Capítulo 30 - O Ministro da Máfia
De manhãzinha, pouco antes de o dia nascer, os dois, abraçados um ao outro, murmuravam palavras de ternura. Maresca não quis ser a primeira a adormecer e permaneceu de olhos abertos, recordando os deliciosos momentos de amor.
Um pensamento insistente não a abandonava. Embora fosse algo muito frágil e que apenas se iniciava, precisavam discutir o compromisso que os unia.
Isso era importante, sobretudo para impedir que após a separação esse sentimento se diluísse e os dois voltassem a se refugiar em seus pequenos mundos, como se aquele encontro jamais tivesse acontecido. Insegura, ela abraçou Valentim com mais força, mergulhando num sono agitado, do qual despertou ao sentir as carícias dele.
— Valentim...
— Durma, meu bem. Não tive a intenção de acordá-la.
Ela seguiu lentamente o contorno de seus lábios com os dedos e beijou-o, sentindo que um tremor o agitava. Continuou a beijá-lo até que ele se excitou, deitando-se por cima dela e penetrando em seu corpo. O prazer veio rapidamente, e Valentim estendeu-se ao seu lado, acariciando-a com meiguice. Sexo pela manhã era algo excelente para despertar com bom humor.
Maresca adorava aqueles momentos de intimidade quando após fazerem amor, as diferenças entre ambos se diluíam. Ele murmurou o quanto a amava e ela fez o mesmo.
Aproximou-se bem, para que ele escutasse todas as palavras. Seus lábios roçaram a pele do rosto de Valentim e ela se preparou para desnudar sua alma diante dele.
Nesse exato momento um som estridente se fez ouvir, seguido pelo barulho infernal de metais que se chocavam. Maresca ergueu-se, assustada, e alguém começou a bater com toda força na parede.
— Identificação! Identificação! Último aviso: identificação!
— É Rosie! — Disse Valentim, muito nervoso, pulando da cama e vestindo-se rapidamente.
Maresca também se levantou, sem saber se deveria ou não acender a luz. Achou melhor deixar o quarto no escuro. Caso contrário, chamaria a atenção do desconhecido que invadira o chalé. Foi tateando até a cadeira onde estavam suas roupas, e vestiu-se com dificuldade.
— Saída! Última oportunidade de sair imediatamente! Raios mortíferos! Raios mortíferos!
— Vá pela frente, que eu saio pelos fundos. — Sugeriu Maresca, raciocinando rapidamente sobre o melhor plano de ação.
— De modo algum! — Protestou Valentim. — Dessa vez você vai ficar aqui, bem quietinha.
Assim que ele se retirou, Maresca o seguiu e dirigiu-se para a entrada dos fundos. Abriu a porta, sem fazer o menor ruído, e os gritos de Rosie cessaram. Será que o desconhecido encontrara um modo de torná-la inofensiva? Apreensiva, Maresca saiu na varanda e, encostando-se à parede, avançou com cautela.
A porta do chalé de Valentim estava aberta e, mesmo sem verificar, ela percebeu que o invasor havia fugido. Olhou em direção à praia, mas não conseguiu perceber ninguém. Daí a pouco Valentim aproximou-se.
— Ele sumiu.
— Você não viu ninguém?
— Não, mas a porta dos fundos ainda balançava quando cheguei. Rosie está bem?
— Só um pouco amassada. Bateu na parede. Preciso programá-la melhor para os quartos que vigia.
— Ela deve ter deixado o invasor morto de medo!
— Vamos lá dentro ver se alguma coisa foi roubada.
Após uma verificação cuidadosa, Maresca informou a Valentim que nada faltava. Suspirando de alívio, ele abriu a frente do robô e retirou outro micro clip, guardando-a no bolso.
— O que é isso?
— Uma gravação. Espero que Rosie não a tenha estragado.
— O que será que está acontecendo, Valentim?
— Juro que nem imagino, Maresca.
— Talvez seja mais um aviso para eu deixar a ilha. Tudo isso me parece insensato, absurdo! Você vem às ilhas Cayman realizar alguns testes com um robô que os seus concorrentes gostariam de roubar. Por acaso alugamos os dois lados de um mesmo chalé...
— E você se torna vítima de um acidente na estrada. Se é que foi um acidente.
— Não faz o menor sentido! Quando o acidente aconteceu, nós mal nos conhecíamos. —
Maresca refletiu durante alguns momentos. — Acabo de ter uma ideia. Por que não me apresenta às pessoas que estiveram em seu chalé naquela madrugada? Talvez eu consiga reconhecer uma delas.
— Eles não deixaram nenhuma indicação sobre o local onde se encontram. Se eu receber notícias deles, aviso, pode deixar. Agora, que tal entrarmos em contato com seu amigo da polícia?
