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Capítulo 17 - O Ministro da Máfia

O jantar se deu num clima de surpreendente descontração. Valentim parecia ter superado suas preocupações e os donos do albergue percorriam as mesas, conversando com os hóspedes durante o intervalo das músicas tocadas por um outro conjunto em um pequeno palco, no centro do restaurante. Maresca e Valentim haviam pedido uma garrafa de vinho tinto para acompanhar o peixe na manteiga, coberto com amêndoas amassadas. Para sobremesa escolheram uma deliciosa torta de abacaxi com creme chantilly. Ao terminarem, pediram um café expresso.

— Fale-me da sua infância, Maresca. Seus cabelos sempre foram compridos assim?

— Se você não fosse descendente de italianos, eu lhe daria a resposta que costumo empregar nessas ocasiões.

— E qual é?

— O que você espera de uma autêntica Sueca?

— Imagino que as suecas valorizam a natureza e o conforto..

— Como adivinhou? Valentim, quando as pessoas visitam Estocolmo, geralmente ficam surpresas com o contraste de ruas e casas aconchegantes e caricaturadas e pessoas bonitas e bem vestidas. Por acaso já foi na Suécia?

— Não, mas isso aconteceu com minha bisavó. A família dela não gostava da família do meu bisavô e não queria que eles se casassem. Depois que tantas brigas e reviravoltas, minha bisá nunca conseguiu superar o ressentimento quanto a isso. Quase não os visitávamos e nunca tive muitos contatos com meus parentes de lá.

— Ah, que pena!

— Você sente orgulho de seus antepassados, não é mesmo?

— Fale-me de seu país de origem, a Suécia deve ser linda. Não sei nada sobre este país.

— É uma gente pacífica. Tudo está centrado em torno do lar e da família. As crianças suecas são sempre muito amadas e protegidas. No meu caso, eu era a caçula e fui mimada demais. Alguns dizem que temos sangue dos antigos vikings. Se você imagina as mulheres suecas como beldades loiras e altas com olhos cinzas ou azuis e belos traços faciais, então você está bem perto da realidade: muitas suecas são absolutamente lindas por causa de sua ótima genética e perfeito senso de estilo e moda.

— Não sente falta de sua família?

— Claro! Costumo passar a maior parte de minhas férias com eles.

Maresca lembrou-se de que, antes que explodissem os conflitos com Dallagnol, ela planejara ver a família— naquele— ano também. Entretanto, fora pressionada pelo chefe, que lhe recomendou ficar sozinha para pensar. Sorrindo, disse a si mesma que o envolvimento com Valentim não era exatamente o que Dallagnol tinha em mente...

— Amo o seu sorriso, embora me sinta excluído dos seus segredos...

— Desculpe. Eu pensava em minha família.

— Deixou alguém para trás, digo alguém importante em seu país?

— Não há muitos homens que diriam não a namorar mulheres suecas. Na verdade, ter uma namorada sueca é provavelmente uma fantasia para a maioria dos homens por aí. Se você quiser transformar essa fantasia em realidade, no entanto, pode precisar de alguns conselhos. "Se você gosta de loiras, você vai adorar a Suécia".

—Não duvido. Afinal, você é linda demais!

— Hum... chega de me lisonjear, ou vou ficar tão convencida que você não aguentará permanecer no mesmo quarto comigo.

— Isso é um convite?

Nesse momento o garçom trouxe o café, e Maresca estremeceu.

— Sente frio? Há um vento vindo do mar. Se quiser, pode trocar de lugar comigo. Você deve estar o recebendo e está esfriando um pouco.

— Não é preciso. Estou bem.

Ela não sentia frio, apenas apreensão. Tinha a estranha sensação de que alguém od vigiava. Tentando ignorar seu mal-estar, tomou um longo gole de café.

— Nunca pensou em redor para Itália porque lá não havia oportunidade para os jovens com a sua mente?

— Na verdade, eu nunca ,e imaginei voltando. Minha vida agora é outra, apenas estou buscando me encontrar.

— E você, também nunca pensou em retornar para Suécia? Teve medo de não conseguir se realizar profissionalmente?

— De fato o desemprego é alto, mas todas as minhas irmãs permaneceram lá. Elas e seus maridos estão se saindo muito bem. Uma é enfermeira, e a outra trabalha num hotel. Enfim, não é impossível sobreviver lá, desde que se queira. Mas eu sempre tive outros planos em mente.

— Não foi o seu caso, não é mesmo? Perguntou ela percebendo que Valentim também de repente ficou sério.

