Capítulo 3 - O Ministro da Máfia
"SE O MEU CAMINHO EXIGE QUE EU PASSE PELO INFERNO, ENTÃO, EU ANDAREI COMO SE FOSSE O DONO DO LUGAR"
Vestindo uma saía de praia feita a base de algodão crú com cordão amarrado na cintura, e uma blusa branca que lhe moldava os seios, Maresca abriu a porta do chalé e foi para a varanda.
Flores tropicais se espalhavam pelos canteiros, e uma pequena alameda enfeitada com conchas de ambos os lados serpenteava por entre o gramado. Tudo era bem organizado e harmonioso por onde se olhava.
A areia quente ainda guardava o calor do sol e era delicioso pisá-la. No horizonte, o sol se punha por trás das águas turquesa, criando reflexos róseos e avermelhados no céu. Realmente um belo entardecer para quem admirava ou mesmo curtia momentos intímos com a natureza.
Planejando dar um passeio antes que a noite caísse, por isso ela se apressou a se organizar. Assim que chegou à praia isolada, deixou suas coisas sobre a toalha e pisou na areia molhada, deixando as ondas banharem seus pés.
A água estava morna, e Maresca jogou a cabeça para trás, feliz. A brisa carregada de maresia revolveu-lhe os cabelos, dando-lhe uma incrível sensação de liberdade. Finalmente livre das preocupações do dia a dia, das missões e dos homens perigosas a qual ela tinha que caçar e prender.
Quando finalmente ela se deitou na areia, já era quase noite. Respirando fundo, procurou relaxar e disse a si mesma que fora até ali à procura de paz de espírito.
Será que Valentim Salvatore tinha viajado pela mesma razão?
Maresca notara pequenas manchas escuras em torno de seus olhos, provocadas pela tensão e pelo cansaço, e deduzira que na certa ele havia decidido desaparecer por não suportar mais as exigências impostas por seu trabalho.
Como agente do FBI, havia momentos em que ela se sentia totalmente incapaz de ouvir falar de desfalques, raptos ou qualquer tipo de crime. E esses eram os casos considerados leves em seu departamento. Além disso, o serviço que escolhera praticamente não tinha fim, pois no momento em que um mistério se resolvia, surgia outro.
Talvez as responsabilidades de Valentim pesassem tanto quanto as dela...
Quando ela voltou para os chalés, tudo se encontrava na mais completa escuridão, e o automóvel dele não estava ali. Tomando cuidado para não tropeçar nos degraus, esperou que seus olhos se acostumassem com a escuridão e caminhou até a porta dos fundos, entrando pela cozinha.
Tateou às cegas para acender a luz e só então sentiu-se à vontade.
Cantarolando, abriu a porta da despensa e com desagrado constatou que estava absolutamente vazia. De acordo com a conversa que tivera em sua central e com sua agente de viagens, caso pagasse uma taxa extra teria todos os alimentos básicos de que precisaria. Mas ela havia feito isso, como eles não providenciaram os alimentos?
Decepcionada e frustrada, Maresca pensou em telefonar para a agência de imóveis reclamando, mas decidiu não incomodar o corretor outra vez. Afinal, não lhe faria nada mal mudar de roupa e dar uma volta pela ilha, procurando um lugar para comer pelo menos por essa noite. Depois era só ir no mercado local e comprar tuo o que precisava.
O minimo de problemas possível, era isso que ela deseja agora.
Após tomar uma ducha rápida, vestiu uma outra camisa branca de seda e calça da mesma cor, amarrando o lenço vermelho de seda na cintura. Prendeu os cabelos para trás, com pentes prateados e com minuscúlas pedras de Straus, e fez uma maquiagem leve.
No momento em que calçava um par de sandálias com pedraria prateada, ouviu o barulho de um carro que se aproximava. Deduzindo que era Valentim quem retornava, não resistiu à curiosidade e espiou pela janela. De fato, o carro dele estava novamente estacionado diante do chalé.
Logo a porta vizinha foi aberta e ouviram-se passos na sala ao lado. Contrariada, Maresca percebeu que todo e qualquer ruído vazaria através das paredes do chalé, prejudicando a privacidade dos dois.
Num impulso, foi até a varanda e bateu à porta dele.
— Quem é? — Indagou Valentim distraído.
— Sua vizinha. Quem mais poderia ser.
— Olá! — Exclamou ele, abrindo a porta. — Entre. E mil desculpas é força do hábito. — Disse-lhe abrindo a porta.
