Os bons anos me trouxeram boas histórias, como essa que quero compartilhar com vocês. Parece que foi ontem que as segurei nos meus braços para dar o primeiro banho. O primeiro de muitos, já que Nice sempre teve medo do umbigo das filhas. E pense numa demora para caírem. Na minha época... Bom, deixemos o passado um pouco de lado agora. Eu sei que os anos já não são os mesmos, assim como eu já não sou. A Amália de 20 anos atrás jamais aceitaria esse Android de presente de aniversário, nem mesmo ousaria postar uma foto com as pernas tão visíveis. A Amália de hoje gosta mesmo é do clic, do engajamento, de ser observada, inclusive, pela família. É tão bom saber que está tudo bem com todos. É claro que as redes sociais nem sempre mostram toda a verdade, mas é bom ver alguma coisa sobre quem amamos, ainda que seja de mentirinha, ou que não seja 100% verdade.

Esses dias fiquei sabendo, depois de uma postagem, que Pandora passou no mestrado. A Dora ama compartilhar os seus momentos de alegria. Aliás, ela sempre foi assim, com o seu jeitinho de encantar com bons e muitos sorrisos. Em nossos muitos bate-papo não faltam kkkkk, eu até já parei de contar. Comecei a contar os de Ivy, esses dias. A Ivy é um poço de doçura, mas nem sempre quer adoçar a vida de seus familiares. Ela é dona de uma personalidade muito forte. Tem opiniões fortes! O Benicio que não consegue passar um dia sem discutir com sua caçula. Mas tudo isso é coisa de família. Família é difícil de explicar, só vendo mesmo e vivendo. Inclusive, já está na hora de movimentar um pouco essa minha. Nice me convidou para almoçar lá amanhã, e eu já sei que os assuntos serão os mesmos. Acho que uma novidade agora cairia muito bem para um almoço tão amistoso.

-------------- O almoço --------------------------

Era 9h00min e a casa já estava impecável, a não ser pelo Ricardo, o filho do vizinho, que decidiu pedir uma ajuda com a criança justo no dia do almoço em família. Berenice já estava louca, sobraria para Ivy, que tinha acabado de chegar da igreja.

_ Cheguei, family.

O sorriso e alegria da jovem não durou muito. Ricardo é uma criança bem energética e logo tratou de saudar Ivy quase a derrubando.

_ Tia Ivy olha o avião! _ Dizia o menino correndo e gritando pela casa.

Benício estava mais preocupado com a TV, que resolveu ficar sem sinal, como todo domingo costumava acontecer.

_ O que acontece com essa antena? Que absurdo! Todo domingo é isso, _ repetia o homem completamente inconformado.

Embora tudo estivesse saindo um pouco do controle, Nice sabia que as coisas, no fim do dia, acabariam bem.

_ Sem estresse! Com calma e paciência tudo dá certo! _  A mulher repetia para si mesma.

Estava até dando certo, mas a buzina do carro de Pandora desestabilizou tudo novamente, já que a jovem estava trazendo o namorado, pela primeira vez, para o almoço na casa dos pais. Por ser uma jovem muito ocupada, e muito reservada se tratando de seus relacionamentos, aquele era o primeiro contato do Noah com a família Dias. E ainda tinha a convidada especial, que sempre chegava no horário.

_ Cheguei, cheguei, já peço desculpas pelo atraso, o Noah demorou horrores procurando a roupa mais adequada para a ocasião. _ Disse Dora entrando com algumas sacolas.

Todos fizeram uma pausa de alguns segundos para causar uma boa impressão para o rapaz, que estava, visivelmente, nervoso. Aliás, todos já estavam começando a ficar, tanto por suas próprias tensões no dia, como pelo atraso de Amália, coisa nunca antes vista. O relógio já estava prestes a marcar 11h00min e nenhum sinal da convidada especial.

_ Sua mãe disse se ia atrasar, Beni? _ Pergunta Nice já nervosa.

Ricardo continuava correndo pela casa como se estivesse em seu próprio quarto. Ivy tentava segurar as coisas para que não fossem ao chão durante a passagem do garoto tsunami. Dora começava a organizar a mesa com a ajuda de Noah. Benício... Benício quase quebrava a TV, que estava igualzinha a Amália sem dar sinal.

_ Não me disse, liga aí pra ela. Eu não aguento mais essa televisão. Não aguento mais essa antena.

Benício levava as mãos à cabeça acentuando o seu nível de desespero. Foi apenas 12h00min, após uma postagem no Instagram, que a família Dias descobriu o paradeiro de Amália, que faltou ao almoço daquele domingo.

Ivy aguardava um story quando foi surpreendida pela foto da vó, que aparecia segurando a mão de alguém em um ambiente que parecia um restaurante. Todos pararam o que estavam fazendo para contemplar aquela imagem. Cada um que quisesse puxar o celular para dar um zoom ou ver mais de perto.

_ Vocês estão me sufocando. Podem sair um pouco? Amém! _ Disse Ivy quase sem espaço para respirar.

