Parte 01
― Você devia largar esses livros e ir aproveitar suas férias, Marcela ― palpitou minha mãe, enquanto passava pela porta do meu quarto varrendo.
Estava jogada na minha cama, virando as páginas de um novo romance freneticamente. Desde que tinha entrado de férias, era isso que eu vivia fazendo dos meus dias: ler sem parar. As ocasionais pausas eram apenas para tomar banho, ir ao banheiro, comer e, quem sabe, assistir alguma série na Netflix (especialmente se fosse alguma adaptação literária). Eram as férias perfeitas e eu, sinceramente, não sei do que minha mãe estava reclamando. Será que ela preferia que eu fizesse como meus conhecidos e fosse aproveitar minhas férias nas baladas?
― Quando as aulas voltarem você não vai ter mais tempo de aproveitar nada ― continuou palpitando minha mãe, com sua varredura de um lado para o outro, ainda que eu não tivesse perguntado a opinião dela. ― Terceiro ano do Ensino Médio não é moleza, vai ter que estudar muito.
Eu bufei, virando na cama e arrumando uma nova posição confortável para continuar minha leitura. Ora, era justamente porque eu sabia que com a volta do colégio não teria muito tempo disponível que eu estava lendo enquanto podia. Faltava só uma semana para as aulas voltarem e eu ainda tinha uma pilha de livros não lidos me esperando. Escapar da minha realidade para dentro dos livros era delicioso e me permitia viver vidas que eu nunca seria capaz de viver fora deles. Por que todas as histórias eram muito melhores do que a realidade? Eu também queria viver uma paixão com um vizinho bonito, descobrir que tenho um admirador secreto e aceitaria até mesmo que tivesse um aluno novo na minha sala. Namoro de mentira, convívio forçado, inimigos para amantes... No ponto da minha vida que eu estava, aceitaria qualquer um desses clichês.
O que não dava para aguentar mais era a vida como ela era.
Meus vizinhos são um casal de 80 anos que, apesar de muito simpáticos, não são a mesma coisa que um lindo cara sem camisa na janela da frente. O mais perto de um admirador secreto que eu já tive foi no primeiro ano do ensino fundamental, quando um colega da escola foi obrigado pela mãe a me dar um Kinder-Ovo de dia dos namorados porque ela achava que nós "éramos um casal lindinho". É claro que nós não éramos um casal – nem mesmo um casal de brincadeira, daqueles comuns no início do ensino fundamental. Eu ganhei o Kinder-Ovo, mas o menino chorou tanto porque não queria ser meu namorado que eu devolvi o Kinder-Ovo para ele. Ele comeu e ficou um pouco mais feliz. Foi o momento que eu percebi que meu potencial para namorada beirava o zero, se não era nulo. E alunos novos? Puff. Eu estudava no mesmo colégio a vida inteira e se nesses dezessete anos entraram cinco pessoas novas na minha sala, era muito. Conhecia todo mundo desde a infância e, depois de conviver tanto tempo com os meninos, não tinha interesse nenhum em namorar qualquer um deles – não que eles tivessem algum tipo de interesse em mim também. Não era esse tipo de romance de irmãos que eu estava interessada em viver...
A minha vida romântica era tão chata que só me restava fugir para os livros, onde meninas como eu viviam romances inesquecíveis. No livro que eu estava lendo, a menina malvada do colégio se apaixonava perdidamente pelo menino nerd e eu estava decidida a saber se eles acabariam juntos, mesmo com tantas diferenças. Um romance de gosto duvidoso, daquele que você não consegue parar de ler. O livro estava em seu ápice e eu não conseguia desgrudar os olhos das folhas.
― Ei ― minha mãe empurrou o livro para baixo, interrompendo meu contato com a história. ― Já que você está aí sem fazer nada, vou te pedir um favor.
Eu olhei para cima, revoltada. Ela estava com uma mão apoiada na vassoura e com a outra segurava uma carta, esticada na minha direção. Eu nem me movi. Quer dizer, só me movi para levantar meu livro mais uma vez.
― Eu estou ocupada, caso você não esteja vendo ― retruquei, irritada. ― Estou lendo.
― Preciso que você vá na casa dos Marques ― continuou dizendo, ignorando minha observação e sacudindo a carta na minha cara, por cima do meu livro. ― E entregue essa carta aqui para eles. Colocaram errado na nossa caixa de correio.
― Precisa ser agora? ― Revirei os olhos, sentindo que estava perdida.
― É que já faz uns três dias que eu peguei a carta, mas ainda não fui lá entregar
― respondeu, aproveitando para dar uma varridinha no pé da minha cama. ― Aproveita e quando voltar de lá já dá uma faxina nesse quarto que isso aqui está uma vergonha.
Eu peguei a carta de sua mão e levantei rapidinho da cama, antes que ela pedisse mais alguma coisa. Corri para calçar meus chinelos e sair de casa. Vai que ela se lembrava que queria que eu passasse no mercado ou no correio ou sabe lá Deus mais aonde. Amarrei meu cabelo de qualquer maneira e bati a porta de casa. Os Marques moravam literalmente na casa ao lado da nossa vila e o trajeto não dava nem dez passos. Não me importava muito com meu cabelo, meu chinelo ou com minha cara de quem não sai de casa há eras, porque não tinha ninguém interessante mesmo naquela vila.
Desci as escadas e cruzei o nosso gramado, rumo a casa dos meus vizinhos de 80 anos. Estava prestes a subir as escadas deles e tocar a campainha quando vi uma silhueta desconhecida pela janela. Congelei com o pé no primeiro degrau, um pouco instável. Ora essa, Vitor e Anabele Marques não tinham aquele perfil... A silhueta sumiu no segundo seguinte e eu sacudi a cabeça, crente que estava alucinando. Devia ser o calor. O sol estava intenso e, mesmo naquele curto trajeto, eu já estava começando a suar. Isso que dá ficar trancafiada em casa por tanto tempo, sem ver a luz do sol. Subi o resto das escadas e toquei a campainha.
