CAPÍTULO ÚNICO
O dia estava quente, e eu não sabia mais o que fazer naquele palácio enorme. Já havia feito tudo o que estava programado para aquele dia, como aulas de pintura e canto, exerci a escrita e explorei o castelo pela milésima vez.
Já estava entediada.
Todos diziam que eu estava vivendo o meu "Felizes Para Sempre" depois que me casei com o Florian em uma belíssima festa no castelo, mas não era bem assim, depois de um tempo, o príncipe vivia viajando a negócios e os dias se tornavam longos e silenciosos, onde eu me sentia cada vez mais sozinha.
Se não fossem os anões, que haviam se mudado para o castelo, eu já teria enlouquecido. Eles enchiam o castelo de vida e alegria, e neles, eu encontrava algum consolo. Com o tempo, porém, comecei a me perguntar se o "Felizes Para Sempre" que eu sempre quis e se o caminho que eu havia escolhido era o que meu coração realmente desejava.
Mas um belo dia, eu estava lendo um livro quando um criado surgiu ao meu lado me lançando uma reverência.
— Alteza. Perdão pelo incômodo, mas chegaram algumas caixas para a senhora.
Caixas? Quem havia mandado?
Deveria ter perguntado, mas a minha curiosidade fala mais alto, então eu apenas agradeço e sigo até o cômodo onde estavam as encomendas.
Já na sala em que as caixas estavam, eu as observo com cuidado e logo vejo o selo do reino de Valdoria, o que acho mais estranho ainda, pois nunca tinha ouvido falar desse reino.
Me pergunto o que eu deveria fazer, não tinha como eu pedir conselhos para o Florian, pois ele estava em mais uma de suas viagens, e quando pensei em quem mais poderia me ajudar, vejo o Mestre adentrando na sala com a sua expressão sábia.
— Minha princesa — ele me cumprimenta com aquele sorriso que sempre dava quando me via. — Está com um semblante preocupado? Aconteceu algo?
— Mestre, chegaram essas caixas do reino Valdoria, e eu não sei o que são.
— Valdoria? — ele questiona, confuso. — Nunca ouvi falar desse reino.
— Nem eu, o que será que tem nelas? — pergunto, receosa. — Quero abrir, mas estou com medo.
— Abra. — Mestre me aconselha e logo vi os outros anões adentrando na sala. — Estamos aqui para protegê-la.
— O que aconteceu? — Zangado questiona.
Sem me preocupar com a sua irritação, eu explico a situação para eles, e depois de me aconselharem a abrir as caixas, eu resolvo acatar. Me sento no chão, e logo todos os anões já estão sentados à minha volta, encho o meu peito de coragem e pego o primeiro pacote para poder abri-lo.
Dentro da caixa não havia quase nada, apenas um espelho pequeno de mão, olho para os anões que estavam tão confusos quanto eu, e pego o objeto, quando, de repente, ele começa a brilhar na minha mão, e sem entender, eu sinto o meu corpo ser sugado para dentro do vidro como se tivesse uma mão invisível me puxando.
Olho para o lado e vejo os anões boquiabertos sem saber o que fazer, mas logo gritos ecoam no local e todos eles são sugados junto comigo para dentro do espelho. Um frio surge no meu estômago e em um momento de desespero eu estendo os meus braços para me segurar em algum dos meus amigos, mas sinto apenas um deles, que não consegui identificar, segurando a minha mão.
Sinto o meu corpo ser puxado para o centro daquele espelho, e o ar logo fica pesado, a minha respiração estava cada vez mais descontrolada, e o meu coração batia aceleradamente, e eu sabia que não tinha mais controle.
Logo meu corpo é engolido por completo na escuridão que era aquele espelho, e tudo ao meu redor se transforma em um vazio absoluto.
🪞
Abro os meus olhos devagar ao ouvir uma voz chamando meu nome, os raios do sol me incomodam e é preciso alguns minutos para que eu me acostume com aquela claridade. A voz desconhecida chama meu nome mais uma vez e então eu vejo um homem parado ao meu lado, ele era forte, usava óculos redondo e tinha barba e cabelos grisalhos que o deixava mais charmoso.
