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Round 10

— Você está com uma cara péssima, Matheus. — Tipos de elogios que gostamos de ouvir pela manhã.

— Ainda me daria à oportunidade de sair contigo? — Nesses momentos Darlene sempre me dispensava. Como de costume.

— Estou namorando. — Sussurrou. Ela pegou o celular e o arrastou no balcão. Mostrou-me o rapaz. — Ele não é lindo?

— Ele é chinêsx, Darlene.

Ela me tapeou na cabeça. Justo no lugar onde arrumei um calo por conta das bolinhas de tênis. Inclusive, todo o rosto estava com curativos — nem queira ver as marcas do meu corpo.

— Ele é coreano, Matheus. — Darlene fez um bico que deixou as bochechas com o dobro de tamanho.

— Qual a diferença?

— A diferença é você não ser xenofóbico!

— Quem está sendo xenofóbico no meu restaurante!? — O pai dela gritou da cozinha. Pelo jeito a conversa ficou alta demais. Além de estar perigosa para ambos.

— Nada pai! É uma reportagem que eu e o Matheus estamos vendo! — Ela me salvou.

— De qualquer modo. Espero que seja feliz com ele.

— Verdade? — Ela esboçou um enorme sorriso e me abraçou. Estávamos em lados opostos da bancada. O carinho de Darlene esmagou meus hematomas contra a madeira. Morrer era melhor que sofrer essa dor. — Você é um amor, Matheus.

— Se ele fizer algo de mal com você, me avisa que eu dou uma surra nele. — Alertei, e ergui meu punho.

— Surra Matheus? Não consegue ferir uma mosca fora do ringue!

Darlene tinha razão. Ela e o Baiano sabiam que eu não tinha coragem de brigar com ninguém na rua. — Maldito seja o coração de manteiga. — O ronco da moto tirou nossa atenção. Vimos o Baiano chegar de uma entrega.

— O negão está à-toa é?

— Olha o japa que a Darlene conheceu. — Peguei o celular para mostrar a ele.

— Co-re-a-no, Matheus! — Levei um puxão de orelha.

— Contou pra ela da branca que te deixa armado?

Outra vez. Devia estar mais vermelho que tomate. — Perdão. Não explicarei a gíria do baiano. É baixa demais. — O encarei raivoso. Ele ria do meu mau jeito. Darlene pegou o celular de volta. Esperava a explicação da fofoca do nosso amigo.

— Quem é a sortuda, Matheus?

— Ninguém não. Baiano que esxtá de conversa! — ri desconfortável. Era fato que não havia enganado ninguém.

China saiu da cozinha com os pedidos prontos. Os peguei antes de Darlene falar algo. Coloquei as sacolas de comida no isopor térmico, e corri para ligar a moto.

— Garoto! — Darlene me gritou. — As rotas!

— Me manda pelo celular!

Tirei a tranqueira do descanso e segui viagem. O celular não demorou em vibrar. A primeira entrega era no Leblon. Meus olhos focaram na pista. A mente estava avoada. Lembrando-se da vergonha que tive em falar sobre Yasmin. De fato, só pensava nela. Babaquice imaginar uma burguesa afim de um favelado.

Favelado.

A palavra dita pelo branquelo. — Como chamaria o Baiano. — Não me insultaria se fosse conhecido. Mas na boca dele... Soou como insulto. Era engraçado refletir. A mesma palavra podia significar distintas conotações. Dependia de quem falava.

Cheguei ao Leblon. Peguei a pista mais engarrafada, e fedorenta da Zona Sul. Ali próximo havia um valão a céu aberto. Os semáforos abriam e fechavam com rapidez. E eu tinha uma teoria. — Adjunto do baiano. — Mais da metade dos motoristas da zona sul eram velhos.

Engraçado. O valão era jardim dos enormes prédios. Só as entradas valiam a comunidade que eu residia. Parei na frente de um deles. Esperei o porteiro vir para autorizar a entrada. — Ele devia ser de favela, como eu. Mas é engraçado como favelado desconfia de favelado na pista devido aos patrões.

— É uma entrega para o 403 — Dei a ele a notinha fiscal.

Ele confirmou pelo interfone. Deu oportunidade de estacionar a moto no pátio do prédio. De lá segui rumo a pé. Estes prédios de gente rica eram como o labirinto de Creta. Quando encontrei o elevador ouvi alguém desaprovar minhas ações.

— Está doido, moleque!? Lá é o elevador de serviço!

Havia me esquecido. Essa gente gosta destas distinções banais. Serviço e morador não podiam subir juntos. Vislumbrei o elevador social antes de seguir rumo. Nele o piso de madeira rústica comportava o solo. Enquanto diversos espelhos estavam alojados nas paredes. Com bordas folheadas a ouro. — Com certeza valia cinco vezes a minha casa.

Ao chegar ao elevador de serviço o conto de fadas caiu por terra. Nele as paredes eram acolchoadas. Para esconder o esqueleto da caixa de transporte. O piso de metal. E a sensação de recordar, mesmo dentro deste prédio, você ainda era pobre.

Cheguei no quarto andar. Desembarquei e bati na porta preta que tinha o número do pedido. Uns latidos foram soados e em seguida uma chave começou a girar a maçaneta. Um salsicha saiu de dentro da casa. Ele cheirava meu tênis de trabalho e balançava o rabo com muito amor.

— Ele gostou de você. Deve ser teu cheiro. — Mal pude acreditar. Era o apartamento da Yasmin.

— É que eu tomei banho hoje.

Ela começou a rir.

— Eu... pedi comida demais. Não quer me ajudar a acabar com ela? — Convidou enquanto me dava o dinheiro.

— É a minha primeira entrega. Talvez uma próxima vez. — Ri de maneira destrambelhada.

***

— Você disse o que negão!? — Baiano gritava no restaurante que no horário estava acumulando movimento.

— Era a minha primeira entrega, de verdade! — contestei. — O que o China ia falar se eu atrasasse as outrasx?

— Eu iria compreender Matheus-Xiãn Sheng! — Quando o China falava chinês, as coisas ficavam mais assustadoras. — O amor pode esperar qualquer entrega de Yakisoba.

Pronto. Tinha a autorização do China, mas havia jogado a oportunidade no lixo. Meus machucados doíam e a cabeça pesava. Tudo podia piorar.

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