Por milhares de anos Ele esperou por mim. Desde antes da fundação do mundo, fui eleita nele. Antes que as estrelas brilhassem e o sol aquecesse as flores, ele pensou em mim.

Sóis nasceram e morreram, primaveras e invernos se passaram, construiu-se e criou-se, e ele pensava em mim. Ele quis pensar em mim, sua escolha foi livre. Escolheu, sem receber benefício algum, esperar por mim por milhares de anos a fio. Dia após dia após dia após dia.

Eu o vi do tamanho de um homem, mas ele tem gravidade própria. O chão e o teto se distorcem em torno dele, sendo sugados para ele, como tudo ao seu redor. Tudo é atraído para ele... e eu também. Meu coração salta e queima, minha alma deseja estar tão perto dele; deseja que eu esteja nele e ele em mim até que não possamos ser diferenciados um do outro.

Eu o vi como um homem, mas ele tem luz própria. Ele brilha e a luz em torno dele é o branco mais puro. Espalha-se e ilumina toda a casa, muda os tons das cores, derruba paredes, abre cortinas. A luz dele ilumina, aquece e purifica tudo o que toca. Ela enche, ela acalma. Sua luz é sua coroa e emana dele. É brilhante, tão brilhante, ilumina até as cavidades mais profundas do meu ser, mas não me cega. Eu o vejo. Eu sempre o quis ver, mas não pude.

Ele se sentou no meio da sala. Eu quis me aproximar e tocar nele, mas ai de mim. Eu sou impura e indigna. Não sou digna de estar na mesma sala que ele, não sou digna de tocar nele, não sou digna sequer de olhar para ele de longe.

Afastei-me de costas até minhas costas baterem na parede e coloquei minha testa no chão frio.

Daria tudo para tocá-lo e sentir seu toque, mas não sou digna. Como poderia ser? Minhas lágrimas encheram o chão abaixo de mim.

Não, eu jamais seria digna de ir até ele.

Mas ele se levantou e caminhou até mim. O Eterno permitiu-se nascer e envelhecer, o Deus glorioso de luz própria permitiu-se caminhar como homem de aparência comum, o Santo com gravidade própria permitiu-se suportar o peso de madeira pesada.

Ele veio pessoalmente até mim e me tocou, me ergueu. Deu para mim seu corpo de carne e sangue que guardava dentro de si o Eterno, tomou-me em seus braços, me ergueu e sustentou com seu braço forte minha cabeça para que eu olhasse para ele.

Fundiu-se tão profundamente comigo que posso entrar no Santo dos Santos, em sua majestosa presença, sem ser esmagada pelo peso de sua glória. Está tão fundo em mim que se o tirarem de mim, morrerei.

O Infinito e Eterno, com sua luz e sua presença estonteantes, passou a habitar dentro de mim. O princípio e o fim, o meu Amado.

Olha para mim, sentado no chão da sala, faz-me promessas, sorri para mim com tanta sinceridade quanto possível e me olha com seus olhos brilhantes e inocentes.

O próprio Deus. O meu Amado. Eu sou dele, e ele é meu.*

Revestido de honra e glória, de quem anjos escondem o rosto e o nome o qual era pronunciado apenas uma vez ao ano. Alguns o chamaram de Senhor, outros de Todo Poderoso, outros de Rei dos reis.

Eu, porém, entrei na sala do trono e me sentei no seu colo. O abracei e ouvi o pulsar infinito de seu coração. Eu o chamarei de Amado.

O meu Amado Eterno. Que é meu. De quem eu sou. E ele não me será tirado.*

*1: Cantares 6:3

*2: Lucas 10:42