— Quem é você? — pergunto assustada. — Onde eu estou?
— Sou eu, minha Princesa, o Mestre — ele responde com um olhar preocupado. — Não me reconhece?
— Não, você não é o Mestre. O Mestre não é assim, você está alto e usa umas roupas estranhas.
O rapaz então olha para o seu corpo percebendo as peças de roupa que estava usando, ele vestia uma calça jeans e uma camiseta branca com suspensórios que tinha contraste com a camisa simples dando um toque moderno ao look.
— Mas Vossa Alteza também usa roupas estranhas — Mestre avisa depois de me reparar melhor. — Está com um modelo que nunca vi antes, não é uma roupa adequada para uma princesa.
De fato, eu estava com uma roupa diferente do meu vestido habitual, era uma espécie de calça azul que estava justa no meu corpo e a parte de cima era uma blusa amarela decorada com pequenas flores coloridas, e tinha alças e mangas bufantes que caíam sobre os meus ombros.
— Que coisa estranha. — Volto o meu olhar para Mestre e pergunto. — Onde estão os outros?
— Não sei, minha princesa. Mas isso não é o mais estranho, olhe onde estamos.
Observo ao meu redor e percebo que estamos em um lugar completamente diferente do castelo. Várias árvores majestosas se erguem ao nosso redor, oferecendo sombra e ar fresco, uma grande fonte borbulha, lançando jatos de água, e diversas pessoas estão espalhadas pela grama: algumas fazem lanches em toalhas coloridas, outras mergulham na leitura de seus livros, enquanto as crianças correm e brincam enquanto riem alegremente.
A atmosfera é vibrante e cheia de vida, trazendo um novo frescor que contrasta com a rigidez do castelo.
— Onde estamos? — Olho para o Mestre que me encara.
— Não sei, minha princesa.
— Vamos procurar pelos outros ou alguém que nos explique o que está acontecendo.
Mestre concorda com a cabeça e me ajuda a levantar, ele logo enlaça o seu braço no meu e começamos a caminhar sem saber para onde estávamos indo. Olho ao redor mais uma vez e observo várias construções enormes o que me faz ficar tonta, eu então fecho os olhos e sou guiada pelo Mestre.
Abro os olhos e reparo o lugar mais uma vez, e pelo o que parece, estávamos em um parque bem cuidado, mas o que me chama a atenção é um rapaz com roupas estranhas, usava uma espécie de calça que era presa na camiseta com a ajuda de suspensórios.
Era um rapaz tímido e calado, e fazia o seu trabalho com uma paciência sem tamanho, as flores cuidadas por ele tinham um brilho diferente e ele parecia gostar do que estava fazendo.
— Mestre, olhe aquele rapaz. — Aponto para o jardineiro, e Mestre segue o movimento do meu dedo. — Ele não parece com o Dunga?
— De fato, princesa. Vamos até ele.
Nós então seguimos até o rapaz que continuava fazendo o seu trabalho com cuidado, ele estava muito concentrado e não reparou quando nos aproximamos dele.
— Dunga? — Mestre o chama pelo nome.
— Perdão!
— Como é seu nome, meu rapaz? — Mestre pergunta sem parecer invasivo.
— Daniel — ele responde e volta a cuidar das flores. — Desculpe, preciso voltar ao meu trabalho.
Olho de volta para o Mestre com hesitação, e ele mantinha a mesma expressão que eu. Logo um brilho chama a minha atenção e avisto uma flor com uma luz diferente saindo dela, me aproximo da flor e a arranco da terra sem pensar nas consequências, e naquele momento, Daniel olha para mim com os olhos arregalados como se eu tivesse cometido um crime.
— Minha princesa — ele fala e eu reconheço o seu jeito fofo de falar.
— Dunga, é você mesmo. — Abro um sorriso e pergunto em seguida. — O que aconteceu?
