Capítulo 32 - O Ministro da Máfia
Intuindo que algo terrível acabara de acontecer, Valentim sentiu-se angustiado quando observou Maresca afastar-se depressa na bicicleta.
No fundo, porém, acreditava que tudo aquilo fora culpa sua. Devia ter sido franco e contado que, acidentalmente, ouvira a conversa pelo telefone.
Ainda agora lembrava-se do quanto ficara chocado com a emoção presente na voz dela.
O que a deixara tão perturbada?
Seriam realmente os problemas com os negócios?
Não conseguia aceitar essa explicação e acreditava que Maresca tomara conhecimento de algo que a surpreendera e enfurecera tanto, que ela se dispusera até mesmo a mentir.
E era isso o que mais o perturbava. Ela sempre lhe parecera tão franca! No entanto, o sorriso e o beijo que lhe dera ao partir não possuíam a menor espontaneidade.
Percebera que a raiva dela estava dirigida contra ele e ficara intrigado quanto à razão de tamanha indignação... Com o coração apertado, recriminou-se por não ter feito o menor esforço para esclarecer aquela situação.
O amor deles era tão pleno, tão perfeito, que ele não se incomodaria em colocar abaixo a muralha que Maresca tentava levantar.
O que sentia por ela era mais forte do que seu orgulho e Valentim não hesitaria em humilhar-se para esclarecer a situação. Iria até o café onde ela se encontrava e a convidaria para uma conversa franca.
Consultando o relógio, resolveu aguardar até que ela chegasse ao café. Não queria ultrapassá-la na estrada, pois se o visse, Maresca poderia mudar de ideia e ir para outro lugar.
Assim que entrou no chalé seu telefone começou a tocar.
— Alô? Aqui é da delegacia... — Disse uma voz feminina. — O tenente Sakamoto está indo para aí conversar com o sr. Salvatore. Ele está aí?
— Quem fala é Valentim Salvatore. Ficarei à espera dele.
Sentando-se na varanda, ele aguardou com impaciência a chegada do policial. Assim que o carro oficial parou diante do chalé, Valentim levantou-se, ansioso.
— O que aconteceu?
—Daqui a pouco vou entrevistar aquele garçom de Cayman Brac que parece saber algo a respeito do iate. Imaginei que você e Maresca gostariam de estar presentes.
— Maresca foi passear de bicicleta, mas eu irei.
A delegacia de polícia ficava a uma certa distância da estrada. Valentim estacionou o carro e entrou. Não conseguia deixar de pensar em seus problemas com Maresca e arrependia-se de ter vindo. Preocupava-o mais esclarecer o que acontecia entre eles do que ouvir as declarações do garçom.
— Sente-se e conte tudo o que sabe sobre o iate e seus proprietários. — Disse Sakamoto, dirigindo-se ao jovem.
— Não fiz nada de errado!
— Mas você não foi acusado de nada.
— Eu apenas entreguei peixe no iate. Minha família entrega peixes a bordo dos iates ancorados no porto que chegam.
A julgar pela inquietação do jovem rapaz, Valentim desconfiou de que a família dele transportava para os iates algo bem menos inocente do que peixes.
— Então você subiu a bordo do iate dos estrangeiros?
— Várias vezes. Ele possui muita classe. A sala de jantar é tão grande que se pode dar uma festa.
— Quem é o dono dele?
— Não sei.
— Mas de que nacionalidade eram as pessoas que estavam a bordo?
— A maior parte fala uma língua diferente do inglês.
Aos poucos, Valentim começou a desconfiar de que os homens do iate eram os mesmos que o ameaçavam dentro da organização mafiosa. Como Maresca supunha, pertenciam a mesma organização que Valentim estava dissolvendo aos poucos, mas para os ouvidos pouco treinados do garçom a língua soava completamente diferente do que ele estava acostumado.
— Por acaso o homem de cabelos grisalhos, que deu aquela gorjeta ao seu colega, é o dono do iate?
Surpreendido, o rapaz olhou para Valentim como se acabasse de notar sua presença na saleta.
— Bem, foi ele quem me pagou o peixe um dia destes, mas existe outro homem a bordo. É mais alto, veste-se como um rei e parece ser o manda-chuva.
— Como ele se chama?
— Creio que é Masseria ou Maranzano. Ele tem o tipo daqueles mafiosos de filme antigo, fala diversas línguas e não se parece nem um pouco com os outros.
Valentim ficou pensativo. Agora, as coisas tomavam um rumo diferente. Por que cargas água aqueles dois estaria metido naquela história? Ambos jamais trabalhariam juntos, a rivalidade entre as duas famílias eram gigantescas, a não ser que a sua destruição os houvesse unido.
Imerso nesses pensamentos despediu-se automaticamente do rapaz, sobressaltando-se quando Sakamoto comentou.
— Lamento ter assustado esse sujeito, mas não quis perder a oportunidade de descobrir o que está acontecendo. Acha que ele deu alguma informação valiosa?
— Só saberemos mais tarde. Obrigado por seus esforços, detetive Sakamoto.
Após sair da delegacia, Valentim foi direto ao café. Não havia vaga no estacionamento, e ele foi obrigado a parar o carro um quarteirão adiante. Assim que entrou no salão, percorreu-o com o olhar, porém não encontrou o menor sinal de Maresca. Desanimado, concluiu que se haviam desencontrado.
