A pessoa na janela
Rafael estava colado com Vinícios, não queria perder o garoto de vista, queria ficar ali conversando com ele, o admirando, queria falar como se sentia, tirar todo aquele sentimento de dentro dele, mas engasgava, as palavras não saiam... E durante um de seus longos devaneios ele ouvira seu nome:
— Rafael?! Rafael! — alguém gritou o rapaz, o tirando do seu transe.
Rafael parou e olhou ao redor a procura da voz, mas não viu ninguém, achou bem estranho, mas ignorou, voltou a seguir Sonho e Pesadelo, e voltou aos seus devaneios com Vinícios.
— Aqui filho! — Rafael parou, reconhecia aquela voz, era dura, mas acolhedora, assim como a da sua mãe.
Rafael olhou para a direita, na direção de uma das centenas de casas, viu sua mãe chorando esgueirada numa pequena janela.
— Mãe?! — perguntou Rafael com um lágrima escorrendo pelo rosto. — É mesmo a senhora?! — O rapaz correu na direção da janela.
— O que você está fazendo aqui Rafael, você tem que sair, não fique! — alertou a mãe, ignorando as perguntas do rapaz.
— Como assim mãe, esse lugar é fantástico, como eu não escolheria ficar?! — Um outro brilho surgiu na cabeça de Rafael, logo ao lado do anterior.
— Você não entende, Sonho e Pesadelo são... — A janela se fechou com um estampido, Sonho estava parada as costas de Rafael, tinha um sorriso meio psicodélico no rosto.
— Não se preocupe, algumas pessoas não ficam satisfeitas com nossa hospitalidade! — Sonho forçava o seu sorriso a tal ponto que Rafael chegara a achar que estivesse vendo o coringa na sua frente. — Venha, estamos quase chegando!
Mas Rafael não andou, ficou ali parado, sentou no chão, comprimiu-se em posição fetal e começou a chorar, lembrando do que acontecera com a mãe.
Rafael tinha quinze anos e corria com sua mãe pela sua antiga casa, a mão melada com lama.
"Para Rafael! Vá lavar a mão"!
"Está com nojinho mãe?"
"Olha só, eu vou te bater!", a mãe de Rafael lhe alertara com o dedo.
Plim!
A campainha tocou, a mãe de Rafael foi até a porta, ainda de olho em seu filho e na sua mão enlameada.
"O que está acontecendo aqui?! Que gritaria é essa?", era o pai de Rafael, o mesmo homem sério de sempre. "Você deixa esse menino muito fresco!"
"Você ainda tem sorte deu deixa-lo vê-lo!", retrucou a mãe do rapaz dando pouca atenção ao seu ex-marido. "Eu seria mais agradecido!", ela bateu a porta. "Espere aí fora, você não é bem-vindo!"
"Eu não queria ir mãe...", protestou Rafael.
O rapaz pouco se assemelhava ao pai, não gostava dos passeios que ele fazia, e isso incluía exibições de carros em feiras de automobilismo ou um jogo de futebol na Fonte Nova. Quando Rafael pedia-lhe para leva-lo a uma exibição de luta, seja quão fosse, seu pai o enchia com insultos e piadas preconceituosas. Aquilo é esporte de bicha incubada, para pra ver, as mulher que lutam são sapatões, logo os homens são bichas, só não saem do armário porque sabem que vão apanhar de verdade! Aquela foi a coisa mais absurda que Rafael ouvira o pai dizer e tinha 12 anos quando aquele diálogo aconteceu, voltou correndo para casa e contou tudo a mãe, um ano mais tarde lhe contara que era gay, sentia um conforto para se abrir com mãe, coisa essa que não acontecia com o pai, porém, Rafael achava que ele já percebera, por isso o distanciamento e as constantes reclamações sobre o jeito do rapaz falar; de andar ou de se portar.
"Daqui a três anos você terá essa decisão...", a mãe fez carinho na bochecha direita de Rafael.
"São as piadas que ele faz, o jeito que me trata, a forma como me deixa desconfortável, imagina se ele soubesse...", Rafael abaixou o tom de voz na última frase, com medo de que o pai pudesse ouvir por entre a porta.
"Não se preocupe, são só alguns dias... Você não precisará conta a ele, não em quanto eu estiver aqui!", a mãe abraçou o filho. "Mas eu já lhe disse, não devemos viver escondidos, a vida é muito melhor quando estamos livres!", a mãe sorriu para o filho, estava verdadeiramente alegre e era essa uma das suas melhores qualidades, quase não se aborrecia com nada, exceto com seu ex-marido.
"E quer saber mais uma coisa?", a mãe fez uma pergunta retórica. "Eu queria que esse homem nunca tivesse existido, queria muito, muito, muito...", a mãe cambaleou para o lado e caiu desacordada no chão.
"Mãe!", Rafael tentou segura-la, mas falhou na tentativa, ajoelhou-se desesperado tentando ajuda-la, ela estava com pulsação, mas não estava acordando.
O rapaz abriu a porta e viu seu pai ali, parado, esnobe.
"Ela não está acordando!", ele suplicou ao pai.
"Temos que ir garoto, eu tenho um compromisso!", o pai não se interessava naquilo. "E mais tarde eu vou leva-lo no jogo do Vitória!"
"Ela precisa de ajuda!", Rafael estava desesperado, não podia acreditar que com sua mãe naquele estado seu pai estivesse mais preocupado com o jogo do Vitória. "E você está se preocupando com jogo?", seu pai continuava a lhe dar pouca atenção.
