia. As arquibancadas estavam lotadas. Algumas caras conhecidas do dia anterior, outras — como o irmão e ex-namorado dela — novas. E algumas ausentes — como El Jubilado.

No meio do Baiano, e do Pinóquio, havia uma cadeira vazia que aguardava meu repouso. Os garotos me esperaram com pipoca, água e alguns chocolates. Estávamos no alto novamente. Pois éramos pobres demais para comprar cadeiras da primeira fila.

— E-e-e-e-ela não pa-pa-parecia na-nada bem! — Pinóquio mostrava medo. Os dedos tremiam ao segurar a pipoca.

— Ela está bem. — Fechei os olhos. Me lembrei do dia da praia. — Na verdade, está melhor que nunca.

— O negão falou uns chamego no ouvido dela agora a branca vai vir estabocando a nega dos cara.

Não me contentei, e ri do baiano.

— Ela disse que pela primeira vez terá uma luta de igual para igual. — Olhei para o corredor, onde o juiz anunciava a entrada das duas lutadoras, uma por vez. — Sempre achei que queria dizer sobre desvantagem. Mas me falava de qualidade.

Assim que ela tirou o roupão, expôs o top rosa e short preto. Com o protetor bucal bem aplicado e a vaselina passada no rosto, tudo que havia de fazer era seguir as instruções de Zeca. E vencer a luta.

Ao subir ao ringue, estendeu a mão para o alto. Agradeceu o aplauso de todos. De forma unânime. Nunca havia a visto aplaudida por tanta gente. A mesma recepção foi feita para a...

— Como é o nome da outra nega?

— É Rita Quebra-nozes.

De início imaginei uma conotação engraçada. Parecia até uma piada de mau gosto. Mas quando Rita gritou e bateu as luvas uma contra a outra. O barulho foi tão forte, e o brado tão apavorante que me subiu um mal-estar. Instintivo, pus minhas mãos sobre as partes íntimas. — Os garotos fizeram o mesmo.

O juiz trouxe as pugilistas para o centro do ringue, e deu as instruções de luta. Ao confirmarem que estavam de consenso as regras bateram as luvas. E retornaram aos corners.

O gongo soou.

A luta iniciou no ânimo efervescido da plateia.

Yasmin começou a saltar. Mas Quebra-nozes ficou imóvel, distinta dos adversários que tentavam impedi-la. Os braços adormeciam nas cordas. Na espera de um soco potente. Quanto mais Yasmin pulava, maior era a quantidade de magia acumulada. Já se passaram vinte segundos.

Toda a aura arco-íris que exalava ao redor do corpo tinha uma iluminação estonteante. Ela correu para cima de Quebra-nozes, com um grito vigoroso. Próxima, prontificou um soco no meio da cara da adversária.

Parte do punho dela atravessou a cara de Rita. Como uma gosma espessa. O braço atravessado não fez legítimo estrago no rosto. Rita sorriu, enquanto a face envolvia o pulso de Yasmin.

— Deve ter estudado sobre mim, rapariga. — Rita ria, e esnobava no sotaque maranhense gostoso. — Também estudei sobre você.

Yasmin deslocou um cruzado de esquerda, em busca de acertar a barriga dela. Mas recebeu dois socos violentos no rosto por conta da guarda desarmada. — Tua magia desarma assim que recebe um soco no queixo ou erra dois golpes. — Pontuou Quebra-nozes.

Desnorteada. Um gancho de direita alcançou o queixo. Yasmin caiu dura no ringue. Levou a primeira queda aos quarenta segundos do primeiro round.

Uma luta de igual para igual... Era disso que ela tinha medo...    

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