Somente ao retornar ao chalé e constatar que a bicicleta dela não estava lá, lembrou-se de que não verificara o estacionamento. Era bem possível que Maresca a tivesse deixado lá, no caso de querer dar umas voltas pelas lojas.
Deitada de costas, com dores pelo corpo inteiro, Maresca sentia-se mergulhada na mais completa confusão, sem conseguir imaginar o motivo que a levara àquele lugar. Seu primeiro pensamento foi para Valentim. Se ele a tomasse nos braços, enlaçando-a pela cintura, talvez sua aflição desaparecesse...
Abrindo lentamente os olhos, procurou descobrir onde se encontrava. Teve uma sensação de enjôo, pois o assoalho subia e descia. Estava num camarote, em alto-mar! Gemeu, recriminando-se por sua estupidez. Desde que se tornara agente de polícia, nunca agira com tamanha imprudência. Afinal de contas, de quem seria aquele iate? Por que tinham colocado clorofórmio em seu nariz?
Forçando-se a sentar, notou, distraída, a bela colcha de cetim que cobria a cama onde estava deitada. No camarote havia também uma penteadeira em madeira de lei com espelho de cristal, além de uma pequena poltrona de cana-da-índia estofada de brocado, e uma mesinha de cabeceira com moldura de bronze, formando um ambiente dos mais luxuosos!
O sol entrava pela portinhola, e Maresca chegou à conclusão de que não ficara inconsciente durante muito tempo. Portanto, não devia estar longe de Grand Cayman.
Procurando controlar o enjôo, levantou-se e buscou apoio no encosto da poltrona. Um arrepio lhe percorreu o corpo, e gotas de suor molharam sua testa. Correndo para o banheiro, umedeceu a testa e sentou-se no chão, à espera de mais uma ânsia de vômito. Depois que seu mal-estar passasse, tinha certeza de que recuperaria as forças.
Uma hora mais tarde, ela pegou uma toalha e mergulhou-a na pia de mármore. Após preparar uma espécie de compressa, enrolou-a na cabeça e deitou-se na esperança de que a dor de cabeça cedesse.
Aos poucos a dor foi passando, e ela voltou a levantar-se. Girou com cautela a maçaneta, e para sua surpresa notou que a porta estava aberta, dando acesso a um corredor estreito, todo acarpetado. Seguindo por ele, Maresca observou que todas as portas se mantinham fechadas. De repente, o som de uma risada masculina a obrigou a voltar rapidamente para seu camarote. Passos se aproximavam, e ela se deitou, fingindo-se de inconsciente.
Pouco depois, a porta se abria e dois homens se aproximaram, trocando palavras rápidas.
— Ela ainda, não voltou a si. — Disse um deles, com sotaque italiano.
— É fingimento.
Maresca reconheceu imediatamente a voz, mas abriu os olhos, para ter certeza. Diante dela estava o homem de cabelos grisalhos.
— Não disse que ela não estava desmaiada? — Observou ele, sem esconder a irritação que sentia.
— Como vim parar aqui? — Perguntou Maresca, apoiando-se nos cotovelos.
Relanceando o olhar para o homem alto que acompanhava o de cabelos grisalhos, Maresca quase denunciou sua surpresa ao reconhecer Carlo Denaro, um mafioso famoso da Itália.
— Espero que se sinta bem, signorina Maresca! — Disse ele, com um sorriso em seus lábios sensuais.
Era um homem bastante bonito, reconheceu Maresca, lembrando os comentários dos demais agentes da agência de vigilância sobre seus inúmeros casos amorosos, quando ele ainda frequentava os círculos elegantes de Washington. Porém, havia em seus traços a marca da maldade, resultado sem dúvida de suas ações criminosas.
— É evidente que não posso me sentir bem. — Retrucou Maresca, levantando-se da cama.
— Fui drogada, levei uma pancada na nuca e não me alimento há horas.
— Normalmente quem se hospeda a bordo desse iate não se queixa da minha hospitalidade... Por favor, acalme-se. Foi informado a poucas horas de sua chegada e posso lhe afirmar que foi totalmente contra a maneira que os meus compatriotas a trouxeram para cá.
Assim que saiu do camarote, Carlo Denaro voltou-se para o homem que o acompanhava.
— Não aprovo em absoluto o que você fez, seu idiota! Sequestrar essa moça a fim de conseguir a cooperação de Valentim não vai dar certo de modo algum. Como podemos saber se ela significa alguma coisa para ele? E se significar, vocês idiotas, deveriam ficar em alerta máximo, pois estão mexendo com o ministro da Máfia. Mesmo que ele seja jovem na função, o jovem Salvatore já provou diversas vezes que é melhor que o pai e que o nosso líder.
— Ora, eles não se largam. Então me deram a ordem de trazê-la a bordo. Sabe como é aquele farabutto.
—E daí? Por acaso isso significa que ele nos fornecerá informações valiosas, com o objetivo de libertá-la? Julguei que você e seus patrícios fossem um pouco mais inteligentes! Valentim não é um homem a qual se possa manipular e muito menos chantagear!
— Pois então vamos nos divertir um pouco com ela e soltá-la em Cayman Brac. Sei que nossos homens deviam tê-lo consultado antes de trazê-la a bordo, mas não houve oportunidade.
— Seu idiota! Idiota! Eu me vejo obrigado a tratar com um bando de imbecis! Agora não há como libertá-la. Daqui para a frente, trate de não se intrometer mais! Lembre-se de que estou sendo pago para resolver este caso para vocês! Ou imaginou que nosso líder não ficaria sabendo de suas ações.
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