A Figueira
Eu disse que iria com ele para também morrer com ele*, mas eu não sabia o que viria pela frente.
Depois de tanto tempo, o jugo estava pesado; minhas mãos, cansadas e cheias de calos; minhas pernas doíam; minhas roupas estavam rasgadas; minha pele, coberta em sangue seco, molhado e pingando. Os hematomas eram muitos e de muitas cores, eles se espalhavam pelo meu corpo, tão frágil e cansado.
Meus joelhos cederam e eu caí sobre eles. Não aguentava mais manter minhas mãos erguidas carregando o jugo. Foi derramando muitas lágrimas dolorosas e soluçando que admiti: "não aguento mais".
Minha vista turva aos poucos se apagou. Aceitei prontamente meu destino, pois fosse qual fosse, eu não me arrependia de ter morrido carregando o jugo do meu Amado.
Para minha surpresa, abri meus olhos novamente. Uma luz cegante me atingiu. Quando voltei a meus sentidos, eu estava deitada com as pernas no chão, mas o meu Amado me abraçava, sentado ao meu lado, sustentando minha cabeça com uma de suas mãos.
Estávamos em um jardim belíssimo, onde as árvores eram muitíssimo altas e belíssimas. A luz vazava por entre as copas das árvores em vários raios que chegavam ao solo, onde a grama verde era cama para muitas flores de todas as cores, misturadas como que se todo o chão fosse um buquê. Borboletas laranja voavam às dezenas pelo lugar, no mesmo ar em que vagalumes, brilhando em plena luz do dia, rodopiavam.
Era um lugar tão iluminado que até mesmo as cores eram mais vibrantes. Eu nunca vira um verde tão puro ou um céu azul tão expressivo. Tudo era luz... inclusive o meu Amado.
Ele me olhava com aqueles olhos que eu conhecia bem. Olhos que sorriam junto com sua boca. Aquele sorriso vinha do fundo de sua alma, tão leve e calmo... fez-me sorrir também. Aqueles olhos transmitiam tanta paz que meu coração pareceu bater mais devagar, descansando por confiar que aqueles olhos não me fariam mal algum.
Eu pisquei lento, meu corpo amolecendo.
Eu ainda estava suja de sangue, minhas roupas, rasgadas. Naquele lugar belíssimo, eu era a única cena de destruição.
Mas ele me segurava firme sem medo de se sujar com o meu sangue. Não... meu sangue não poderia sujá-lo. Onde ele tocava, o sangue sumia e o local tornava-se limpo.
Ele se moveu um pouco do meu campo de visão e olhou para outro lado, eu segui o seu olhar.
Lá, uma figueira enorme e frondosa se estendia muito mais alto do que todas as árvores. O choro me atingiu e ele voltou a olhar para mim, seu sorriso maior ainda.
— Valeu a pena — eu disse para ele com o pouco de força que me restava.
Ele balançou a cabeça positivamente sorrindo e tocando meu rosto de leve, acariciando-me.
Muitas foram as vezes em que pensei que não iria suportar esperar tamanha promessa crescer. Conforme os anos foram se passando, eu voltava à figueira e, extremamente decepcionada, eu chorava e caía sobre os meus joelhos, chorando ano após ano, gritando e perguntando a Deus o motivo de tamanha demora para que os frutos nascessem. Muitas foram as vezes em que quis cortar a árvore, mas ele sempre vinha ao meu encontro e dizia para ter fé.*
Oh, sim, ele fez frutificar. O trabalho das mãos dele foi completo, e o jugo que eu carreguei foi do peso que eu poderia suportar. A cruz que carreguei foi do meu tamanho.
A figueira era frutífera e os figos eram centenas em uma árvore com dezenas de metros de altura. Aquela gigantesca árvore alimentaria não somente a mim, mas a muitos; seria, também, sombra para muitos, por onde eu passasse contando sua história. Perante essa história, toda língua confessaria que o Senhor é Deus.
— Minha amiga, levante-se — ele disse.
Em um piscar de olhos, eu estava de volta no lugar onde carregava o jugo. Olhei para cima... e ele estava lá. Ele segurava meu jugo. Ele sempre esteve segurando meu jugo comigo.
— Mestre, foi apenas um sonho? — eu me virei e abracei suas pernas, escondendo meu rosto em suas vestes.
— Não, foi uma promessa — ele respondeu e se abaixou, ficando da minha altura.
Quando pensei ter sido esmagada pelo jugo, eu já não aguentava mais. Por um momento, eu desejei não abrir mais os olhos. Desejei não voltar do jardim. Contudo, não me arrependo de nenhuma das minhas escolhas. Eu quis ir e morrer ou viver com o meu Amado — o que ele quisesse. Meus sacrifícios, as noites em claro, as dores, os gritos — eu teria feito tudo de novo. Morreria com ele, a seus pés, se ele me pedisse.
Mas ele me pediu para caminhar mais. Foi com choro e dor que respondi que sim, mas que eu já não conseguia mais manter a cabeça erguida. Os chicotes que me transpassaram a pele não permitiam mais que minhas costas ficassem retas. Meu sorriso já não seria mais possível, seria crueldade demais pedir isso. Mas, sim... caminharia por ele.
Seus olhos estavam cheios de lágrimas por mim. Ele colocou o jugo de lado e me abraçou, chorando alto enquanto eu me permiti desmoronar em seus braços.
Então as pessoas em volta, olhando, disseram:
— Veja como ele a amava!*
Seus olhos transpassavam minha pele e viam minha alegria morta. Ele chorava por... mim. O grande Mestre chorava por mim.
— Minha amada, levante-se — ele ordenou.
Em um piscar de olhos, eu estava sentada numa igreja cheia de pessoas. Eu chorava de cabeça baixa, perguntando a ele mil coisas. Ele se agachou à minha frente e a visão de seu rosto cobriu o chão o qual eu encarava.
Com um sorriso leve e cúmplice, de quem iria comigo e seria meu guarda-costas por onde eu andasse, ergueu uma tiara à minha frente. Era um arco-íris perfeito,* como uma auréola. Com suas próprias mãos, ele a colocou sobre a minha cabeça. A tiara arco-íris ficou flutuando acima da minha cabeça enquanto ele sorria para mim. Então... eu finalmente sorri de volta.
Em um piscar de olhos, eu estava de pé ao lado dele, ao lado do jugo. Todo o sangue em mim havia sumido e eu estava limpa, com vestes novas. Abaixei-me, peguei o jugo e ele se posicionou atrás de mim, ajudando-me a segurar com suas mãos. E, juntos, nós partimos para terminar o que começamos, com sorrisos abertos, pois a aliança que estava em mim havia sido colocada pelo meu Amado, que é meu, e que é o mesmo que me prometeu que, um dia...
... a figueira dará frutos.
"Porquanto, ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja vacas, todavia, eu me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação." (Habacuque 3:17-18)
*1: João 11:16
*2: Lucas 13:6
*3: João 11:36
*4: Gênesis 9:16
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