Maresca aceitou o convite e examinou-o de relance. Valentim usava camiseta e calça de
algodão também, e de seu corpo se desprendia um cheiro agradável de loção pós barba.
— Por acaso a imobiliária deixou comida em sua despensa?
A minha está completamente vazia...
— Comida? — Repetiu ele, intrigado.
— Sim. É um serviço extra que eles colocam à nossa disposição. Você não solicitou?
A julgar pela expressão cética do rosto másculo, ele achava que Maresca inventara aquela desculpa apenas para vê-lo.
— Bem, confesso que não olhei ainda.
Dito isso ele foi até a cozinha e abriu a geladeira, onde havia manteiga, ovos e leite. E ao olhar na despensa notou que tinha o dobro de alimentos ali.
— Acho que se enganaram e trouxeram as suas coisas para cá. — Declarou, encabulado.
— Quer que eu leve tudo isso para a sua geladeira? — Perguntou, sem deixar de fitá-la.
— Não. Provavelmente irão cobrar de você. Antes precisamos saber se eles cobraram de mim ou de você, nessa caso, de você será das vezes. Pelo menos é isso que deve ter ocorrido.
O sangue de Maresca corria mais rápido nas veias, à medida que ela se dava conta de que jamais conhecera um homem que a tornasse tão consciente do próprio corpo.
— Onde você pretende jantar? Perguntou ele com certa curiosidade.
Naturalmente, Valentim achava que ela pretendia forçar uma situação, levando-o a sentir-se obrigado a convidá-la para o jantar.
— Estou planejando ir a algum restaurante local. — Respondeu, evasiva.
Fez-se uma longa pausa, e Maresca intuiu que seu companheiro travava um debate íntimo. Por fim, ele perguntou.
— Pretende ir sozinha?
Seus olhares se encontraram, e um silêncio cheio de promessas estabeleceu-se entre os dois.
— Sim. Você é única pessoa que conheço na ilha...
— Então é mais uma coisa que temos em comum. — Disse Valentim, sorrindo. — Não quer jantar comigo? Pelo menos essa noite, assim tenho a oportunidade de apagar a péssima impressão que possa lhe ter causado.
Valentim abriu a caixa de papelão que havia sobre a mesa da cozinha, tirando de dentro um pão fofo e redondo, uma caixa de morangos e uma garrafa de vinho, além de uma lata de patê, um queijo francês, azeitonas pretas e um pequeno vidro com caviar.
— Mas isso é quase um banquete! Onde conseguiu tantas coisas gostosas assim?
— Subornei o garçom de um dos hotéis vizinhos. — Explicou, com uma piscadela maliciosa. — Por favor, tire a louça do armário, que me encarrego do resto. O jantar fica por minha conta!
Valentim foi para a pia e Maresca observou-o. Aquele corpo atlético pouco tinha a ver com o que se esperava de um gênio das finanças, embora fosse verdade que era a primeira vez que ela se via diante de um deles... Esse pensamento a fez sorrir.
— Eu disse algo engraçado? — Ele perguntou de repente se virando.
— Desculpe... Estava lembrando uma coisa que li recentemente. Que tal levarmos a comida para a praia? Fui até lá quando o sol se punha, estava fantástico!
— Hum... espero um telefonema.
— Ah, sei... Trouxe guardanapos?
Valentim fez que não, e ela abriu a porta da despensa. As prateleiras estavam repletas e, enquanto ela procurava um pacote de guardanapos de papel, ele falou qualquer coisa.
— Desculpe. Não consegui ouvi-lo direito.
— Sugeri que levássemos a comida para a varanda dos fundos. De lá posso ouvir a campainha do telefone.
— Ótima ideia também.
Maresca fez o possível para ignorar a curiosidade cada vez maior que sentia. Mesmo que conseguisse ouvir a conversa ao telefone, não tinha a menor intenção de prestar atenção nela.
Afinal, decidira deixá-lo gozar da mais absoluta privacidade e pretendia manter essa atitude até o fim. No entanto, o fato de alguém lhe telefonar significava que o desaparecimento dele não era um segredo absoluto. Pelo menos uma pessoa conhecia o paradeiro de Valentim Salvatore.
De repente, notou um maço de rosas brancas num pequeno vaso e aspirou seu perfume.
— Espera alguém? Estas flores são lindas!
Após um breve instante de tensão, ele fez um gesto de irritação com uma das mãos.
— Comprei de um sujeito na rua. Foi a única maneira de me livrar dele.