Valentim precisa mantê-la ocupada e isso não seria nada fácil. Maresca era muito esperta.
— Tudo bem! Você prepara um cafezinho, enquanto telefono, Valentim.
Poucos minutos depois, Sakamoto chegava ao chalé. Juntos, os três examinaram com cuidado a areia à procura de pegadas e notaram que elas rodeavam a casa em direção à estrada. O policial decidiu tirar um molde de uma delas.
— Tenho o equipamento necessário no carro. — Esclareceu.
Quando Sakamoto terminou, eles se acomodaram na varanda, gozando a brisa da manhã, enquanto tomavam café.
— Harry me passou uma lista dos hóspedes que estiveram no chalé nos últimos dois anos. Já descobrimos que alguns usavam nomes falsos, o que não é de se estranhar aqui na ilha. E até agora nenhum deles acusou nada de suspeito em seu passado.
Confusa, Maresca olhou para Valentim, esperando que ele dissesse algo. Afinal, era muito estranho que não comentasse com Sakamoto a visita misteriosa daquela noite, uma vez que os estrangeiros queriam informações sobre o robô. Valentim, porém, olhava em direção ao mar e guardava o mais absoluto silêncio.
Sakamoto pôs a xícara em cima da mesa e levantou-se.
— Bem, vou indo. Continuarei com as investigações, Maresca. Ah, sim! Caso você se enjoe de Rosie terei muito prazer em adotá-la, Valentim!
— Não me esquecerei. Obrigado por ter vindo rápido, Deltan Sakamoto! Acho que somos os turistas mais atrapalhados que vocês já conheceram!
— Não, o recorde continua com uma mulher que se queixou do sequestro de seu filho caçula. Vasculhamos a ilha inteira até o marido dela declarar que nunca tiveram filhos.
Maresca caiu na risada, lembrando-se de alguns lunáticos que procuravam o FBI.
— Sakamoto é um bom sujeito. — Comentou Valentim, assim que o policial se retirou. — Detesto dar tanto trabalho a ele.
— O que faremos hoje?
— Que tal eu preparar o nosso café da manhã?
— Ótima ideia! Tenho uma surpresa para você...
— Posso espiar?
— De jeito nenhum! Por que não vai dar um mergulho? Aluguei um equipamento, que está guardado no armário da cozinha. Os recifes daqui são fabulosos.
— Depois de tudo que vem acontecendo, prefiro ficar ao seu lado.
— Seu bobo! Não vou a lugar algum e, de qualquer modo, Rosie pode me proteger.
— Certo... Já me convenci.
Assim que ele saiu, Maresca telefonou para o escritório do FBI. Disseram-lhe que Santineli chegaria mais tarde e ela deixou um recado, pedindo à amiga que lhe telefonasse. Pegou então seus instrumentos de ourivesaria e sentou-se à mesa da cozinha, continuando a confeccionar o prendedor de gravatas.
Em menos de meia hora terminou e gravou suas iniciais nas costas do presente. Deu-lhe então um polimento e guardou-o na bolsa, à espera do momento apropriado de entregá-lo a Valentim. Foi então para a praia, mas não o encontrou em lugar algum.
Um pouco apreensiva, voltou para o chalé, procurou recordar o que Valentim lhe explicara a respeito de Rosie e ativou o robô.
— Venha para a varanda da frente comigo. — Ordenou.
Rosie atravessou a porta e parou, obediente, na frente da cadeira, assim que Maresca sentou-se.
— Agora vejamos... — Disse Maresca, procurando se concentrar. Apertou vários botões, mas nada aconteceu. — Vamos, meu bem! Como consigo obter o cardápio para hoje?
— Aperte ao mesmo tempo os botões C-7 e C-10!
— Obrigada.
Maresca examinou cuidadosamente o cardápio que surgiu na tela e caiu na risada.
— Fantástico, Rosie! Pelo que vejo, você e eu vamos nos divertir muito!
Nesse momento apareceu na tela a frase: "Faça uma pergunta. Aperte o botão M-4".
Maresca ficou muito curiosa e perguntou aquilo em que pensava há muito tempo.
— O que Valentim diz de Maresca?
— Pergunta inoportuna!
— Você está com ciúme, Rosie!
— Pergunta inoportuna! Faça outra!
— Está certo, você venceu! Onde Valentim trabalha?
— Organizações governamentais, empresas privadas de segurança. A firma é particular e opera com licença do Estado. Ela é...
— Dispenso o resto. Quero saber de fofocas, não de fatos, sua boba. Não quer contar uns segredinhos de Valentim para mim?
— Não entendo a pergunta.
— Acho que você está precisando de uma boa lavagem cerebral!