Amália não apenas faltou ao almoço, o que por si só já geraria burburinhos. A senhora decidiu almoçar em outro lugar. E almoçar com outra pessoa também.

_ Ela podia ter avisado... _ Lastimava Nice.

Apesar de não demonstrar, Benício, seu filho, não ficou nada feliz com aquela ausência. Amália nunca o deixou na mão, por assim dizer. Aquilo estava para lá de mal contado. O homem, mais tarde, daria ainda mais importância ao caso. Deitou cedo e deu pouca trela para a esposa, comquem conversava por horas antes de pegar no sono. Nice, que bem conhecia o homem com quem casou, deciciu puxar um pouco da linha.

_ Quando foi a última vez que almoçamos num domingo sem sua mãe? _ Questionou.

Em um primeiro momento o homem se mostrou indiferente ao questionamento. Virou para o outro lado em busca do sono, mas tudo que achou foi uma parede branca cheia de julgamentos. Melhor seria conversar com Nice. Benício logo voltou atrás.

_ Normal. Imprevistos acontecem, não é? _ Disse Benício.

Imprevistos acontecem, mas com a dona Amália? Corta essa, Beni. O que ele queria mesmo era demonstrar toda a sua inquietação diante da situação, mas se sentia imaturo sentindo tanta curiosidade em relação à sua mãe.

_ Eita homem difícil! Custa admitir que está doido para saber que date foi aquele da Amália?

"Date", Benício iria encucar com aquilo.

_ Mania de copiar suas filhas, dona Nice. Por acaso sabe o que essa linguagem de suas filhas significa? Só fica aí reproduzindo sem ter certeza de nada...

Os dois logo iniciaram uma pequena discussão, que só terminou após uma decisão, que o próprio Benício tomou, a propósito. 

_ Quer saber de uma coisa? Eu vou ligar! A Amália vai tratar de me contar direitinho que negócio foi aquele.

O homem tomou o celular em mãos e discou o número de sua mãe, que atendeu no instante em que a ligação chegou, parecia estar mesmo esperando. Quem sabe...

Por ligação, uma longa conversa se iniciava:

_ Mas a senhora, dona Amália, nem para enviar uma mensagem avisando que não vinha... Deixou a pobre da Nice esperando, a senhora num sabe que ela prepara tudo perfeito para a sogra preferida? _ Benício iniciou a conversa cheio de queixas.

Do outro lado da linha Amália apenas respirava fundo enquanto ouvia com atenção as palavras de seu único filho.

_ Se eu soubesse que nos faria essa desfeita teria convidado a Inês ao invés da senhora.

"Inês" era quase como uma mãe para Benício. A tia sempre esteve presente em sua trajetória, bem como sua mãe. Ela foi uma das responsáveis pela criação do Beni, que tinha um carinho imenso pela mulher.

Nice deu umas cutucadas no marido, aquilo não era jeito de falar com sua mãe. Amália, tadinha, tinha uma paciência...

_ "A senhora está me ouvindo?" _ o homem berrava.

Do outro lado da linha, risadas. As risadas entregava o bom humor de Amália. Ela não sabia ficar mais séria. Tudo agora parecia ter graça.

_ Então acha engraçado deixar sua família na mão? _ Insistia Beni.

Cansada de ouvir, Amália tomou a palavra. Era a hora!

_ Já posso me defender? Porque tudo que fez até agora foi me acusar. Em nenhum momento parou para perguntar o queme fez faltar ao almoço. _ Disse a mulher serena como sempre fora.

O silêncio na ligação sugeria que, do outro lado da linha, alguém precisava de tempo para pensar e dar uma boa resposta. Com boas respostas o homem nunca foi bom, mas era um excelente homem reconhecendo seus erros.

_ A senhora me desculpe, fiquei um pouco aborrecido. _ Benício se retratou

A conversa levou alguns minutos. Amália contou um pouco sobre sua ausência, encerrou sua fala oficializando uma saída com amigos, o que deixou o filho ainda mais pensativo. Desde quando a sua mãe havia se tornado uma pessoa tão social? Pensou, mas não disse nada na ligação, fez acusações suficientes logo no início do diálogo, a consciência pesava.

Nice, que acompanhava a conversa de pertinho, apenas dava boas risadas de tudo aquilo. Parecia interessante ver um filho tão curioso com a vida da mãe. Aliás, ver o homem inquieto a deixava  toda derretida, amava as expressões que esboçava.

Aquela parecia uma urgência, e apenas isso o fez, após longos anos, discar o número da mãe. Na verdade, Benício já não lembrava do número, precisou conferir no Whatsapp. Tudo tão moderno, parece que apenas a urgência, nos dias atuais, permite uma ligação dessa natureza. Aliás, é o que diz o status de Amália: Ligue, se for urgente.

Existia uma urgência em saber com quem Amália andava se engraçando. Benício, sem dúvidas, não pregaria os olhos tão cedo.