O Sumiço de Tonton (parte 2)
II
Após o banho, Luther enfim teve seu momento, com a desculpa e ir ver como a irmã estava, chamou Melissa e foram para o quarto de Ivana, bateram na porta, e tiveram de passar por todo o processo de segurança criado pelas garotas, pois, elas haviam montado um forte de lençóis, cobertores, travesseiros e almofadas dos sofás. Sendo assim, dançaram, cantaram uma música animada, pularam de uma perna só - o que, obvio, foi motivo de piada para Luther, deixando Melissa mal por achar engraçado, mas o namorado disse que não havia problemas -, por fim, até a uma senha tiveram de acertar, foi difícil, mas conseguiram entrar no forte das garotas - esse era de fato nome que elas deram para a construção.
- Tudo bem, Ivana - disse Luther, encolhido para caber dentro do forte, com as três garotas -, conta pra gente essa história de coelho usando balaclava.
- Bala? Onde tem bala? - perguntou Lana, com toda sua inocência.
Luther sorriu, e explicou que balaclava não era um alimento.
- Depois que a Mel saiu para buscar vocês, eu ajudei minha mãe no jardim, estávamos plantando algumas margaridas - explicou a garotinha, voltando a encher os olhos -, o Tonton estava com a gente, mas ele começou a falar que tinha uns coelhos malvados atrás dele, ele tinha visto alguns ao redor da casa...
- E então? - Luther estava ansioso, queria logo saber a relação entre os coelhos que supostamente levaram Tonton, e o coelho que vira durante o dia.
- O Tonton correu para dentro de casa, e eu fui atrás dele, quando cheguei no quarto, vi um monte de coelhos de pelos pretos com manchas douradas - explicou a garotinha, agora em prantos por relembrar o momento que seu amigo foi levado. - Os coelhos bateram nele e usaram magia para prender as perninhas e os bracinhos do Tonton...
A garota desesperou-se em choro, Melissa a abraçou depressa, para acalmá-la e abafar som, não queriam que seus pais fossem ver o motivo da choradeira.
- Eles disseram alguma coisa? Ou o Tonton, ele disse alguma coisa? - Luther ainda não entendia o que estava acontecendo.
- Os coelhos malvados, disseram assim, "o Chefe quer conversar com você" e o Tonton disse, "eu não tenho nada para conversa com aquele idiota" - a garota tentava fazer duas vozes diferentes para cada fala. - E o coelho malvado disse, "não se faça de bobo, Dura Céu" - a pronúncia certa era Duran Cell, era o nome de Tonton, no mundo de onde ele viera -" vai aprender a não tocar no que não é seu, seu ladrão, estava tentando roubar o Chefe", e o Tonton respondeu "não fez sentido, foi até rápido, não pode ser considerado roubo".
Por fim, Ivana disse que depois daquilo, amordaçaram o coelho branco com uma mordaça mágica que liberava uma descarga elétrica toda vez que Tonton tentasse falar.
- Certo, isso não explica o porquê havia um desses coelhos nos seguindo hoje mais cedo, nem o motivo dele entrar no nosso carro - sussurrou Luther -, amanhã eu vou passar pelo buraco na árvore, e vou até a casa do mago, ele deve saber o que aconteceu.
Ninguém discordou, deixaram então todo aquele papo de lado e se aventuraram nas brincadeiras das garotinhas, isso, até todos serem convocados para o jantar. Jantaram todos juntos a mesa, conversando sobre coisas comuns do dia-a-dia, embora, na maior parte do tempo, os adultos apenas ouviam Ivana e Lana comentarem sobre os dias em suas escolas. Ao término do jantar, Ivana e Lana foram levadas ao banho por Lúcia, André, Luther e Melissa, continuaram na cozinha, o tio pegou uma garrafa de vinho e serviu 4 taças, mesmo Luther insistindo que havia parado de beber - não pelo acidente, até porque o jovem nunca dirigiu bêbado.
- Me acompanha só dessa vez, rapaz, vai fazer desfeita pro seu tio mais legal, caramba?!
