Tu, que habitas no jardim
Para todo aquele que quis parar. E para todo aquele que parou.
Por mil anos eu permaneci deitada no topo da montanha. No objetivo, no topo, de onde eu posso ver tudo. E eu era apenas uma casca seca e sem vida, deitada e encolhida. Até que um dia ele me segurou com o braço direito apoiando minhas costas. Com o esquerdo, me mostrou que de dentro dos meus olhos ainda saía luz. Uma luz azul, quente, que vem de cavernas profundas na alma. Luz azul de milhares de anos, perfeitamente enterrada e justaposta aos meus fundamentos, no mais profundo do meu ser. Mas, apesar daquela luz, havia frieza. Eu era fria, muito fria.
Ele colocou a mão esquerda sobre a minha boca e, dos meus olhos, saiu uma imensa luz amarela e quente, quente como o sol, iluminando os céus acima. O calor me encheu e minha pele antes calcificada e enrugada se tornou jovem novamente. Meus ossos quebradiços e esfarelados se tornaram inteiros, minha pele rígida como uma casca se tornou maleável. Eu voltei a respirar, mas não tinha forças para andar.
Ele colocou meu braço em volta dele e o dele em volta de mim e desceu a montanha comigo, levou-me a uma mesa farta e comprida no meio do deserto. Eu mal conseguia andar, mas me esforçava para tentar ajudá-lo a me carregar. Mas os meus esforços eram mais para mim mesma: era ele quem me mantinha de pé e me movia.
Quando cheguei à mesa, muitas vasilhas estavam vazias. Ele falou sobre o que eu tenho para trazer à mesa. Que são coisas que só eu posso fazer, só eu sei e só eu irei. Me disse que minha contribuição é mais importante do que penso.
Minhas pernas cederam. Cansaço, cansaço, cansaço. É muito difícil. Talvez porque sei que não me trará glória. Não há ansiedade boa, apenas medo e má vontade. Eu sei, eu sei. A minha natureza é má, e eu sou toda inclinada para mim mesma.
Eu tentei tanto. E eu errei tanto. E é tão difícil voltar. Eu sei as dores, sei onde dói, sei o compromisso, sei como dói ver o descompromisso. Eu queria tanto poder ajudá-lo. Eu disse que iria com ele para também morrer com ele. Mas eu viveria com ele? E apascentaria seu rebanho?
Eu sinto que os passos que vêm serão sobre espinhos. Eu fecho os olhos e vejo sangue. O sangue é dele. O sangue é meu. O choro é meu. E dele. Há pedidos de ajuda, mas só meus. Ele consumou tudo. Como conseguiu? Minhas mãos atrofiaram. Como as dele permaneceram abertas depois de furadas?
Meus pés não sustentam meu corpo. Como os dele sustentaram um corpo pendurado?
Nunca terei sua força. Eu quis tanto ser como ele. Hoje nem consigo ajudá-lo a me carregar. Eu sou pesada até para mim mesma.
Eu quero tanto dormir em seu colo, mas ele caminha entre as flores além de estrelas que eu sequer posso ver.
As ondas me submergiram e ele me puxou de volta. Foram segundos que pareceram horas e horas que pareceram dias e dias pareceram mil anos.
Eu fui chamada, e devo responder. São os sons dos tambores da batalha. Oh céus, eu retirei minhas tropas antes desses rios se formarem. As risadas que eu ainda posso ouvir, as vozes que o vento ainda traz, os ecos que vêm junto à chuva. Eu me lembro de cada um deles.
Tem misericórdia de mim, esse que me carrega, porque minhas pernas que um dia correram, hoje não podem me manter de pé. Tem misericórdia, pois eu já entrei no Santo dos Santos, mas me amarraram para fora do arraial. Sim, o inimigo. Ele me cobriu com mantas e mais mantas, e eu sufoquei até que tudo ficou preto. Senta-me à mesa, eu te peço, porque não consigo caminhar sozinha até ela. Dá-me de comer, porque não consigo mais segurar facas. Dá-me de beber, porque fui drenada todos os segundos dos últimos meses. Faz sombra pra mim com uma árvore, pois não vejo vida para onde olho, mas sei que tens sementes contigo.
Tu,
Que habitas no jardim,
E veio me buscar no deserto.
Me leva pra casa.
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