— Só me lembro de ter caído em uma caverna escura junto com meus irmãos, mas Mestre não estava lá.
— Estou aqui, meu irmão — Mestre anuncia com um sorriso no rosto. — Conte o que aconteceu em seguida.
— Estávamos em uma caverna quando a Rainha Má apareceu, achamos estranho, pois eu lembro bem que ela havia morrido quando caiu daquele penhasco, mas não tivemos tempo de perguntar, pois ela lançou uma maldição sobre nós falando que nós seríamos lançados para outro mundo e não lembraríamos de mais nada.
— Há quanto tempo você está aqui? — Mestre questiona com espanto.
— Já tem alguns anos — ele responde calmamente. — De fato, não lembro de nada, mas depois que vi essa flor que Vossa Alteza pegou, eu me lembrei de tudo.
— Então todos os outros estão nesse mundo, mas sem memória? — perguntei, receosa. — E que, provavelmente, tem algo que os fará lembrar de tudo?
— Certamente!
Sinto algo dentro de mim estremecer, mas logo ouço Mestre nos chamar para procurar pelos outros, Dunga logo larga o seu serviço, e nós seguimos atrás do Mestre.
Caminhamos por aquele lugar até estranho para mim, Dunga nos contava que estávamos em uma cidade grande e que todas aquelas construções enormes se chamavam prédios. Vi também carruagens estranhas, algumas totalmente fechadas e outras abertas, e diferente das carruagens que costumo olhar, essas não eram puxadas por cavalos. Logo descubro que esses veículos exóticos são chamados de carros.
Andamos mais um pouco, e logo avisto uma cafeteria que chama a minha atenção. No letreiro luminoso, ao lado da grande porta de madeira, estava escrito Sete Grãos e a sua fachada é repleta de plantas e tem algumas mesas e cadeiras do lado de fora.
Chamo os dois rapazes para irmos até lá e eles me acompanham enquanto atravessamos a rua cuidadosamente. Adentramos no local e percebo o quanto está cheio, escolhemos então uma mesa, e uma mulher vem falar conosco enquanto nos entrega um pedaço de papel com vários itens escritos.
— Se chama cardápio — Dunga avisa depois de ver o meu olhar confuso. — Nele tem os alimentos que você deseja consumir, mas você tem que pagar por eles.
— Pagar? — eu pergunto sem acreditar. — Pagar com o quê?
— Dinheiro, dólar mais especificamente.
— O que são dinheiro e dólar? — Mestre questiona, incrédulo, e logo Dunga explica como funciona os lugares ali.
— Bem, não temos esse tal dinheiro, então vamos embora.
Nos levantamos e a mulher nos olha como se estivesse vendo uma aberração. Logo vemos um homem de cabelos escuros e expressão severa chegar no local, ele tinha uma personalidade ranzinza e uma postura firme, e suas sobrancelhas estavam franzidas parecendo que estava com um mau humor daqueles.
Analiso o homem com mais cuidado, e Mestre se aproxima de mim como se entendesse o que eu estava pensando, logo viro o olhar para a mulher que nos atendeu e pergunto.
— Quem é aquele homem que chegou, agora?
— É o dono da cafeteria, o Sr. James — ela responde com calma. — Mas todos chamamos ele de Sr. Zangado, mas essa dureza é só uma casca, ele é um amor de pessoa.
Nos entreolhamos, e logo pergunto se poderíamos ir falar com ele, ao que a mulher concorda. Seguimos então para o interior da cafeteria e nos aproximamos do homem que verificava algo em uma máquina estranha.
— Oi, Sr. James — eu o cumprimento, e logo ele levanta a sua cabeça para me observar.
O homem me olha atentamente enquanto pisca os olhos como se não entendesse o que estava acontecendo, me fazendo ficar mais assustada.
— Você! — Ele se aproxima de mim. — Você é igual a moça dos meus sonhos. Quem é você?
— Sou a Branca. — Dou um sorriso quando ele coloca as mãos no meu rosto. — Você é o Zangado, não é?