Um arrepio voltou a apoderar-se de Maresca e dessa vez ela teve certeza de que estava sendo espionada. Sua intuição jamais falhava.

— A tal corrente de ar aumentou, Valentim. Vou para o outro lado da mesa.

Solícito, Valentim levantou-se, mudando a cadeira dela de lugar.

— £ agora? Melhorou?

Ela assentiu com um gesto de cabeça e procurou disfarçar enquanto examinava as demais pessoas presentes no restaurante. Logo percebeu um suspeito. Tratava-se de um homem grisalho, mas com traços juvenis, vestido num terno escuro e elegante. Ele a encarava abertamente, e seus olhos de um azul pálido, a percorriam inteira, como se ele quisesse memorizar cada detalhe.

Inclinando-se um pouco para o lado, Maresca ficou parcialmente escondida por Valentim, que voltou a lhe fazer perguntas. Sem deixar de perceber o seu estranho interesse em um certo homem de terno.

— Sua mãe trabalha?

— Sim, desde que eu fui para o ginásio. Possui uma pequena loja de presentes, em Estocolmo, especializada em chocolates.

Embora procurasse satisfazer a curiosidade de Valentim, toda sua atenção estava voltada para descobrir por que o homem a encarava. Sua ousadia fazia prever algo de sinistro, pois parecia improvável que o desconhecido julgasse que ela se interessaria por sua pessoa, quando estava sentada ao lado do homem mais atraente, entre todos os presentes.

— Existe alguma coisa em sua família que a preocupe?

— Não. Por quê?

— Você está demorando cada vez mais para responder às minhas perguntas.

— Talvez seja porque eu sinta saudade de casa. Como falei, os suecos apreciam a vida em família também, assim como os italianos. Telefonarei para mamãe quando voltarmos a Grand Cayman.

— Como a invejo! A gente só descobre o quanto ama uma pessoa depois de perdê-la...

Comovida, Maresca esqueceu suas preocupações por um momento e passou a mão pelo rosto de Valentim.

— Não consigo imaginar o que seja perder um dos meus pais, Valentim.

— Bem, hoje pelo menos não estaremos sós, Maresca, pois temos um ao outro.

Relaxada, Maresca recostou a cabeça no ombro dele, de tal modo que ficou completamente fora do campo de visão do homem de cabelos grisalhos. Sentia que o desejo de Valentim era o mesmo que a invadia. Aquela noite lhes pertencia, e ninguém, sobretudo um sujeito inteiramente estranho, iria interferir.

— Sr. Salvatore. Telefone para o senhor. Queira ir até a recepção.

— Deve ser Turner. Logo estarei de volta. Não desapareça, ouviu?

Ao ficar sozinha, ela se endireitou e tomou mais um gole de café antes de olhar para o desconhecido. Ele ainda a observava, mas dessa vez sua atitude era diferente. Fez um leve aceno com a cabeça e dirigiu-lhe um sorriso irônico, que a deixou indignada. Num gesto impetuoso, Maresca levantou-se e foi até a mesa dele.

— Por acaso acha que me conhece, senhor?

— Por favor, sente-se. Imaginei que viria até mim assim que surgisse a oportunidade.

— Deixe de dizer bobagens. Não aprecio de modo algum as suas atitudes tolas.

— Ao contrário. É a senhorita que se comporta como uma tola. Sente-se, por favor, senão acabará chamando a atenção de todos.

Após examiná-lo, Maresca não conseguiu chegar a nenhuma conclusão quanto à nacionalidade dele. Devia ter uns quarenta e cinco anos. Vestia roupas caras, tinha boas maneiras e usava um anel de diamantes no dedo mínimo da mão direita.

— Talvez nos conheçamos... Será que nos encontramos naquele festival nas Bermudas, o ano passado? Quem sabe fosse convidada de nosso grupo empresarial.

— Em absoluto!

— Ah, agora me lembro! Foi em Scottsdale, Arizona, no leilão de cavalos árabes.

O desconhecido tirou um maço de cigarros do bolso e, sem dizer nada, colocou dois na boca. Após acendê-los, inclinou-se e entregou um a Maresca, com um sorriso sedutor.

— Não se lembra da família Maldonado, na Páscoa do ano passado? Passamos juntos uma noite inesquecível. Jamais tinha conhecido uma mulher tão ardente... Qual é mesmo o seu nome?

Controlando a vontade de esbofeteá-lo, ela cruzou as pernas e esboçou um sorriso sedutor, antes de tirar o cigarro dos lábios, enfiando-o na boca dele.

