Capítulo 7
Eu estava dormindo - o que eu não tenho feito ultimamente -, quando começaram a bater na porta. Levantei de cueca mesmo (sim, eu durmo de cueca, debaixo do cobertor, com o ar-condicionado ligado no último) e fui atender.
- Ah, olá jovem Ellouise.
- Théo! Você está semi-nu na minha frente, espero que isso signifique que está se arrumando!
- Me arrumando pra que? Hum, cê tá bonita. Isso é um vestido com coisinhas douradas indianas? Legal... Ah! A gente ia sair, né? No cinema...
- Ah, você lembrou! - ela disse, irônica.
- Lembrei! Entra aí, eu fico pronto em... dois minutos.
Peguei uma calça do chão, uma blusa preta que tava no banheiro - porque eu usei ontem -, a jovem jogou uma camisa de flanela xadrez minha que eu não faço ideia de onde estava e coloquei meus tênis.
- Meu jovem, passa um perfume. Odeio gente fedida perto de mim.
- Fresca.
Peguei o perfume do presidiário, passei no quarto inteiro e comecei a andar. Depois, passei no pescoço, nos braços, na calça, no cabelo e no sovaco.
- Pronto? Podemos ir agora?
- Calma, minha jovem. Preciso escovar os dentes. - Fui no banheiro, fiz um xixi, escovei os dentes, me olhei no espelho e voltei. - Pronto. Agora a gente pode ir.
- Até que enfim!
Nós pegamos um táxi pra podermos chegar no shopping. Fomos até o cinema, compramos o ingresso, depois compramos pipoca, coca, umas balas e chocolate. Entramos na sala e fomos nos sentar em nossos lugares, lá no fundo. O filme começou e, pelo visto, só tinha a gente. Também, quem é que vai querer assistir um filme sobre uma árvore? Só a Ellie mesmo! Teve uma hora em que um casal saiu rolando na grama, perto da árvore, e depois de um tempo apareceu fazendo um piquenique com seus dois filhos. Me lembrei de quando eu larguei a Ekena no meio de um parque... Só que ela tinha tipo uma pulseira, que avisava no celular do meu pai aonde ela estava. Eu também tinha. A gente fugia bastante.
- É tão fofo esse filme!
- Shiu! Jovem Ellouise! As pessoas querem assistir o filme!
- MAS SÓ TEM A GENTE AQUI!
- DEVE SER PORQUE ESSE FILME É UMA BOSTA!
- NÃO QUER FICAR AQUI, ENTÃO VAI EMBORA!
- NÃO POSSO IR EMBORA, EU PAGUEI CARO NESSE INGRESSO!
- ENTÃO CALA A BOCA! DEPOIS EU VOU ASSISTIR AQUELA PORRA DE FILME DE ROMANCE COM VOCÊ, NÃO VOU?
- NÃO SEI. VOCÊ VAI?
- Vou. Eu te falei que ia. Por favor, me deixa assistir o filme.
Peguei meu celular e comecei a jogar. Eu dormi, joguei pipocas no cabelo da jovem sem que ela percebesse, dormi mais um pouquinho... E nada daquele filme acabar! Quanto tempo dura isso?
Depois de mais uma eternidade, o filme finalmente acabou. Nós nos levantamos - eu dando graças a Deus que tinha acabado e a jovem chorando de tristeza - e começamos a sair da sala.
- Você viu naquela parte em que querem derrubar a árvore, mas o casal não deixa?
- Não. Eu não tava prestando atenção. - Olhei para a Ellouise e percebi que as pipocas ainda estavam grudadas no cabelo dela. Comecei a rir igual um retardado. - Hahahaai, jovem... Meu Deus...
- O que foi?
- Calma... hahahaha... Tá, calma. Hahaha. Tem pipoca no seu cabelo.
- Aonde? - Ela colocava a mão nos únicos lugares em que não tinha pipoca.
- Espera, deixa que eu tiro.
Cheguei mais perto dela e comecei a tirar as pipocas. Ela me encarou com aqueles olhos meio castanhos e meio verdes e... Cara, o que eu tô fazendo? Estou descrevendo a menina como se eu gostasse dela! Não, já li muito livro desse jeito. O cara descreve ela, aí vai se aproximando e... pimba. Não. Para. Parei de olhar para sua pele morena, como das indianas e... Tá, chega dessa viadagem.
- Pronto?
- Pronto. Agora a gente tem que assistir o outro filme! Vamos, minha jovem!
- Odeio que você me chame de "minha jovem".
- Por que, minha jovem?
- Porque eu não sou sua jovem! Fala isso pra Stela! Por que é que com a Stela você não faz as brincadeiras que faz comigo?