Rafael bateu a porta na cara do pai, assim como a mãe fizera; correu para o quarto pegou o celular e abriu no Uber, em cinco minutos o carro já estava na sua porta, o garoto, com muita dificuldade, saiu com a mãe e a colocou no carro, destino traçado para o Hospital Santa Izabel.
A notícia não fora boa, a mãe de Rafael estava em coma...
— Por que você está chorando?!
— Você sabe... Eu já lhe contei... Você lembra, né? — Rafael levantou o rosto e encarou Vinícios, por um momento o garoto tripudiou com as palavras, mas enfim respondeu.
— Claro, claro que eu lembro! — Um sorriso meio sínico no rosto.
Rafael voltou a chorar, mas fora interrompido por Pesadelo que irrompera em sua frente.
— Você está vivendo um pesadelo, não é?! — Pesadelo tentou segurar a risada, mas não conseguiu e debandou a gargalhar.
— Cala a boca Pesadelo! — Sonho deu uma cotovelada na barriga do irmão que encolheu e começou a voar ao seu lado.
— Isso não se faz, de verdade, não se faz! — A voz de Pesadelo saíra fina, e Rafael soltou uma risada. — Viu, eu fiz o seu trabalho melhor que você! — Gabou-se Pesadelo vendo a alegria de Rafael; Sonho não gostou nada de ser desafiada e deu a mão ao rapaz.
— Venha Rafael, vamos até o salão das festividades, lá você irá reencontrar a alegria de verdade!
— Aham! Sei bem essa alegria de verdade... Menina, bem que papai falava que você iria ser a nova narcisa, talvez reescrevam o mito em sua homenagem! — disse Pesadelo ainda com a voz fina.
— Aí você me irrita ainda mais com essa voz! — Sonho estalou os dedos e o irmão voltou para a sua forma normal.
— Preconceituosa... — Pesadelo disse olhando para o céu.
Sonho decidiu ignora-la e puxou Rafael, que deixou ser levado, com um estalar de dedos eles flutuaram pela rua e só pararam quando chegaram num enorme salão vermelho.
Quando pousaram Sonho estalou os dedos e a iluminação abaixou, deixando o ambiente mais romântico, uma música lenta começou a ser tocada por uma banda que aparecera no fundo do salão e pétalas de rosas começaram a voar pelo lugar.
— Isso é jogo baixo, você sabe, né?! — Pesadelo pairou na frente da irmã, como se a estivesse interrogando.
— Você quem pediu! — respondeu Sonho estalando os dedos e fazendo o irmão deslizar para o lado.
— E ainda é ignorante, como sempre... Sempre afrontando a minha pessoa! — disse pesadelo numa péssima versão do Seu peru.
— Não começa com o show Pesadelo! — Sonho imitou o professor Raimundo, e logo em seguida, com um estalo, fez os dois voltarem ao normal.
— Tudo bem... — Pesadelo pairou na frente de Sonho outra vez. — Mas lembre-se, só eu posso manda-lo de volta e sem a sua consulta! — ameaçou o homem.
— Você não teria coragem! — brandou Sonho descrente.
— Você ligou para minha opinião daquela vez?
Rafael e Vinícios não sabiam o que estava acontecendo, os dois se entreolharam a procura de ajuda.
— Tudo bem, conversamos sobre isso depois! — Sonho olhara Pesadelo com mau-humor. — Mas eu acho que vocês dois deveriam dançar! — incentivou Sonho tirando Pesadelo da sua frente e se virando para Rafael e Vinícios.
— Estilo comédia romântica, é tão fofo! — Pesadelo fez surgir dois corações vermelho no lugar dos seus olhos.
— Menos, Pesadelo, menos... — suplicou Sonho ainda de mau-humor com o irmão.
— Embora eu fique tentado, Vinícios não gosta de...
— Vamos, vai ser legal! — Vinícios interrompeu Rafael e o puxou pelo braço, passou a mão pela cintura do rapaz e o conduziu numa dança.
— Você nunca gostou de dançar... O que está acontecendo? — Rafael sussurrou no ouvido de Vinícios, depois que eles deram alguns passos ao som de uma valsa.
— Não sei, acho que é esse lugar! — Vinícios olhava vislumbrado ao redor, não dava atenção à Rafael, o que era muito estranho para o rapaz.
O casal dançou por alguns minutos, indo e vindo, dando piruetas, se encostando, quando o clima esquentou e Rafael achou que finalmente iria conseguir beijar Vinícios, Sonho estalou os dedos e fez sumir todo aquele ambiente romântico, jogando um balde de água fria no cavalinho do rapaz.
— Vamos, quero mostrar-lhes o lugar onde podem dormir e decidir se vão ficar ou não!
— Espera um segundo! — Rafael ignorou o fato de que a mulher estragou o seu momento. — Já que eu ainda tenho dois desejos, posso fazer um agora?
— Claro! — Pesadelo apareceu ao lado de Rafael. — Manda... Comida?! — Uma travessa de lasanha surgiu na mão direita do homem. Voar?! — Ele pairou sobre a cabeça de Rafael. — Ou cantar como a Lady Gaga?! — Pesadelo fez surgir um microfone, trajou lingerie no lugar das roupas roxas e apresentou sua melhor performance de Born this way, mas foi interrompido no refrão quando Sonho estalou os dedos lhe devolvendo suas roupas e sumindo com o microfone.
— Deixe o rapaz falar! — disse a mulher impaciente. — Prossiga Rafael.
— Não... Eu quero uma casa! A maior casa que existe! — pediu Rafael, fazendo um gesto grande com as mãos.
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