— Bem, sei que alguns aqui me chamam de Zangado, mesmo.
— Que sonho é esse que você vem tendo? — Ouvi Mestre perguntar.
James me analisa mais uma vez, e logo conta do sonho recorrente que vinha tendo nos últimos dias onde uma mulher de pele clara e cabelos negros vinha lhe visitar, sempre com um sorriso no rosto.
— Parece muito com você. — James direciona o olhar para mim, mais uma vez, e eu dou um sorriso.
— Sou a Branca de Neve, Zangado, sua princesa.
De repente, vejo um pacote brilhando em cima da madeira e o pego com curiosidade, era um pacote de café moído e tinha o selo da cafeteria, e no momento em que eu pego o objeto, James fecha os olhos e os abre rapidamente como se um raio o tivesse atingido.
— Minha princesa, sim — ele afirma com seu jeito durão. — É você, Branca.
— Você se lembrou? — comemoro, alegremente.
— Sim, lembro que a Rainha Má apareceu e nos lançou um feitiço, depois não lembrava de mais nada.
— Igual você falou, Dunga — Mestre comenta para o irmão.
Zangado os observa, e mandando sua dureza para longe, ele os cumprimenta com um abraço caloroso, e depois que explicamos para ele o que estava acontecendo, ele se prontifica para nos ajudar a procurar pelos outros anões.
De repente, vejo um rapaz mais novo aparecer no lugar, ele era magro e estava com o nariz vermelho e os olhos quase fechados. Zangado logo o apresenta para nós.
— Esse é o Louis, está sempre com crise alérgica aos pós de café, mas de um jeito que não sei explicar, ele não consegue e nem quer sair daqui.
— Esse é o Atchim! — Dunga fala com convicção.
— É verdade. — Zangado afirma, e chama pelo rapaz. — Louis, venha cá.
O rapaz leva um lenço ao nariz e espirra antes de se aproximar de nós. Ele me observa com cuidado, e eu o cumprimento com um aceno. Louis sorri timidamente, ainda segurando o lenço, como se estivesse cauteloso com cada passo que dava. Percebo que há algo em seu olhar, uma mistura de curiosidade e hesitação, como se estivesse decidindo se poderia confiar em nós.
— Oi, Louis, você está bem? — Quebro o silêncio.
— Sim, quem é você?
— Louis, essa é a Branca. — Zangado responde por mim. — Se esforce, de onde você a conhece?
— Perdão, senhor. Nunca a vi na vida.
— Louis, sou eu — eu continuo, cuidadosamente —, Branca de Neve, a sua princesa.
Louis espirra mais uma vez, e procuro por algo que esteja brilhando, mas não encontro nada, ele então me analisa mais uma vez, e avisto o bolso do seu avental, e algo ali está emanando uma luz.
— O que é isso que está brilhando no seu bolso?
O rapaz coloca a mão dentro do avental e pega o objeto analisando-o com estranheza.
— É a minha mistura que eu cheiro para amenizar os espirros. Por que ela está brilhando?
Pego o frasco da sua mão e o analiso com cuidado, e enquanto vejo o que havia naquela mistura, Louis me observa como se um rompante caísse sobre a sua cabeça.
— Sim, minha princesa, Branca de Neve. — Ele espirra mais uma vez e eu dou um sorriso. — Sim, é você. Cadê a Rainha Má?
Zangado explica a ele o que aconteceu, e depois que tudo foi esclarecido, nós nos preparamos para procurar os outros, mas não estava cada vez mais difícil naquela cidade enorme. As ruas pareciam labirintos, e as pessoas andavam apressadas entre nós, tornando nossa busca quase impossível.
Paramos no meio do parque onde encontramos Dunga e nos sentamos para descansar; já havíamos andado bastante e nada dos outros três. Mestre, sempre sábio, olha ao redor à procura de alguma pista, mas não encontra nada. A tarde já começava a cair, e o céu ganhava aquele tom alaranjado suave, como uma promessa de que logo todos nós estaríamos juntos novamente.