Nesse momento, ela ouviu o barulho de um carro que se aproximava. Para sua grande surpresa, o veículo avançava em sua direção. Apavorada, deu um salto e gritou, certa de que o motorista perdera o controle da direção. Entretanto, o carro parou bem rente ao chalé, suas portas se abriram e alguns homens subiram os degraus.
Compreendendo o que acontecia, procurou proteger o robô com o corpo. Mas um par de mãos afastou-a com brutalidade, jogando-a no chão, e dois homens arrebentaram o robô com violência. Rosie contribuía para aumentar ainda mais a confusão, berrando por socorro. E tentando se defender. Seu modo de alto defesa não estava ativado. Até que os olhos do robô mudaram de cor e ela começou a se defender esmagando os punhos de um dos homens que gritou de dor. Os outros assustados correram de volta ao carro que os aguardavam.
— Seus idiotas, tragam essa maldita mulher robótica. O chefe precisa dos dados dentro dela. Gritou um velho que estava no banco de trás do carro.
Um dos homens pegando uma barra de ferro desferiu diversos golpes no crânio de Rosie a fazendo ficar desligada parcialmente.
— Idiota, cuidado para não danificar essa coisa! Voltou a gritar o mesmo homem.
Quando Maresca levantou-se, atordoada, e saiu correndo em direção a estrada, ainda conseguiu avistar o carro. Era o mesmo que a atropelara!
Entrando rapidamente, telefonou para a delegacia.
— Alô? Preciso falar com o policial Deltan Sakamoto! É urgente!
— Ele está num carro de patrulha. De que se trata?
— De um sequestro!
— Um momento! Vou entrar imediatamente em contato com o tenente Sakamoto.
— Está bem! Eu aguardo.
— Por favor, descreva a vítima e dê o endereço do local do sequestro. — Disse a telefonista, pouco depois.
— O endereço são os chalés a beira praia. Sou a testemunha e meu nome é Maresca Falconne.
— E a vítima?
— Rosie Salvatore. O tenente Sakamoto foi apresentado a ela hoje de manhã.
As informações foram transmitidas por rádio a Sakamoto, que imediatamente deu instruções à telefonista.
— É o robô! Pergunte a Mildred se ela tem alguma ideia da identidade dos sequestradores.
— Sim, trata-se do carro preto sobre o qual já falamos. Diga ao tenente Sakamoto que vigie a entrada da mansão sem perder tempo.
Quando voltou a falar, a telefonista parecia um tanto confusa.
— O tenente Sakamoto avisa que já se encontra a caminho da mansão. Fique onde estiver e ele se comunicará com a senhorita.
— Obrigada.
Assim que desligou, saiu correndo em direção à praia. Valentim acabava de nadar e, ao perceber o estado de tensão de Maresca, aproximou-se rapidamente.
— O que aconteceu, meu amor?
— Sequestraram Rosie!
— Acho que não ouvi direito...
Ela explicou em poucas palavras o que acabara de acontecer.
— Não acredito!
— Sinto muito, Valentim. Sei o quanto Rosie significa para você.
— Não é com ela que me preocupo. Afinal de contas, você poderia ter sido sequestrada também!
— A culpa foi minha. Se eu tivesse agido com a cabeça não a teria levado para a varanda da frente. Você me perdoa?
— Apenas aquilo que reveste Rosie foi raptado. Maresca. Posso perfeitamente reproduzir o cérebro dela. Eles não conseguiram o que procuravam. A mente dela está bem segura!
— Quer dizer então que você sabe quem sequestrou o robô?
— Tenho os meus palpites. Acho que foram aqueles sujeitos que me visitaram tarde da noite. Agora eles acabam de descobrir que existe uma ligação entre você e eu.
— Oh, Valentim, Rosie pedia socorro. Esperava que eu a ajudasse e não pude fazer absolutamente nada! Pode imaginar como me senti?
Ele sorria, com ar divertido, e Maresca sentiu-se encabulada.
— Entrei em contato com Sakamoto, e ele já está investigando.
Menos de uma hora mais tarde, o policial aparecia declarando que não notara nenhum suspeito nos arredores da mansão.
— Talvez eu tenha chegado tarde demais, mas posso me enganar. Não havia pegadas ou marcas de pneus na areia. Meu palpite é que os sequestradores estão indo em direção às docas, lá mandei imprimir uma circular.
— Por favor, desista disso. — Pediu Valentim, muito tenso. — Eu já dei muita dor de cabeça para vocês.
— Mas é a minha obrigação!
— De modo algum. Esse assunto está encerrado.
— Você é quem sabe. Afinal, o robô é seu.
Fez-se uma pausa incômoda, enquanto cada um deles pensava nas implicações da ordem de Valentim. Finalmente ela interrompeu o silêncio:
— Sakamoto, obrigada por sua cooperação.
