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Round 15

Eram apenas dez segundos? Para quem está no ringue o tempo é eterno. Tentei me erguer, mas não conseguia. Como se sofresse no inferno. — Matheus, deveria lembrar-se que o intuito dessa obra não é sombrio. Pessoas de catorze anos lerão isso, pare de falar em trevas.

Mas ele tremia. Não só minhas pernas. O corpo de El Jubilado tremeleava e eu sabia disso. Então por quê? Por qual motivo era tão complicado de ficar de pé a terceira vez? Maldito corpo que não respondia!

Não... Ele respondia sim. Senti que mesmo ferido, conseguiria ficar de pé. O problema era "O que" El Jubilado havia machucado desde o início da luta. Meu cérebro. Por que raios ele me questionava tanto sobre o motivo de lutar? Todos ali estavam devido ao lobo-guará. Era hipocrisia me falar que havia outros motivos.

A paz mundial? Era um campeonato carioca amador. Mudar a população? Era um maldito campeonato carioca amador. Então o quê? Quem lutaria ali por outro motivo? Por qual motivo? O veterano fez um jogo com a minha cabeça e me ganhava por conta disto.

— Levanta garoto! Levanta! — Um soluço em meio os gritos desesperados.

Consegui colocar flexionar o joelho. O contador chegou ao nove. A terceira vez. Fiquei de pé. O gongo soou em seguida. Zeca, desesperado, me pegou pelo braço para levar a cadeira de plástico. Ele fez o mesmo processo do primeiro round. Tirou-me o protetor bucal. Jogou água na minha cara e começou a soltar palavras de inspiração. Como se tudo que eu tivesse feito até ali tivesse algum resultado.

Mas não tinha. Mesmo que fosse capaz de vencê-lo. Parecia que ele havia me ganho no primeiro round. Com a bendita pergunta.

— Ele me ganhou, Zeca... Eu posso derrubar ele, mas já esxtou derrotado. — Minha íris defrontava o horizonte.

O bêbado parou de falar coisas que não paravam na minha cabeça, e deu um bufar pesado.

— El Jubilado está cego do lado esquerdo. — Soluçou.

Como choque de realidade. A confissão me espantou. A incredulidade estampou meu rosto.

— O que esxtá dizendo!?

— Pinóquio e Yasmin pesquisaram a partir do segundo round o motivo para a abertura no lado esquerdo. E encontraram os motivos da aposentadoria no boxe. — Soluçou. — A retina descolou quando tinha trinta anos. Antes da luta de defesa do título. Sendo sincero, recomendo não usar mais o lado cego dele como opção, mesmo sendo a única chance. — Segurou o soluço na boca. E fez uma careta bisonha.

Tudo se encaixou. Como uma verdade difícil de digerir. Senti-me recuperado de um nocaute. Porque o homem que foi campeão e defendeu o título diversas vezes retornaria por conta de dinheiro? Ele não estava lá para o dinheiro. Tão pouco lhe importava receber. Já havia ganho nos tempos de glória.

Ele encarou lutadores que abusaram do problema no olho. E os derrubou mesmo assim. Por que alguns estavam no pífio campeonato amador apenas pelo dinheiro. El Jubilado estava porque ama o boxe. Era o único torneio que o aceitaria em tais condições.

E eu o respondi de maneira vazia e sem objetivo. Como se o desrespeitasse a cada soco, ou resposta a pergunta. Sorri, e depositei a luva nos ombros de Zeca.

— Bêbado, está tudo bem.

— Mas, garoto, você precisa.

— Preciso falar com ele. Responder o motivo real de estar lutando! — O cortei.

Zeca me encarou, boquiaberto, mas logo deu um sorriso apoiador. Ele me levantou e devolveu o protetor bucal. Jogou só algumas gotículas de água na minha nuca fervente.

— Agora sim, garoto. Você está mais que pronto para derrotar ele.

Assenti com a cabeça. O acompanhei com o rosto vendo-o descer do ringue.

O gongo soou a penúltima vez. Era o último round e algum vencedor sairia de lá. Defrontamo-nos no meio do ringue, e começamos a trocar socos. Ele não se recuperou o suficiente, mas tinha experiência. O tempo que teve para retomar controle da respiração foi o bastante para os socos voltarem a ser rápidos e poderosos. A raiva dele era sentida em meu corpo. Mas não queria ceder outra queda — Nem podia.

Vi a abertura. Optei por encaixar um cruzado de esquerda. Ao me lembrar do olho, travei o golpe. Apliquei-lhe um agarrão.

Ele batia em minha barriga. — Sem entender o motivo do clinch. — Me forçava a soltá-lo. Jogou-me nas cordas, assim que fiquei fraco. Tentei usá-las para tentar desviar dos socos, mas era inútil. — Não seria se não fosse um mago de precisão.

Trocamos mais socos. Machucamos o corpo um do outro. Ríspidos e violentos. Nossos punhos conversavam. Lá, outra vez. O lado esquerdo estava aberto, mas evitei usá-lo. Gritei. Sem balanço, apliquei um cruzado de direita arriscado na guarda dele.

Ele ergueu um cruzado de esquerda e encaixou no meu rosto. O golpe me levou ao corner, porém consegui me ater as cordas. Minhas pernas cediam ao esforço, mas não ia cair. Não mais.

— Jubilado... — Cansado. Mal tinha ritmo para falar e respirar. — Eu luto... — Ergui o corpo. Usei o resto de força que tinha. — Luto porque amo o boxe! — Berrei, animado. — Não é por dinheiro, por títulos, ou luxo! Sou pobre e só estava na esperança de um motivo para voltar a lutar. Minha cabeça queria uma desculpa para não fingir que tudo o que mais queria era voltar ao ringue!

El Jubilado olhou surpreso. Sorria displicente. Não conseguia crer na expressão de meus sentimentos. Mas, no fundo apenas almejava ouvir a verdade.

— Então por quê. — O cortei.

— Por que se eu fizesse isso, não seria justo. Quero ser capaz de te derrotar como igual.

Não era mais capaz de acertar o lado esquerdo. — Quem dirá acertá-lo, na verdade. — Ele abaixou a defesa, e com alegria estampada no rosto chorou. El Jubilado virou-se de costas e atravessou as cordas. Ele quebrou as regras e se desclassificou.

O ato deu um estranho gosto de algo inacabado, mas mesmo assim, vitorioso.

El Jubilado recebeu aplauso de todos. Enquanto caminhava cambaleou quase a cair no chão da Cinelândia. Zeca o segurou, impedindo.

— Muitos golpes no rosto ao longo dos anos dá essa sensação de ficar bêbado. Veterano. — Soluçou.

— Necesito un entrenador para saber me proteger da minha cegueira. — Jubilado sorriu, e aceitou o apoio de ombro do treinador.

Percebi, ao fim, a vitória de fato. Gritei e ergui os braços aos céus. Notei que alguns aplausos também eram meus, e fiquei mais tímido. Meu olhar cruzou com o da Yasmin. Ela estava feliz por mim.

Na hora precisava ser romântico para conquistar o coração dela. — Mas com o quê? — Não era tempo para perder. Tinha que sair algo espontâneo e verdadeiro. — Quais palavras? — Me lembrei do que havia guardado.

Puxei do bolso a calcinha de cactos e com um sorriso gritei — A calcinha me deu a vitória, Yasmin!

A ação causou um silêncio ensurdecedor no ambiente. Não foi a seleção de melhores palavras. Tão pouco a de ideia.

— Matheus! Eu vou te matar!

É. No final eu venci, mas ia continuar apanhando.

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