Zangado já estava com sua expressão carrancuda, e sua paciência em encontrar os irmãos já estava se esgotando.
Decidimos caminhar um pouco mais e vamos na direção oposta a que estávamos, logo avisto uma floricultura bem iluminada, várias flores e arranjos enfeitavam a sua fachada, e eu senti uma pontada de esperança no meu coração. Chamo pelos os outros para me acompanharem até lá, e quando adentramos no local, vejo um rapaz alegre que nos cumprimenta com um sorriso largo.
— Boa Tarde, sejam todos bem vindos. — Seu sorriso contagiante faz com que eu e os outros rapazes nos entreolhamos. — Meu nome é Harry, e estou aqui para atendê-los. O que vocês desejam?
— Harry? — Mestre repete com um sorriso e me lança um olhar curioso. — Você é bem alegre, não é?
— Temos que ser felizes para tentar driblar as tristezas que a vida insiste em nos trazer.
— Você trabalha aqui há quanto tempo? — Dunga pergunta com seu jeito calmo.
— Há alguns anos, por quê?
— Feliz, não nos reconhece? — Zangado questiona com sua expressão séria.
— Não, nunca os vi — ele responde, e logo completa —, mas gostei do apelido Feliz, vou pedir para me chamarem assim a partir de agora.
— É porque esse é o seu nome, Feliz — eu afirmo com um sorriso. — Sou eu, Branca de Neve, a sua princesa.
Outro homem aparece ali no lugar. Ele tinha uma expressão gentil e doce, era alto, charmoso e possuía um corpo esbelto. Ele se aproxima de nós e nos analisa calmamente com os olhos brilhando em uma curiosidade. Seu sorriso é discreto, mas acolhedor, e ele parece avaliar cada um de nós com um misto de compreensão
— Olá, eu sou o Joey, dono dessa floricultura. Precisam de alguma ajuda?
— Não, meu senhor — respondo enquanto o observo, e ele pede licença para depois sair dali.
Logo vejo um lírio grande e bonito brilhando no vaso que estava no canto da floricultura. Vou até ele e o pego com cuidado, sentindo algo despertar dentro de mim. Os outros rapazes me observam em silêncio, como se percebessem a importância do momento, e Harry logo abre um sorriso largo com seus olhos brilhando de entusiasmo.
— Minha princesa, claro que me lembro de você. — Ele se aproxima de mim e me dá um abraço caloroso. — Que felicidade revê-la.
— Feliz, você agora se lembra do que aconteceu? — Mestre pergunta, e Feliz concorda com a cabeça.
— A Rainha Má nos lançou aquele feitiço. Onde ela está?
— Não sabemos — eu respondo, preocupada. — Precisamos encontrar os outros para que possamos dar um jeito de retornar ao castelo.
Feliz concorda com a cabeça, mas antes que pudéssemos ir atrás dos outros, ele avisa que não poderia sair dali naquele momento, e que teria que esperar a floricultura fechar.
— Por que? — pergunto curiosamente.
— Porque o Sr. Joey não permite.
— Vou falar com ele — Mestre avisa e sai de perto de nós para ir atrás de Joey.
Enquanto esperamos o retorno de Mestre, Feliz, sempre animado, começa a conversar alegremente com os outros irmãos, soltando risadas que ecoam pela floricultura o que me faz lembrar de momentos felizes. A conversa flui leve, cheia de lembranças e histórias divertidas, até que, pouco tempo depois, Mestre surge ao nosso lado.
— Vamos, ele permitiu.
Olho para o Mestre que me lança um sorriso, e logo saímos da floricultura enquanto pergunto em voz alta.
— Onde podemos encontrar o Dengoso e o Soneca?
— Soneca deve estar dormindo em algum lugar, certamente — Zangado afirma nos causando uma risada contagiosa.
Caminhamos calmamente pela cidade, a noite começava a cair e muitos lugares já estavam fechando, foi quando avistamos um prédio de dois pavimentos, ele era largo e na parte de baixo estava iluminado por uma luz forte.