O instinto avisou-a de que Valentim se esquivava de lhe revelar a verdade, e Maresca censurou-se por ter feito aquela pergunta. Dando de ombros, voltou às suas ocupações em silêncio.
Lavou os morangos e as outras frutas, colocou-os numa tigela, abriu a lata de patê e desembrulhou o queijo. Nesse momento, os corpos deles se encostaram de leve, e uma torrente de desejo invadiu-a, deixando-a surpresa pelo forte magnetismo que surgiu entre os dois.
Confusos, os dois permaneceram parados, sem dizer nada. A coxa de Valentim roçava na dela e seu braço tocava-lhe os seios de leve. O coração de Maresca disparou, e ele a fitou com intensa sensualidade antes de virar-se, avisando.
— Vou dar uma espiada na mesa. Talvez seja necessário limpá-la. Com licença...
A voz rouca de Valentim denunciava que Maresca não fora a única a ser afetada por aquele breve contato.
— Antes disso não quer me dizer seu nome? — Sugeriu ela, curiosa para descobrir se ele não mentiria, a fim de proteger sua identidade.
— Tem razão! Ainda não nos apresentamos. Sou Valentim Salvatore.
— Muito prazer, Valentim. — Maresca sorriu, contente por descobrir que ele estava sendo honesto. — Eu sou Maresca Falconne.
—Eu sei, Maresca. Caetano, o corretor, me contou. Maresca... bonito nome e bem diferente na verdade! Combina com você.
Foram para a varanda e arrumaram a mesa, Valentim abriu uma garrafa de vinho seco. Maresca olhou-a duas vezes, para ter certeza de que não se enganava. Vinho do Porto... Junto havia uma pequena caixa com chocolates amargos.
Pelo visto a Empresa a qual ele fazia assessoria devia ser bastante lucrativa!
— Por acaso, está comemorando algum acontecimento especial? — Perguntou, com um ligeiro sorriso de ironia.
—Não. Vamos brindar nosso encontro por enquanto.
Seus olhares se cruzaram, e a pulsação de Maresca se acelerou. Aquele momento lhe parecia carregado de uma estranha magia. As estrelas brilhavam no céu de veludo, o barulho das ondas morrendo na praia chegava até eles, e o forte perfume de jasmim e de rosas se misturava ao odor másculo daquele homem sensual e misterioso.
Era como se ela tivesse saído de si mesma e assistisse àquela cena a partir de uma perspectiva totalmente diferente. Sem dúvida a imagem persistiria, até mesmo quando outras lembranças se diluíssem ou desaparecessem.
— Pois então vamos beber ao nosso encontro. — Disse, ao perceber que Valentim lhe estendia uma taça. Tomou um gole e pousou a bebida sobre a mesa, perguntando. — Você come sempre assim com tanto requinte?
Valentim colocou um pouco de caviar em uma torrada e entregou-a a Maresca.
— Meu trabalho me ocupa tanto que muitas vezes esqueço de comer. Porém, acho uma pena as pessoas não se tratarem melhor. Seja honesta; você não costuma servir o que há de melhor aos seus convidados? Por que eu não o faria o mesmo comigo mesmo. Sabe nunca sabemos como pode ser o último dia de nossas vidas. — Explicou desviando o olhar por alguns segundos.
— Mas é claro! Não faria o menor sentido servir cachorros-quentes para os convidados e me empanturrar de coisas deliciosas assim que eles se retirassem. — Após esse comentário, Maresca deu uma risada sonora.
— Faça isso de novo! — Disse ele encantado.
— Isso o quê?
— Ria para mim. Sua risada é tão desinibida, natural... Me deixou feliz!
Valentim havia se inclinado para a frente e segurava-lhe uma das mãos com os dedos fortes e bronzeados. Ciente de que se aquele contato se prolongasse acabaria por perder o controle, Maresca retirou o braço lentamente.
— Fale-me de seu pai, Valentim. Você deve ter sangue italiano, não é mesmo?
Nos olhos de Valentim surgiu um brilho irônico, como se ele tivesse percebido perfeitamente a razão de seu embaraço.
—Meu pai, Christian "Valente' Salvatore, era italiano. Morreu quando eu era um adolescente. Mamãe é de origem espanhola... E seus pais?
— Como você, eu também tenho descendência italiana, por causa de meus avôs paternos. Meus avôs maternos eram irlandeses.
— Então você conheceu esses dois paises?
— Não, nunca sai dos Estados Unidos. E você?