― Já vai ― gritou Anabelle lá de dentro e eu ouvi seus pezinhos se arrastando no chão, como se ela estivesse andando em direção à porta.
― Pode deixar, vó! ― berrou outra voz, desconhecida. ― Eu abro a porta.
O dono da voz fez isso mesmo. Abriu a porta. E eu fui pega tão de surpresa por aquela situação que dei um passo para trás, pisando em falso na beirada do último degrau da escada. Perdi o equilíbrio, sacudindo os braços em busca de estabilidade. O responsável pela abertura da porta esticou as mãos e me segurou pelo braço, impedindo minha queda e me fazendo dar um passo para frente. Eu olhei para cima, horrorizada com o andar dos acontecimentos. Aquele tipo de coisa vivia acontecendo nos livros que eu lia, mas não é que quando eu era a protagonista era ligeiramente desconfortável.
Especialmente porque a pessoa que tinha aberto a porta era exatamente o dono da silhueta que eu vi pela janela. Alto, bonito e, aparentemente, salvador de donzelas indefesas que vem entregar cartas e quase rolam escada abaixo. Eu puxei meus braços lentamente, percebendo que ele ainda estava os segurando. Tive que conter meu impulso de dar outro passo para trás, sob o risco de passarmos por aquele processo todo de novo. ― Você está bem? ― perguntou o rapaz, libertando-me de seu toque.
― Sim ― respondi. Eu não seria a mocinha tola naquela história! ― Quer dizer, peço desculpas...
― Tudo bem ― respondeu ele, dando um sorrisinho. Minhas pernas ficaram tão instáveis que eu achei que ia sair rolando de novo. ― Você precisa de alguma coisa? Açúcar, talvez?
Eu dei uma risada nervosa, que soou afetada e me fez ficar constrangida. O garoto esticou os lábios, como se estivesse evitando rir da minha cara. Finalmente, depois de dezessete anos esperando, eu tinha um cara gato morando na casa da frente e estava conseguindo arruinar tudo!
― Na verdade, vim deixar isso aqui com a Anabelle ou com o Vitor ― resolvi dizer, esticando a carta. ― Colocaram errado na minha caixa do correio.
― Ah, sim ― disse, pegando a carta da minha mão. Depois virou para trás e chamou. ― Vóóó.
― Estou aqui, menino ― ressoou a vozinha de Anabelle, seguida por seus passinhos. ― Eu estava lá no quintal dos fundos, por isso demorei para chegar.
― Oi, dona Anabelle ― cumprimentei, acenando do lado de fora.
― Oi, Marcelinha, como está? ― Ela acenou de volta, se apoiando no batente da porta. ― Tem bolo, você quer entrar?
― Obrigada, mas tenho um compromisso ― menti. Meu compromisso era com os livros que narravam romances mais fáceis dos que o da vida real. ― Só vim entregar uma carta que colocaram errado na minha caixa do correio.
― Vejo que você conheceu Daniel, meu neto ― disse ela, pegando a carta da mão dele.
O garoto olhou na minha direção, no segundo que também desviei meu olhar para ele. Parecia que ele tinha saído direto de um dos meus romances favoritos. Se eu fosse escritora, descreveria ele da mesma forma que os mocinhos são descritos. A estrutura óssea do rosto perfeita, as bochechas proeminentes, os olhos atiçadores e o sorriso atravessado. O pacote era completo.
― Conheci... ― Assenti, querendo cair fora dali o mais rápido possível.
Para alguém que tinha lido tantos romances, era de se esperar que eu soubesse me comportar um pouco melhor. Porém, havia uma diferença muito grande entre ler sobre lindos meninos e esbarrar com lindos meninos. Os livros não tinham me preparado para o segundo caso.
― Obrigada pela carta ― acenou Dona Anabelle com a respectiva nas mãos. ― Agradeça a sua mãe.
― Pode deixar ― respondi, me virando para descer as escadas. ― Um prazer te conhecer, Daniel.
― O prazer foi meu ― respondeu o garoto atrás de mim, quando eu já estava no meio das escadas.
Praticamente corri para dentro do meu quarto e tentei bastante não pensar em Daniel ou no mico que tinha sido quase rolar as escadas. Porém, a verdade é que passei a imaginá-lo como mocinho do romance que estava lendo. E ele ficou melhor do que nunca.
***
Oieee! Quem é viva sempre aparece? Nem sei por onde começar a pedir desculpas, mas eu passei por um período tenebroso para dizer o mínimo. Para quem já me segue e conhece minhas histórias por aqui, OI! É muito bom estar aqui de novo e poder contar com as leituras e carinho de vocês! Para que não me conhece e não leu minhas histórias por aqui: OI TAMBÉM! Espero que possamos ser parceiros nessa jornada linda que é escrever e compartilhar nossos corações através das palavras.
Esse é um conto que eu originalmente postei na plataforma Sweek (só quem viveu sabe) e minha meta deste ano é trazer o conteúdo que estava na plataforma pra cá. Então aguardem 3 contos e um livro! Os próximos contos vão ser postados em Maio e Junho! E o livro será mais rápido que imaginam também!!! Outra meta deste ano é tentar terminar de escrever e postar SIR, mas vamos ver se vou dar mentalmente conta de lidar com isso!!!! Conto com vocês nesse processo.
De novo, muito obrigada por tudo. Essa história vai ser postada integralmente de uma vez só, em algumas partes! Vejo vocês nas próximas!
Um beijo, Clara.
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