CAPÍTULO ÚNICO.
Gostaria de me desculpar por qualquer erro durante a leitura. Qualquer coisa me avisem, que irei concertar.
Boa leitura!
∞
Descobri que vivo sonhos alheios.
Posso sentir minha alma sair do corpo, vagar pelos céus, e, de repente, cair na mente de outra pessoa.
Nesse momento, Miranda ver as estrelas formarem uma Aurora Boreal. O sonho dela é lindo. Lindo e puro. Algo esperado para uma criança de nove anos.
Mas então, o céu se desmancha em sangue, caindo lentamente em direção ao chão.
Minha alma pulou de sua corpo quando ela sentou na cama em um grito contido. A observei com o coração descontrolado.
Os olhos azuis brilhavam ao fitar o escuro. Seu peito descia e subia, e ela encolheu o corpo.
Minha mente retumbou em busca de respostas quando ela ficou parada, sem dar mais nenhum pio. Uma criança de nove anos corre até os pais quando tem um pesadelo, então, por que cogitar fazer isso, parece ser seu real pesadelo?
A garotinha de cabelos claros respirou fundo e encarou a porta. O medo estampado nos olhos azuis. Observei ela tampar os lábios, as pequenas mãos tremiam.
Alguém mexeu na porta. E fiquei paralisado, só então entendi que estava sentindo tudo que ela sentia. Meu ar faltava, o medo levava minha voz, queria me esconder do monstro que se aproximava.
E então, ele abriu a porta. O homem de preto. O homem com sorriso gentil. O monstro de Miranda.
Meu corpo palpitou de pavor. No escuro daquele cômodo, o homem de preto se aproximou de Miranda, e então, eu sumi.
O monstro de Miranda me obrigou a voltar para meu corpo. Pois, minha alma solta não pode se aproximar da escuridão.
∞
Acordei na minha cama. Tive que conferir várias vezes que não estava naquele quarto novamente. Respirei de alívio ao notar que não, eu não era Miranda, não estava em sua pele.
Me senti mal por estar aliviado, por ser outra pessoa que não fosse ela.
O demônio dela é muito pesado para mim.
Mordi meu dedo só para ter certeza. Ainda estou trêmulo, o suor frio escorre por minha espinha e meu corpo dói.
Meu corpo dói? Por que meu corpo doeria? Minha alma vaga, mas meu ser físico permanece aqui, seguro.
A linha tênue entre saber e estar perdido se quebrou.
Miranda está morta. Encontraram seu corpo na floresta há dois meses. A pequena menina de nove anos estava trancada na floresta, os fios loiros cheios de lama e terra. Malditas raposas desejavam sua carne.
Congelei com o sentimento de estar sendo vigiado.
- Homem de preto. - A voz suave cochichou em meu ouvido. Tão perto, que os fios de minha nuca se arrepiaram.
Pude sentir seu cheiro de lavanda. O cheiro da doce menina. Então ela respirou fundo, seu hálito bateu em meu pescoço, e o cheiro de lavanda mudou bruscamente.
A podridão severa e forte encheu meus pulmões, me fazendo tossir. Miranda andou pela lateral da minha cama, e então, sentou a minha frente.
Os olhos sem vida me encararam. Miranda não piscou, não respirou, apenas ficou ali, podre, morta, me olhando com os olhos azuis antes tão amados por mim, e agora, sem vida.
- Homem de preto. - Chamou novamente, e meu pescoço palpitou.
Pisquei, sem ar. Seu toque era gelado em volta de meu pescoço, porém, era forte e firme.
- Por que não me ajudou, pequeno viajante!? - Gritou. O tom era forte, rouco e sombrio.
Não era Miranda, era o demônio que apertava meu pescoço. A figura macabra tirando minha vida.
- Você poderia ter me impedido - Gritou, em meu rosto.
Estava ciente de suas mãos ásperas tentando quebrar minha traquéia, de seu olhar furioso em meus olhos. E quis morrer por isso, quis que tudo não passasse de um pesadelo.
- Entenderá - Sua voz era um sussurro, e sua risada rouca encheu o cômodo.
E então sumiu, desapareceu como uma fumaça em contato com um ventilador.
Meus olhos vagaram lentamente pelo cômodo mofado e cinza. Não tinha ninguém além de mim alí. Mas ainda sentia a presença sombria a minha volta, pude escutar sua risada distante e macabra em minha orelha, me lembrando que ele estava ali, constante e atento.