— Moro em Austin, Texas, mas nasci em Los Angeles. Por isso gosto tanto de praias.
— Isto parece um outro mundo, não é verdade?
— Se você tivesse sido a primeira pessoa a pisar nesta ilha, que nome lhe daria?
Maresca levou a taça aos lábios, mas desistiu. Tendo aquele homem ao lado, não lhe custaria muito acreditar que estava de fato em outro planeta.
— Não sei... Nunca pensei nisso para ser sincera. Acho que escolheria um nome astral. Marte, Vênus... Não, isso é banal demais. Tem alguma sugestão para me ajudar nisso?
— Acho que estamos sintonizados no mesmo pensamento, Maresca. Minha companhia atualmente está com uma filial em Austin chama-se Guasar.
—E o que você faz? Trajes para viagens espaciais?
Com toda certeza, Valentim nem desconfiava de que seu retrato estava impresso na primeira página de todos os jornais. Gostaria de comentar o fato mas não queria estragar a deliciosa intimidade daquele momento. Por isso, resolveu fingir que nunca vira qualquer referência a ele.
— Eu ou a minha empresa?
— Ora, não é a mesma coisa?
— Não. Minha companhia fabrica robôs industriais, que eu invento. Ser inteligênte tem as suas vantagens, principalmente num mundo que anseia por produtos tecnologicos.
— Os inventores não são todos um pouco loucos?
— Talvez... Quem sabe isso seja necessário para a nossa criatividade. — Disse ao sorrir de lado.
Com as pernas cruzadas, Valentim sentava-se inteiramente à vontade e, ao contrário da maior parte dos homens, não tentava impressioná-la com a narrativa de suas proezas e habilidades.
Suas atitudes eram francas, abertas, sem a menor sombra de egocentrismo, o que a atraía e intrigava ao mesmo tempo. Por ele falar quase nada de si mesmo e ao fazer isso, não se gabava de sua inteligência previlegiada e nem de suas inúmeras habilidades.
— E o que você inventa agora?
— Robôs que andam e falam. Já não me preocupo apenas com braços mecânicos, que ocupam os lugares dos operários no setor de montagem das fábricas. Estamos avançando na área da IA.
— Posso lhe fazer uma encomenda? Quero um robô que passe aspirador no apartamento, dobre minhas roupas e lave os pratos.
— Pois tenho um que é capaz de quase tudo isso. Estelar sabe até mesmo como receber convidados e preparar ótimos coquetéis.
— Estelar? — Repetiu Maresca, indignada. — Por que não Alfred? A mim parece um bocado machista dar um nome de mulher ao seu robô doméstico.
— Mas Estelar não é uma criada! É uma amiga. Fala cinco línguas, canta minhas árias de ópera preferidas e me chama a atenção quando estou para sair com meias que não combinam com o terno.
— Valentim, pare de me gozar. É impossível que um robô tenha a capacidade de fazer tudo isso.
— Bem, talvez eu exagere um pouco, mas você se admiraria de saber a rapidez com que a tecnologia vem se desenvolvendo. Estelar é surpreendente e melhora a cada dia. E você, o que faz?
— Adivinhe...
O coração de Maresca começou a bater com força. Naquele momento não sentia a menor vontade de fazer comentários a respeito de seu trabalho.
Valentim contemplou-a longamente, o olhar percorrendo cada curva de seu corpo, como se pudesse despi-la ali mesmo de todas as peças de roupas que ela estava usando.
— Desisto... Você deve trabalhar em algo fora do comum...
Antes de iniciar a viagem, ela havia inventado uma história e a partir de agora aquilo se tornaria sua segunda identidade.
— Sou designer... Desenho e faço jóias personalizadas.
— Até que combina com o seu jeito. Mas como faz para lidar com o lado selvagem da sua natureza?
Valentim era sem dúvida muito observador, e durante um breve momento Maresca sentiu-se pouco à vontade por ele ter desvendado tão bem um lado de sua personalidade que poucos conseguiam ver.
— Mas que lado selvagem é esse? Primeiro você diz que sou desinibida e agora vem com essa! Não me lembro de ter feito algo que pudesse causar essa impressão.
Aproximando a cadeira da dela, ele lhe acariciou os cabelos com ternura. Perturbada, Maresca desejou que Valentim a tomasse nos braços e a beijasse com paixão. No entanto, ele logo se afastou, deixando-a com uma inexplicável sensação de vazio.
— Vou preparar um café para nós. Acredito que vai cair bem depois do nosso jantar.
2740 Palavras
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