Decidimos explorar o ambiente, e ao adentrarmos, o cheiro de livros envelhecidos misturados com o aroma de edições novas nos dão boas vindas, volto o olhar para Mestre e vejo um brilho em seus olhos ao ver aquele mundo que ele tanto ama.
Somos recebidos por várias estantes que se estendem até o teto onde todas elas estão repletas de livros de todos os tamanhos e cores. O ambiente é tranquilo e silencioso nos trazendo uma calmaria, e o único som que ouvimos são o folhear das páginas dos livros.
— Que lugar maravilhoso! — Mestre exclama com um sorriso no rosto.
Ao redor das estantes há algumas mesas de leitura espalhadas pelo espaço com cadeiras acolchoadas para que as pessoas pudessem se sentar e mergulhar em um bom livro. Nas mesas há abajures para iluminar o local.
— Posso ajudar em algo? — um rapaz pergunta depois de se aproximar.
Eu o analiso, e mesmo que ele se esforçasse, sua timidez o deixava retraído ao se comunicar conosco, mas não deixo de perceber o quanto ele é gentil e doce. Ele me observa calmamente, e logo Zangado fala por mim.
— Como é seu nome?
— Sou Charlie.
— Estamos procurando por uma pessoa — Mestre afirma.
— Quem especificamente? — o rapaz, confuso, nos analisa.
Passo o olhar pelo ambiente a procura de algo que brilhe, mas vejo um rapaz novo cochilando em uma mesa mais afastada. Logo aponto para ele, e pergunto.
— Quem é aquele rapaz ali?
— Ah, é o Eddie — Charlie responde enquanto cruza os braços. — É o faxineiro daqui, mas sempre que termina o trabalho, ele fica cochilando por aí.
Olho para os outros rapazes que estão pensando o mesmo que eu, nós então nos aproximamos dele, e vejo a manta que ele carregava brilhando, eu então pego objeto com cuidado para Eddie não acordar, mas não é possível, e ele abre os olhos sonolentos.
— Minha princesa — ele afirma com um sorriso enquanto pisca os olhos de sono. — Onde estamos?
— Soneca, você se lembra do que aconteceu? — Mestre questiona ao se aproximar do irmão.
— Só me lembro de ter visto a Rainha Má, depois eu dormi.
Demos um sorriso, e logo Soneca já estava querendo dormir novamente, mas Zangado e Dunga faziam o possível para mantê-lo desperto. Enquanto isso, Charlie estava afastado de nós, e logo o encontramos atrás de uma mesa enquanto lia um livro.
Decidimos não atrapalhar, e nos preparamos para nos retirarmos do local, mas quando passo por uma estante que havia no caminho, vejo um livro brilhando no meio dos milhares de livros que haviam ali, ele era tão fino que quase passou imperceptível por mim.
Pego o objeto, e de repente vejo Charlie tirar os olhos da história que estava lendo e direcionar o olhar para mim para depois se aproximar.
— Minha princesa, é você? — ele pergunta, envergonhado.
— Dengoso! — Abro um sorriso. — Você se lembra de nós, agora.
Ele concorda com a cabeça, mas ouço Mestre falar que o livro ainda está brilhando nas minhas mãos, eu então o abro e tudo gira à minha volta, uma claridade surge em nossa frente, e eu e os outros rapazes fechamos os olhos incomodados com aquele clarão.
Mas logo a luz ameniza e quando abrimos os olhos percebemos que não estamos mais na biblioteca, e sim em uma caverna escura. No entanto, o ambiente se clareia e vemos a Rainha Má aparecer ali com um sorriso presunçoso no rosto, e de repente, os anões voltam a ser o que eram e eu estava usando o mesmo vestido que costumo usar.
— Ora ora, você conseguiu encontrar todos eles.
— Você! — eu a observo, assustada. — Você não tinha morrido?