Não teve como não acatar, beberam e conversaram sobre mais coisas, num clima bom e amistoso, logo, Lúcia se juntou a eles e bebeu o vinho de sua taça. Por volta das 23h, todos se recolheram, Luther se despediu de todos e foi conduzido por Melissa até o quarto onde passaria o fim de semana, beijaram-se um pouco mais à vontade, sabendo que André e Lúcia já haviam se deitado - e desejara-se, boa noite, é claro. Quanto a Lana, essa dormiu abraçada com Ivana, e alguns ursos de pelúcia.
Não tardou para que todos naquela casa adormecessem, antes das meia-noite, logo só se ouvia o ronco de André ecoar pela casa, fora isso, não havia mais barulho. Contudo, o som de zíper sendo deslizado ecoou devagar no quarto de Ivana, mas nem ela, nem Lana acordaram por isso. O som vinha da mochila de Lana, e se se abria lentamente, e de lá emergiram duas orelhas, felpudas e pontudas, logo a cabeça apareceu, por fim, todo o coelho saiu dali, ele olhou de um lado a outro, e constatando que era o único acordado, vestiu uma touca ninja - a famosa balaclava -, pegou um apito que estava pendurado a um cordão, e o soprou, mas não saiu som algum, pelo menos, nenhum som que os humanos pudessem ouvir, contudo, logo uma multidão de coelhos começaram a se aglomerar na porta dos fundos, e o que já estava dentro da casa, foi até lá e abriu-a, assim todos entraram, e se dividiram entre três quartos.
Em instantes, saíram carregando, Luther, Melissa e as garotinhas, todos amarrados por cordas mágicas, e amordaçados. Havia coelhos magos que realizavam os encantamentos, e estes, fizeram questão de adormecer ainda mais os quatro prisioneiros, de modo que nenhum deles percebeu que estavam sendo levados mata adentro. Pela manhã, André e Lúcia acordaram com a casa vazia, teriam se preocupado, se não fosse um bilhete em letras garranchadas:
"Não se procupe, meu chapa, eu e as gatotas, vamos apenas prolurar o colelho fujão, não prezisa vir atrás da gente, um dia a gente volta!"
André gargalhou com as mãos na barriga ao ler aquilo, mesmo que a intenção dos coelhos encapuzados fosse se passar por Luther, para André, quem escrevera o bilhete fora Lana, na tentativa de se passar pelo irmão - afinal, eram palavras fáceis, escritas de forma errada. Para o bem ou para o mal, aquele bilhete tranquilizou o dono da casa.
Quanto a Luther, ao despertar do sono pesado, sentiu que havia alguém ali em sua frente, ainda meio sonolento, seus olhos se abriam devagar, devagar de mais para ver quem realmente estava o observando.
- Ah, garota, você é louca - ele murmurou, com um sorriso lerdo no rosto -, se seu pai pegar a gente junto na mesma cama, ele me mata. - comentou, fazendo bico com os lábios ressecados, e avançando para frente, mas invés de um beijo, ganhou um tapa no rosto.
- Qual foi maluco? Tá me estranhando, macho? Vai procurar sua turma!
O tapa não doeu, pelo contrário, Luther sentiu como se uma almofada de plumas levíssimas fossem jogadas contra seu rosto, mas aquilo o assustou, obrigando-o a despertar imediatamente. Estava deitado no chão - repleto de serragens de madeira - e em sua frente, havia um dos coelhos de pelos negros e manchas douradas, gritando contra Luther, pela tentativa de beijo.
- Eu não sou gay, "mermão", se tentar me beijar de novo, eu acabo com a sua raça, tá me entendendo, "cumpadi"?!
- O quê? Não, eu pensei que fosse... Melissa?! - lembrou-se da namorada.
- Estou aqui - ela respondeu, estava sentada no chão, um pouco atrás de Luther, ao lado de Lana e Ivana. - Parece que eles exageraram com no seu feitiço, estávamos esperando você acordar para poderem explicar o que está acontecendo.
Luther se esgueirou, até conseguir se sentar, olhou em volta e estava numa espécie de toca de coelho, mas numa proporção de casas humanas. Havia muitos coelhos ali - todos eram idênticos - e num canto da sala, havia três tronos minúsculos, que talvez serviram para Ivana e Lana se sentarem - apenas talvez.