E soube que a partir de então, o demônio me seguiria pelos cantos, apenas esperando que minha alma saísse do corpo, pronto para se esgueirar até mim e possuir minha pele.
O demônio agora estava amarrado a mim. O monstro agora era meu.
∞
O infinito vaga pelos sonhos, beijando seus lábios e os puxando para uma ilusão. O infinito da felicidade vive nos sonhos puros das pequenas crianças, a alegria infinita e genuína.
Mas não passam de sonhos, pois a felicidade infinita não existe.
O demônio sussurra essas palavras em meus ouvidos sem parar. Os olhos dele brilham pelo espelho, o sorriso macabro brinca em seus lábios. Analiso pelo reflexo o cômodo onde estou, e então, minha cabeça entra em chamas.
- Jovem viajante, deixe-me entrar. - Pediu tocando meu rosto com seus dedos gelados e ásperos.
Pisquei lentamente, tentando entender como vim parar em uma floresta escura e sem vida.
Estou sem voz. Não consigo me mexer, suas algemas pesadas machucam meus pulsos e me deixam preso á terra.
- Não. - Sussurrei, juntando forças. - Esse corpo é meu. - E respirei fundo ao admirar a lua.
O céu está escuro e sem estrelas, já a lua, a lua brilha em seu ápice, sabendo que o enorme escuro é todo seu.
O toque frio do demônio me tirou dos desvaneios. Os dedos largos ergueram meu queixo, e ele sorriu.
- Você podia ter salvado a doce Miranda. - Murmurou, com seu hálito gelado.
Mas então seu toque sumiu, e abri os olhos que não sabia que estavam fechados.
O corpo pequeno se esconde entre as árvores. O cheiro de terra molhada corre ao meu redor e se aprofunda em minhas narinas. Observo sem fôlego o monstro correr atrás de Miranda. Ele é alto e magro, e a pequena menina tão bonita. O vestido delicado e branco que ela usava se rasga quando o monstro a puxa. Seu grito agudo invade toda floresta.
A criança mofina cai na terra. O branco fica marrom e preto. E o vermelho explode.
Acordo quando o vermelho de seu corpo toca o meu. Ainda posso sentir seu sangue quente, o cheiro forte de ferro. Puxo o ar com força.
Me sentei em minha cama, respirando fundo o mofo daquele quarto. No canto escuro, os olhos vermelhos brilham, e ele sorri. O demônio invadiu minha mente. O demônio entrou em mim.
- E não será a última vez. - Respondeu aos meus pensamentos, sumindo entre a escuridão.
Pela janela, a luz da lua se acomoda timidamente no cômodo. Encarei sua luz, desejando que ela me matasse.
∞
Tudo parece passar mais lentamente enquanto o demônio anda por minhas costas. Ele caminha de um lado para o outro, me deixando escutar seus passos, esperando pacientemente o momento que irei baixar minha guarda.
Não sei há quanto tempo estou aqui, pode ter se passado minutos, horas ou anos. Só sei que meu corpo está cansado, mergulhado no esforço que estou tendo que ter para não dormir.
- Durma. - Mandou, acariciando meus cabelos. - Durma, jovem viajante. Quando acordar, a culpa vai ter sumido.
- Não, não vai. - Murmurei, com o corpo trêmulo. - Ela morreu da última vez que você entrou.
Entrelacei meus dedos, tentando acalmar meus nervos. Sua presença é constante e pesada. E sei que o demônio não some até que tenha o que deseja.
- Pobre criança ingênua. - Riu profundamente. - O problema dos fracos e tentar mostrar bravura. Querido viajante, você só está esgotando suas forças. - E sumiu, deixando suas palavras vagarem ao meu redor.
Não podia dar ouvidos ao demônio, mas suas palavras já tinham entrado e feito bagunça.
∞
Uma porta se abriu. A porta que me prendia naquele jogo do demônio, se abriu. Levantei da cama em silêncio, procurando pela figura macabra pelos cantos, mas ele não estava.
Sorri, e meu coração pulsou com força.
Segui até a enorme porta de metal, e me esgueirei para fora dela. O mundo gritou em branco, e ao olhar para cima, a Aurora Boreal dançava no céu.
Sorri sozinho, apreciando o vento gelado em meu rosto.
Fechei a porta de metal, começando a correr para longe daquele lugar. Sentia meu coração leve, o mundo ganhava calor novamente. Gritei com felicidade, não sabendo lidar com o fato de ter conseguido sair dos dedos do demônio. Corri o mais rápido que pude, deixando a presença macabra sair de meu coração.