— Ora, Branca. — Ela se aproxima de mim. — Nada pode me derrubar, não posso negar que foi difícil me salvar daquele precipício, mas eu consegui e criei um novo espelho, criei até um de presente pra você, você gostou?
— Foi você que nos mandou pra cá, então. — Deduzo, ainda sem acreditar.
— Não pensei que você fosse tão esperta, assim. — Ela volta para a cadeira que estava sentada voltando a falar. — Só há uma condição que pode fazer com que vocês voltem para o Conto de Fadas, senão vocês ficarão presos aqui nesse mundo para sempre.
— O quê, você vai nos manter presos aqui? — Zangado questiona cada vez mais irritado.
— Fale a sua condição. — Eu peço já preparada para o que vai vir.
— Devo admitir que você é esperta, mesmo. — A Rainha olha para mim com um sorriso debochado. — Eu preciso sair daqui, mas para isso, a pessoa que me pôs nesse mundo tem que reivindicar a sua vida em troca da minha.
— Quer dizer que... — Minha voz sai em um sussurro quando me dou conta do que ela queria dizer.
— Exatamente — ela confirma, se aproximando de mim. — Você sabe de quem estamos falando. Só existe uma pessoa que pode me libertar, e ela está mais perto do que imagina.
Meus pensamentos fervilham, e um nó se forma em minha garganta. Não posso acreditar que estou ouvindo.
— Você quer que eu... que eu me sacrifique?
— Branca, não aceite — ouço Mestre me aconselhar.
— Ah, tem mais uma coisa — a Rainha sorri e o brilho em seus olhos demonstram que, para ela, isso seria nada menos que um prazer —, os anões não irão com você caso não me deixe ir. Eles estarão presos nesse outro mundo para sempre.
— O quê!? — todos nós falamos ao mesmo tempo, e eu completo.
— Você não pode deixá-los aqui para sempre.
— Branca, vá. — Mestre me aconselha mais uma vez. — Vamos ficar bem aqui, e você não precisa se preocupar.
— Não, eu não vou deixá-la nos separar.
Eu fecho os olhos achando tudo aquilo um absurdo. Não poderia deixar ela nos vencer, mas também não poderia deixar ela me separar dos meus amigos. Penso nas infinitas possibilidades e consequências que poderiam acontecer.
Logo me lembro da minha vida no castelo e no meu casamento com Florian, não posso negar no quanto ele me fazia feliz, mas largar tudo assim de uma hora para outra era surreal. Mas também penso nas últimas horas que passei naquele outro mundo, foi mágico, cheio de luzes e possuía uma energia vibrante, fora que não iria ficar sozinha ali, eu teria meus amigos.
— Vamos, Branca. — A Rainha me tira dos meus pensamentos. — Eu não tenho o dia todo.
— Eu aceito. Eu vou ficar nessa nova realidade, você pode retornar para o castelo e tomar de conta dele e ser a mulher mais bela do reino.
— Minha princesa, não faça isso. — Feliz se aproxima de mim colocando sua mão sobre os meus ombros.
— Tudo bem, Feliz. Eu não posso deixá-los sozinhos, e com vocês aqui vai ser tudo mais fácil.
— Você é bem esperta, Branca — a Rainha fala com presunção. — Agora vão.
Um clarão explode diante de nós nos fazendo fechar os olhos devido à luz intensa. O ambiente ao nosso redor começa a girar vertiginosamente, até que um redemoinho poderoso surge, crescendo e ganhando força, e antes que possamos reagir, a força irresistível do vórtice nos envolve, arrastando-nos para dentro dele.
Tento me segurar em algo, mas não encontro nada, e então eu fecho os meus olhos ao ser engolida por aquela escuridão.
🪞
Meus olhos se abrem e eu avisto o céu azul, os raios do sol me incomodam, e foi preciso alguns minutos para que eu me acostumasse com aquela claridade. Aperto os olhos com força e os abro por completo, logo ouço alguém me chamar, e reconheço o som da voz do Mestre, viro o meu rosto, e vejo o homem alto e forte, não se parecendo nada com o anão sensato que nos dava conselhos sábios.