- Porque ela é chata. Você é legal, jovem Ellouise.
- Meu nome também não é Ellouise. É Ellie.
- Nossa, você quer que eu te chame apenas de "Ellie"? É muito normal, muito chato. Eu deixo você me dar um apelido também, minha jovem.
- Ok, meu jovem.
- Não, "meu jovem" não pode! Eu já te chamo de "minha jovem".
- Mas então! Nós seríamos os amigos jovens!
- Você nunca falou uma merda tão grande, minha jovem.
- Eu sei, meu jovem. Vamos comprar os ingressos pro outro filme.
- Eu comprei quando a gente comprou o outro. E ainda tem um monte de comida, então... acho que é só a gente entrar na sala.
Nós entramos na sala do filme que eu queria assistir e... estava cheia! Eu sei escolher filmes, gente. Ellouise ficou o filme inteiro dizendo que essas pessoas não sabem o que estão perdendo de não assistir o filme da árvore, que esse filme não tem graça... Mas eu vi uma lágrima caindo do olho dela na hora em que o homem abandona a mulher para ir viver com uma prostituta! Eu vi que ela estava torcendo para que o mecânico super forte - que fica praticamente o filme inteiro sem camisa - procurasse pela moça! Eu vi nos olhos dela! Ela gostou do filme! E mais uma vez, eu digo: eu sei escolher filmes.
- Filme bosta - ela disse, assim que saímos da sala.
- Ah não! Eu vi que você gostou do filme! Você até chorou!
- Claro que não! É que o sal da pipoca foi no meu olho e ardeu.
- Aaah, pode falar, você gostou do filme. Admita.
- Tá, eu posso talvez ter entendido um pouco do enredo... Eu gostei, um pouco. Olha lá, a Stela, a Jojo, o Rick, o presidiário, a Ekena e o Anthony. Tenho certeza que a Stela tá gostando de você, e está usando o Rick pra me deixar com ciúme. Ridículo. Quer dizer, o Rick tá na sala dela de química e de artes... Ela tinha que me ajudar com ele, não me atrapalhar!
- Você quer namorar um rapaz mais jovem, minha jovem?
- Ah, ele é só um ano mais novo que eu. Aliás, qual é o problema? Meu horóscopo disse que esse mês eu tenho que focar na juventude. Isso pode querer dizer que eu tenho que focar em garotos mais novos. Ah, e o seu horóscopo diz que seu novo amor está mais perto de você do que você pensa. É claro que é a Stela!
- Espera, espera... Você viu o meu horóscopo? Você nem sabe meu signo!
- Sei sim. É aquário. Você nasceu dia 7 de fevereiro.
- Menina! Coméque você sabe disso?
- Você me falou.
- Ah é. Você quer ir lá, só passar perto...? O que quer fazer?
- Ela não quer jogar? Vamos jogar então! Meu jovem, você coloca a mão na minha cintura.
- Eu acho que estamos indo muito rápido, minha jovem. Eu nem sei seu signo, apesar de você saber o meu...
- Ai, menino, pelamor. Aliás, sou leonina. O horóscopo diz que eu sou o ponto de equilíbrio para você. Então a nossa amizade vai durar bastante, tá?
- Tá bom, pode ser.
- Nós temos que passar lá, fazer aquela cara de que tá feliz e não viu o povo na sorveteria, rir bastante e sair. Ok? - Assenti. - Então vamos, meu jovem.
Nós ainda estávamos à duas lojas da sorveteria, mas o povinho já esticou o pescoço e parou de falar, começando a olhar pra gente. Nós fingimos que não havíamos visto e continuamos andando e rindo. Super felizes. Aí eu percebo que a Ekena e o Anthony estão vindo atrás de mim. Já tô prevendo o que ela quer...
- Maninho! Está com uma nova namorada, parabéns! Bom, a primeira, né? E aí, como é que tá a vida?
- Fala logo o que você quer, Ekena. É dinheiro?
- Mas o que... É. Preciso de dinheiro.
- Pra que?
- É que ela vai comprar umas coisas e tals - Anthony disse. Não me lembro de ter perguntado algo pra ele.
- Ah, Anthony, o Théo não é dedo duro não. Podemos contar pra ele. Ó, eu preciso de dinheiro pra fazer uma tatuagem.
- Tatuagem? Você tem 14 anos.
- 15. Já fiz aniversário esse ano. Enfim... É que eu e o Anthony queremos fazer uma tatuagem de casal.
Me segurei para não rir.
- Vai fundo, mana. Eu pago a tatuagem dos dois! Vocês vão fazer agora? Porque eu quero presenciar esse momento.
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