Não esperava de modo algum que Valentim reagisse de modo tão estranho ao desaparecimento de Rosie. Talvez se enganasse, ao julgar que começava a conhecê-lo. Quando o policial se retirou, ela se voltou para Valentim.
— Não entendo...
— Cansei de causar problemas para a polícia de Cayman. Vou atravessar toda a ilha e ver se consigo localizar os sequestradores. Você vem comigo?
— E claro que vou, mas continuo não entendendo. Espere, vou buscar minha bolsa.
Eles rodearam a ilha várias vezes, mas sem o menor sucesso.
— Não há o menor sinal de Rosie. Vamos almoçar antes de voltar ao chalé, Maresca.
— Não sinto fome...
— Mas você precisa comer.
Num restaurante especializado em peixes e frutos do mar, Maresca examinou o cardápio, com expressão apática, enquanto Valentim encomendava uma salada.
— Anime-se, garota! Não é o fim do mundo!
— Sinto-me tão culpada por ter levado Rosie à varanda!
— Já disse que posso fazer outro robô.
— Você costuma se livrar das mulheres com tanta facilidade?
— Somente daquelas que têm o cérebro em duplicata... — Retrucou ele, em tom de brincadeira.
— Então não corro perigo...
Quando voltaram ao chalé encontraram Sakamoto sentado na varanda.
— Tenho ótimas notícias! Alguns garotos telefonaram para a delegacia, avisando que encontraram um objeto esquisito na praia.
— Onde? — Perguntou Valentim, com os olhos brilhando.
— Subam, "vou levar vocês até lá".
— Tem certeza de que não vamos atrapalhar?
— Se não forem comigo, ficarão sem saber como terminou o primeiro sequestro da ilha! Sakamoto seguiu pela estrada principal e, após percorrerem alguns quilômetros, tomou uma estrada de terra.
— Para onde vamos? — Perguntou Valentim.
— Para uma pequena baía. Creio que alguém esperava os sequestradores em um barco, que os transportaria até um iate.
— Um iate?— Exclamou Maresca. — Você não pode interrogar os garçons? Eles também viram um iate.
— Boa ideia! Telefonarei hoje a tarde e descobrirei se eles ainda se encontra em Grand Cayman.
Alguns garotos se encontravam na beira da estrada e ficaram muito excitados quando viram o carro da polícia se aproximar.
— Foram vocês que telefonaram para a polícia? — Perguntou Sakamoto, parando o carro perto deles.
Os garotos confirmaram e os levaram até a beira da praia. Lá chegando, afastaram alguns arbustos. Rosie estava toda desconjuntada, com os fios para fora, coberta de sujeira.
— Encontramos esta coisa. Foi Matt quem telefonou para a polícia. — Explicou um dos garotos. — Achamos que eram um corpo, mas quando chegamos mais perto, percebemos que havia um monte de componentes eletrônicos.
— Isso até parece com as bonecas que minha irmã brinca. Só que é bem maior! Afirmou outro garoto observando as partes da robô.
— Vocês fizeram um bom trabalho, meninos! — Disse Valentim, tirando a carteira do bolso.
— Quantos encontraram o robô?
— Quatro. Estamos todos aqui. Podemos ficar com o robô? Ele está todo estragado! Mas tenho um irmão que consegue concertar qualquer coisa. Aposto que ele pode juntar todas as partes dela.
Valentim concordou e entregou algumas notas aos meninos.
— Se quiserem, poderão construir o seu próprio robô algum dia. Este dinheiro é suficiente para encomendarem um estojo com todas as peças.
— Obrigado! — Disseram os meninos ao mesmo tempo.
— Valentim pegou Rosie e examinou-a detidamente.
— Foi exatamente como imaginei. Tiraram tudo o que ela continha, mas de nada adiantará. A menos que se saiba como montar Rosie, as partes que a compõem são inúteis.
— Por que você acha que eles a queriam? — Indagou Maresca.
— Não sei dizer. Talvez alguém estivesse interessado em construir um robô e o fato de roubar Rosie poderia ajudar.
— Seria por acaso um daqueles homens de quem você me falou?
— Quem sabe? Acho que não é o caso de investigar o que aconteceu. Vamos esquecer o assunto, está bem?
Sakamoto olhou fixamente para Valentim, mas não disse nada. Maresca teve a impressão de que o detetive ficara tão intrigado quanto ela. Hesitou, disposta a fazer novas perguntas, mas a expressão de Valentim a inibia. Afinal, não lhe competia descobrir o que acontecia com a vida profissional dele.
Valentim a cada momento ficava mais misterioso ainda. Seu modo de agir estava totalmente diferente. Ao mesmo tempo ele tinha um olhar firme e que carregava uma certeza assustadora.
2766 Palavras
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