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Round 2

Minha cabeça era martelada pelas doideiras ditas pelo Baiano. A ideia de voltar a lutar era imbecil. Mas quando encarava meu punho sentia nele a tristeza de não continuar com o boxe. — Não garoto, agora você tem boca para alimentar. — Isso. Eu trabalhava em algo digno e precisava ajudar minha mãe com as compras. Garoto pobre não vive de sonho. Vive de trabalho.

Por que pensava tanto? Era sexta! A favela ficava frenética neste dia. As ruas são apertadas. Não só pelo desenho urbano. — Todo prefeito tenta enlatar pobre. — Mas, também, pelos bares que ocupavam a rua com cadeiras de plástico. Eu queria ir ao baile, mas sabia que iria sobrar merreca após dar ganho do dia para a coroa.

Evitei sujar meus tênis vermelhos nas poças de chuva. — Não havia chovido no dia, mas elas acumulavam nos desníveis do asfalto. — Como fantasma de chinelas havaianas. Baiano atravessou os becos para me alcançar. Não esperava a aparição. Admito que saltei a ouvir meu nome. Ele pisou numa poça e manchou meu tênis com lama. Ignorou o trabalho de não sujá-lo.

— Tu tá de sacanagem né Baiano?

— Negão você tem que entrar no campeonato. — Caminhamos lado a lado, até o bar. Pedi duas fichas para jogarmos um jogo de luta antigo. Não direi o nome, mas vocês sabem qual é.

— Pega a ficha. — arremessei na mão dele, e inseri a minha também. — Baiano, não vou lutar. Não luto há anosx, vou ser esxculachado. — Começamos a jogar.

Eu e o Baiano éramos os melhores da comunidade.

— Então me perdoe, Negão, mas te inscrevi.

A revelação do Baiano me paralisou. Meus dedos estavam imóveis. Mal pude escapar do combo apelão — e ridículo — no jogo. Perdi. Nosso placar ficou de 100 a 101. Ele estava feliz, e devia ficar mesmo. Nossa batalha pelas fichas era uma histórica. Porém, quanto mais meus dentes apareciam, como um cão enfurecido, mais ele se sentia envergonhado por estar alegre.

— Você fezx o quê!? — Berrei.

— Negão tem que se acalmar. — Baiano caminhava para trás. Encenamos uma peça de teatro. — Não podia te deixar perder uma oportunidade como essa! — Se explicou. — Negão é teu sonho de infância!

Nunca gostei dessa conversa, mas não dava para ficar nervoso com o baiano. Era impossível. Bufei, e encarei a ideia. Se ele fez, não havia alternativa. Contudo, a ideia era desagradável.

— Baiano, não vou lutar. — Saímos do bar. O som do forró alto atrapalhava a conversa. — Os boxeadores atuaisx usam magia. — Encarei minhas mãos, e devotei desculpas a elas. — Vamosx adiar nosso X-Tudo Ultra Oriental Kung-Fu

Um tremor chacoalhou as minhas pernas. Acabei ajoelhado em algo macio. — Espera? Macio? — Notei. Um ringue havia surgido no meu redor. — Como diabos um ringue surgiu no meio da favela? — Sabia que as dúvidas ficariam sem respostas. Desde que a magia brotou no Rio de Janeiro algumas coisas ficavam sem explicação.

E sinceramente, tudo bem.

O baiano saiu do rinque, como rato em fuga do perigo. Também quis sair. Ergui minha perna nas cordas. Porém, a tentativa me causou um choque. Tão forte que senti na ponta do Dread. Fui jogado de volta ao ringue.

— Sutil. Não posso sair do ringue. — Levantei. Vi um rapaz subir no ringue pelo corner oposto.

Ele era tatuado com tribais. O corpo magricelo e esticado. Parecia uma lagartixa. Apenas o cabelo raspado, e o olhar semicerrado, davam medo. O boxeador equipava as luvas azuis e o protetor bucal. Quanto a mim? Estava despreparado, sem nenhum equipamento. — talvez um nocaute rápido acabasse com a palhaçada.

A lagartixa pulava para cá e acolá, preparada para me moer na pancada. Só de pensar que além dele estar em forma ainda devia ser usuário de magia complicava minha vida.

— Olha, é o seguinte. Eu não quero lutar, você me dá um soco e acaba com isso.

O gongo soou de repente. Procurei juiz, jurados, mas não encontrei. Os bêbados estavam animados com o combate. Era engraçado. Recordar que minhas lutas antigas nunca tiveram público, mas sempre quis. Agora que possuo, são apenas depravados que vejo toda noite de sexta. Reclamavam de futebol, e ouviam esse forró chato — que inclusive, não parava de tocar. A lagartixa, na outra ponta do ringue, esticou o braço como elástico. A luva dele chegou à ponta do meu queixo, e fez cócegas.

— Pode deixar franguinho. Vou te amassar!

Franguinho? Essa entrou para o ranking de "insultos mais infantis que recebi na vida." Atrás dele só "bobão", e "batata murcha de fast-food." O segundo foi após um encontro estranho na Lapa — deixemos essa história para outro livro. — Não queria lutar, então pouco me importei.

O vi retrair o braço direito, e esticar o esquerdo. Levei um jab no nariz. Não foi doloroso, mas fiz questão de cair. No alto do ringue o holograma de uma contagem regressiva surgiu. Só precisava esperar chegar à dez. — Poderei voltar para em casa e dormir. Prometi hora extra amanhã. — O contador bateu o número. As vaias soaram por todo canto. Os bêbados ficaram descontentes com a luta. Sentei na lona enquanto olhava todo o auê. O holograma ficou vermelho, e "desaprovado" apareceu na tela.

— O que é isso? Desaprovado?

— É a regra do torneio. Se a plateia desaprova a luta tem que continuar — me explicou o garoto lagartixa.

— Tá de sacanagem? — Me ergui — Então temosx que lutar até essesx bêbadosx aceitarem a luta!?

— Isso ai! — Ele começou a saltar, animado pela continuação de uma surra.

Bem, eu teria que lutar de qualquer jeito. Isso significa que queira ou não, vou apanhar. O baiano me gritou. Ele jogou no ringue algumas ataduras e um par de luvas. — Peguei na tua casa! Está na

hora! — Nossa... O par, vermelho e surrado, com partes desmanchadas. Era ela. A minha única amiga no ringue.

Se vou perder, ainda mais para um mago borrachudo. Pelo menos devolverei alguns socos.

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