- Que borra é essa? - não demorou para notar que estava no mundo de Tonton - Soltem logo a gente, seus roedores sucrilhos da fruta, ou vão se ver comigo! Saco, eu nunca vou me acostumar com isso!
- Cala a boca, oh beijoqueiro! - o mesmo coelho, pulou para alcançar o rosto de Luther, e desferiu outro tapa no rosto do rapaz.
- Ah, seu bostinha, eu quando eu conseguir sair daqui eu vou rodar você pela orelha, igual à Mônica com o Sansão, vai ver só.
- Não sei quem é Mônica, nem esse tal de Sansão, e nem me importo, agora cala a boca por que o Chefe está chegado - grasnou o coelho, ranzinza.
Luther até argumentaria, mas de fato viu uma porta atrás se abrir - atrás dos pequenos tronos. De lá, saíram três seres, que para surpresa do rapaz, não eram coelhos. Uma capivara com orelhas de coelho, que andava sobre duas patas, se sentou no trono do meio, os tronos dos lados, foram ocupados por duas lebres-da-patagônia - que nem conheciam a Patagônia. A capivara, claramente, era o tão falado "Chefe", e não tardou para se comunicar.
- Então, são esses os cúmplices do verme Duran Cell?
- Sim, Chefe - disse um dos coelhos -, eles estavam com aquele coelho traiçoeiro no dia em que ele roubou o que era seu!
- Ei, que papo é esse? Não somos cúmplices de ninguém, vocês estão enganados - resmungou Luther, ainda tentando se soltar da corda que lhe prendia as mãos, mas sem sucesso.
- Calado, humano xexelento! - grasnou o Chefe.
- Vai se feder, xexelentos são vocês! - retrucou Luther - Nem sabem o que significa isso?
- Sabemos que é um insulto, e isso basta, seu...
- Vamos parar com isso! Expliquem logo essa coisa toda, porque não faz sentido nenhum estarmos amarrados aqui e ouvindo um monte de abobrinhas. - Melissa interrompeu toda a balbúrdia.
O Chefe sorriu, mas não disse nada, invés disso, cochichou com a lebre da esquerda.
- Meu mestre não consegue sequer falar sobre o ocorrido - disse a lebre -, então eu o farei. Há alguns meses, vocês foram vistos com Duran Cell, aqui neste mundo, e naquele mesmo dia, o coelho que vocês chamam de Tonton, tocou em algo precioso de meu mestre.
- Pegamos ele ontem, para pagar o que deve, mas ele é escorregadio, acabou fugindo - continuou a lebre da direita. - Nesse caso, quem pagará pelos crimes de Duran Cell, serão vocês
- Mas isso está muito longe de ser justo! - Melissa gritou - Nós não sabemos nem o que ele fez.
- Não seja por isso - disse o Chefe -, conta pra ela.
Melissa não esperava por aquela reação, pensou que o Chefe fosse perceber que estava cometendo um erro por punir as pessoas erradas, mas não foi o que aconteceu. As lebres simplesmente contaram os crimes atribuídos a Tonton - o que tirou boas gargalhadas de Luther.
- Caramba, quem diria, aquele coelho é uma caixinha de surpresas - brincou Luther -, eu não posso fazer nada se sua namorada coelha preferiu o Tonton invés de você, agora para de graça e libera logo a gente.
- Ora, seu! Ela não o preferiu coisa nenhuma, provavelmente ele a enfeitiçou, é a única explicação plausível.
O Chefe estava enfurecido, não conseguir suportar a ideia de que sua parceira tenha se envolvido com Tonton por conta própria, "só pode ser magia" era o que ele dizia, pois se achava a melhor criatura viva, aquela que todos deveriam amar. O Chefe dos coelhos de capuz, era conhecido por ser um ser muito rígido com aqueles que infringem suas regras, mas também era conhecido por ser uma criatura bondosa, que sempre tratou bem todas as raças, especialmente os coelhos.
- Eu duvido que ele faria isso! - Ivana estava aos prantos - Tonton é um coelho bom, e não malvado como os seus, ele jamais enfeitiçaria alguém.
- Tola, aquele coelho é sujo...