— Branca, minha princesa. Você está bem?
— Sim, Mestre. — Respondo com um sorriso. — Cadê os outros?
— Não sei, quando abri os olhos estávamos só nós dois aqui.
— Será se a Rainha os deixou presos naquela caverna? — eu pergunto sentindo um frio na barriga.
— Talvez. Vamos procurá-los no mesmo lugar que nós os encontramos antes.
Acato ao seu conselho e saímos à procura dos outros rapazes, e como suspeitávamos, eles estavam no mesmo lugar que os encontramos antes de nos encontrarmos com a Rainha. Mas, assim como da primeira vez, eles também não se lembravam de nada, mas com a ajuda dos objetos brilhantes, eles recuperaram a memória.
— Quer dizer que estamos presos aqui para sempre? — Dengoso pergunta, e eu concordo com a cabeça.
— Mas vejam pelo lado bom. — Dou um sorriso cheio de esperança. — Estamos juntos aqui em uma cidade vibrante cheia de possibilidades. Eu nunca pensei que pudesse existir um mundo assim. Aqui, podemos ser quem realmente somos e fazer a diferença!
— E podemos trabalhar juntos, criar coisas incríveis e viver aventuras todos os dias — Feliz fala com o seu otimismo.
Vejo os outros concordarem, e começamos a passear pela cidade, observo as ruas movimentadas, as lojas coloridas me chamam a atenção e a diversidade de pessoas era a coisa mais fascinante que eu já havia visto. Percebo então que a cidade grande não é apenas um lugar, mas sim uma nova forma de vida.
Paramos no parque e nos sentamos na grama; como estaríamos estabelecidos na cidade, começamos a discutir as infinitas possibilidades que o lugar oferecia e exploramos as ideias para aproveitar cada oportunidade.
Todos eles permaneceriam nos lugares que trabalham quando os encontrei naquela cidade enorme, eu faria as tortas e bolos para a cafeteria que Zangado administrava, e Mestre decidiu dar aulas particulares. Também decidimos que os seus nomes seriam os que já estavam designados na cidade.
Daniel, James, Louis, Harry, Eddie, Charlie, e Mestre, que a partir dali se chamaria Oliver.
🪞
Os meses se passaram e já tínhamos vivido várias aventuras na cidade grande, percebemos que aquele novo lugar era a nossa casa e ali era onde pertencíamos de verdade.
Naquele novo mundo, nós não encontramos um lar, mas também uma nova chance de viver uma vida completamente diferente e cheia de significado e aventura. Estávamos prontos para enfrentar o que o futuro nos trouxesse, juntos e fortalecidos pela nossa amizade e a magia que a cidade grande nos trazia. Mas à medida que o tempo passava, percebi algo diferente florescendo dentro de mim, algo totalmente novo que eu nunca havia sentido antes.
Naquela noite, estamos sentados na grande sala que havia na casa que dividíamos. Olhei para todos ali, e logo meus olhos se encontraram com o de Oliver e ele me dá um sorriso, havia algo nele que me fazia sentir segura e ao mesmo tempo vulnerável, como se ele pudesse enxergar além do que eu pudesse permitir. O cuidado e as palavras que ele dava me traziam um conforto que eu não sabia explicar.
— Branca? — James me chama, interrompendo meus pensamentos, com aquele olhar atento. — Está tudo bem?
Concordo com a cabeça enquanto dava um sorriso, tento disfarçar, mas meus olhos encontram com os de Oliver mais uma vez, e a cidade, com toda as suas possibilidades, parecia agora mais brilhante e cheia de promessas do que nunca.
Não precisei de um castelo, nem de uma vida encantada. A cidade seria o nosso reino, e cada momento compartilhado seria parte da nossa própria história, repleta de descobertas, risos e sonhos realizados.
Ali eu percebi que teríamos o nosso "Felizes Para Sempre".
Ooi, obrigada por terem chegado até aqui.
Espero que tenham gostado desse conto que eu amei escrever. ✨❤️
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