— Eu não fumo! — Falou com suavidade. — Também não gosto de engodos e nem de trapaças. Garanto que você conhece esses lugares somente através de cartões postais. Portanto, não tente se aproximar de mim. Se continuar a me perturbar, garanto que vai ter muito trabalho.

Maresca levantou-se, mas ele agiu antes dela, impedindo-a de se retirar.

— Sugiro que deixe esta ilha e Grand Cayman também. Lembra-se dos acidentes com o carro e a bicicleta? Tudo isso não é nada, em comparação ao que vai acontecer caso você não vá embora.

Dito isso, ele se retirou, apressado, mas um garçom o deteve na porta.

— Qual é o número do seu quarto, para eu pôr o jantar na sua conta?

— Não estou hospedado no albergue. — O desconhecido entregou algumas notas ao garçom, acrescentando. — Tenho pressa.

— Mas é dinheiro demais! — Protestou o rapaz, arregalando os olhos. — Deixe-me fazer a conta.

— Fique com o troco. — Disse o homem, afastando-se.

Maresca tentou segui-lo, mas foi barrada pelo garçom, que sorria.

— A senhorita o conhece?

— Não, mas bem que gostaria. Preciso saber o nome dele.

— Mesmo que eu soubesse, não diria. Ele me deu a maior gorjeta que já recebi até hoje.

— Tome cuidado para que esse dinheiro não seja falso!

Como Maresca desconfiava, não havia ninguém na recepção do albergue. Hesitou e seguiu em frente, quase esbarrando em Valentim.

— O que aconteceu, Maresca?

Indecisa, optou por não lhe contar o que havia acontecido, temendo complicar ainda mais a situação. Se fizesse isso, precisaria também revelar que trabalhava para o FBI, e ainda não chegara o momento apropriado. Enquanto não descobrisse o que havia por trás daquele encontro surpreendente, ficaria de olhos muito abertos e boca calada.

Durante os anos em que trabalhara como detetive tinha aprendido uma lição preciosa: As ameaças quase sempre eram inofensivas. Quando alguém quer prejudicar um inimigo, não se dá ao trabalho de anunciar o fato. Por isso, achava que aquele homem tentava apenas assustá-la... Mas por quê?

Quem seria ele? E qual a sua ligação com os ocupantes do carro que a atropelara?

Eram enigmas que ela não tinha condições de resolver naquela noite e que talvez jamais fossem esclarecidos.

— Fiquei inquieta com a sua demora! — Disse ela, forçando um sorriso.

— Desculpe, mas Turner insistiu para que eu decifrasse algumas mensagens que Hunter está transmitindo. Já terminou o café?

— Sim. Vamos para o terraço de cima?

Dali a pouco, enquanto bebericavam um finíssimo licor curaçau, Maresca contemplou os reflexos da lua sobre as ondas do Caribe. Os últimos traços da inquietação provocada pelo encontro com aquele homem haviam desaparecido, e sua expressão estava serena.

— Gostou daqui? — Perguntou ele, sorrindo.

— Muito... Sinto-me tão sonolenta.

— Durma, então. Prometo carregá-la para o meu quarto.

— Excelente proposta! — Exclamou ela, recostando-se na espreguiçadeira.

Meia hora depois, quando despertou, ele a carregava nos braços e tentava tirar a chave do bolso.

— Desculpe... — Maresca lhe disse. — Não tive a intenção de obrigá-lo a me trazer até o quarto.

Ignorando os protestos de Valentim, foi para o chão.

— Quantos hóspedes você encontrou, enquanto vínhamos para cá?

— Vários. Eles me deram os parabéns por ter uma noiva tão bela.

— Essa não, Valentim! Não costumo adormecer tão profundamente.

— Adorei carregar você...

Assim que entraram no quarto, em penumbra, seus lábios se encontraram. Valentim a desejava com tal intensidade que ela chegava a duvidar de que não estivesse sonhando. No entanto, somente quando a acariciava e faziam amor, ele conseguia aplacar a sede que Maresca lhe provocava.

A raiva e os ciúmes eram mais fortes do que tudo, e Valentim se desprezava por isso. Quando tinha ido atender o telefone, ele se voltou e surpreendeu Maresca à mesa daquele homem grisalho, sorrindo para ele. Será que ela conhecia aquele indivíduo? Pela primeira vez experimentou a dúvida. Quem sabe Maresca não fosse a turista inocente que aparentava.

Quem lhe garantia que ela não agia em combinação com a própria organização para mantê-lo satisfeito e bem controlado?

2020 Palavras

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