- Já perguntou "pla" ele? - questionou, a pequena Lana - Meu pai me ensinou que não podemos acusar os "outlos" sem "plova", você tem "plova"?
Os coelhos de pelos negros, não se aguentaram, um a um, foram perdendo a pose de malvados ao ouvir as duas garotas falarem, acharam uma das coisas mais fofas do mundo.
- Ora, como eu perguntaria, se ele fugiu antes de eu poder vê-lo?
- Claro que ele iria fugir, você quer o matar! - argumentou Melissa.
- Não ouse usar essa palavra na minha toca, sua xexelenta...
- Outra vez, essa borra de "xexelento"! - resmungou Luther.
- Não fazemos isso aqui, na verdade, nesse mundo, tirar a vida de alguém é algo gravíssimo, e faz com que todos os deuses desçam para punir o assassino - explicou o Chefe.
Naquele mundo, não existiam tantos deuses como no mundo dos humanos, eram apenas sete, e eles eram responsáveis por manter o equilíbrio daquelas terras. Além dos 7 deuses, havia um ser que muito poderoso que recebia as almas dos que falecem, e para ele era fácil saber a causa da morte de qualquer ser, por isso, assassinatos sempre eram descobertos, e havia muitos séculos que não acontecia um.
- Então qual seria o castigo para ele, cê não ia acabar com ele? - perguntou Luther, confuso com tudo aquilo, que antes parecia muito mais sério.
- Em primeiro lugar, eu te volto a pergunta, mataria sua irmã se ela quebrasse confiança? - perguntou o Chefe, e Luther respondeu que jamais passaria algo tão inescrupuloso em sua mente - Pois é, então como eu poderia pensar em matar o meu?
Aquela informação pegou todos de surpresa - menos os coelhos de pelos negros e as lebres. Aquele quem falava, e Tonton, eram complementarmente diferentes.
- O castigo é algo pior que a morte! - bradou o Chefe - Ele deve pedir desculpas sinceras.
- Ah, vai tomate azul, cara! É sério isso? Com pedir desculpas pode ser pior que a morte? - questionou-se o jovem Luther.
- Vós não sabeis que, a falta de um pedido de desculpa, às vezes é o motivo de muitas mortes? - a lebre da esquerda perguntou para o rapaz, mas não obteve uma resposta - Talvez, entre vocês humanos, as desculpas vazias tenham se tornado tão comuns, que vocês não as levam mais a sério, mas aqui, neste mundo, simplesmente não conseguimos pedir desculpas se não for de coração, se não for sincero.
- Sendo assim, Duran Cell ficará recluso até que esteja pronto para se desculpar - concluiu a lebre da direita.
Ao entender o que estava acontecendo, Luther se desesperou, não poderia ficar preso no lugar de Tonton, muito menos as garotas.
- Isso-não-é-justo - ele falou, pausadamente. - Nós não fizemos nada, nem somos cúmplices coisas nenhuma, mas eu entendo a posição de senhor, por isso proponho um acordo.
- Diga, humano!
- Liberte a gente, e vamos encontrar o Tonton, e convencê-lo a voltar a lhe pedir desculpas, ou aceitar o castigo.
O Chefe franziu a testa e apertou ainda mais os olhos pequenos de capivara, cochichou com as lebres por algum tempo, e logo se voltou para Luther.
- Você tem coragem, rapaz, e é um humano esperto que se continuar assim, se tornará um grande sábio - discursou o Chefe -, pois bem, eu aceito sua proposta, mas dois dos meus coelhos irão com vocês onde forem, por precaução.
O Chefe estendeu uma das mãos e balançou-a, como se estivesse dando tchau, com isso, as cordas que prendiam as mãos de Luther e as das garotas se desataram, depois sumiram. Luther se levantou e foi até a Lana, e Melissa foi até Ivana, ao verem que as garotas estavam bem, se abraçaram e chegaram um ao outro, não se beijaram, mas colaram os narizes e sorriam. O rapaz agradeceu ao Chefe pelo voto de confiança, e foi guiado por dois coelhos de pelos negros até a saída da toca, como não sabiam onde estavam, tiveram de falar para os acompanhantes, onde desejavam ir.
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