- Homem de preto. - A voz veio suave e calma ao meu ouvido. Um sussurro profundo.
Minhas pernas cederam e fui parar no chão. Olhei ao redor com desespero. E como uma camada fina de fumaça, o céu escorregou até o chão em vermelho brilhante. O cheiro de ferro impregnou em meus sentidos, e tossi com força.
- Pobre criança. - O demônio riu. Levantei a cabeça em pânico, encontrando seus olhos brilhantes. - Não tem como escapar de si mesmo.
A voz chegou fundo em minha mente, retumbando em minha pele. O tom macabro explodiu na dimensão vermelha.
- Não fale isso - Murmurei, com o corpo trêmulo. - Eu não sou você.
- Claro que é. - Ele se ajoelhou em minha frente, tocando meu rosto. - Fomos nós que desejamos a criança, nós que a matamos e arrastamos seu corpo até a floresta. - Ele sorriu, acariciando meu rosto com os dedos gelados. - Você lembra, não lembra? Dos gritos dela, do corpo quente, do sangue pulsante.
Meu peito tremeu, e admirei seus olhos vermelhos.
Os cantos de meus lábios subiram.
- Lembro.
- Então você admite ter matado ela? - Pisquei lentamente, observando seu sorriso vitorioso.
- Não! - Gritei, afastando suas mãos de mim. - Eu não fiz isso! - Me levantei tonto, juntando forças e correndo para longe.
Sua risada encheu meus ouvidos e suas mãos tocaram minhas costas, me empurrando com força.
Fui de encontro ao chão novamente, e ao admirar minhas mãos, o sangue banha elas.
- Você é o mostro de Miranda! - Gritou, pisando em meu corpo. - Você que entrou no quarto dela, você que sorriu com seu medo, você que a matou, você que a enterrou.
Não, não, não.
- Pequeno viajante, você é um demônio diferente. Você usa asas de anjos, do anjinho que você matou.
E meu corpo foi de encontro com um buraco. Um buraco fundo, e ao olhar para cima, admirei o rosto sério do demônio.
- Pague por seus pecados. Aceite eles. - Gritou com força.
- Não - Gritei ao mesmo tempo que ele fechou o buraco.
E como uma explosão, acordei.
Minhas mãos tremem e a escuridão me consome. Sinto o cheiro forte de sangue. Sinto meu corpo pesado e dolorido. Respiro fundo, abrindo os olhos.
Ao olhar ao redor, estou em um cômodo escuro. A luz tímida da lua entra pela pequena janela. Me forço a levantar do canto escuro do quarto. Com passos fracos, ando até o espelho. No reflexo, vejo o monstro, seus olhos castanhos brilham e ele sorri.
Toco meus lábios, sentindo o sorriso neles.
- Por que me fez matá-la? - Indago entre lágrimas, para o reflexo.
- Eu não fiz nada, pequeno viajante. O mostro que anda pelos cantos sempre foi você. Querido viajante, você a matou. Afinal, você é monstro de Miranda. - A voz riu, e então sumiu.
O cheiro de podre se foi com ele, deixando o ar brincar com a fragrância de lavanda.
Me virei com o coração descontrolado. A primeira coisa que vi, foi o vestido branco, depois a pele macia e quente da minha pequena Miranda, e por fim, seu rosto desfigurado.
- Homem de preto, homem de preto, você finalmente me escutou. - Ela sorriu, o sangue escorrendo pelos olhos. - Agora, por que você não se mata? - Sua voz era suave. Ela se aproximou de mim, deixando uma tesoura em minhas mãos. - A culpa vai embora. - Sorriu gentilmente, seu toque era quente em minhas mãos.
Admirei o objeto com atenção, voltando meu olhar para o cadáver sorridente de Miranda a minha frente.
Com o cheiro de lavanda escorregando pelo ar, num quarto silencioso de uma prisão, sorri pela última vez, cortando meus pulsos sem medo.
Era uma sensação estranha, pois jurava que morrer seria algo mais quente. Porém, o frio daquela floresta continuava me perseguindo.
Miranda sorriu, deixando o sangue escorrer por meus pulsos. Com o silêncio de uma madrugada, ela sussurrou para meu corpo sem vida que a felicidade não era infinita, mas o frio do inferno, sim.
Agradeço por ler.💜
Ficou perdido na leitura? Tem dúvidas? Explicações no próximo cap.
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