*** Théo ***

- MAS COMO É ISSO? Não! NÃO PODE NÃO! PUTA MERDA!

Agora podia começar a chover no meu quarto, pra eu poder me ajoelhar e gritar "Nãããããããão". Mesmo sem chuva, eu ajoelhei e gritei, com o celular na mão.

Minha mãe abriu a porta do meu quarto e ficou me encarando até eu finalizar minha cena dramática.

- O que foi, Théo?

- OLHA ISSO, MÃE. NÃO PODE ISSO! COMO É QUE É ISSO? ISSO É... É ISSO! É ISSO QUE ACONTECE QUANDO EU FICO FORA DA ESCOLA!!! É ISSO AÍ!

- O que é isso, meu filho?

- É ISSO! - Mostrei o meu celular pra ela, com uma foto da Stela, com a Jojo, a Ellie... e o Rick! - Eu terminei com a menina faz um dia e o que acontece? ISSO! Já tá tirando foto com outro! Vagabunda! Mas a senhora quer saber de uma coisa? Eu fui gostar de uma pessoa e me ferrei! Agora tá todo mundo me zoando e me chamando de corno! Ah, mas eles vão conhecer o novo Théo! Ô se vão! Os capitães de time não têm essa fama de que pegam todas? Então, comigo não vai ser só fama não! Vou pegar tudo!

- Não é bem assim não! - meu pai gritou, do quarto dele. - Eu nunca tive essa fama aí!

- Filho, eu não te criei assim. E você e a Ellie terminaram? Eu nem conheci os pais dela! Pode parar com essas graças, Théo.

- É, acho que exagerei. Não vou pegar todas não, mãe. - Mentira!

- Nem em pensamento, meu filho. Arrasar corações não é legal. Boa noite. - Ela me deu um beijo na testa.

- Eu não vou dormir ainda, mãe.

- Mas eu vou. Anda, me dá boa noite também.

- Boa noite, mãe.

Ela saiu. Peguei um caderno e uma caneta e comecei a fazer uma lista de todas as meninas que eu pegaria. Pegaria não, que eu vou pegar. Não de nome, porque eu não lembro nem do nome da coisinha lá... É Marisol? Não, calma... Carol. É. Essa aí. Bom, essa aí é a primeira da lista. Depois eu coloquei: morena, ruiva, japonesa... Vou pegar todas.

***

Acordei com um barulho muito louco tocando. Fui ver meu celular e era... 5:30 da manhã! Quem é que acorda a essa hora? Meu pai, só pode ser.

- Théo! Levanta! - meu pai disse, aparecendo no quarto.

- Por que?

- Nós vamos caminhar.

- ÀS 5:30 DA MANHÃ?

- Sim!

- POR QUE?

- Porque você tem que adquirir hábitos mais saudáveis. Vamos.

- Não.

- Sim.

- Não.

- Sim.

- Não!

- Olha, garoto, não brinca comigo não. Eu vou... Eu vou... Tirar seu celular por um mês.

- Pode pegar. - Entreguei-o meu celular e ele ficou me encarando. - Tó.

- E vai ficar sem comida também! Vou te trancar aqui! Você vai morrer!

- Que bom.

Ele finalmente saiu e eu pude voltar a dormir... só que não. Meu pai pegou um balde cheio da água e jogou em mim. Molhou a minha cama, cara! Não pode molhar a minha sagrada cama! Dá nada não, vou dormir molhado mesmo.

- Théo! Perdi a paciência com você! Chega! A-ca-bou!

Meu pai começou a tirar os fios da minha TV e do meu videogame.

- Nossa, grande coisa. Tem mais umas cinco TVs aqui em casa. E ainda tem outra no meu quarto lá na escola. Pai, quer um conselho? Desiste. Vai caminhar sozinho. Nem precisa, você tá magro, tá bonito, se joga!

- Se não me engano, você já disse isso pra sua mãe.

- É minha frase pra animar os outros.

- E anima?

- Normalmente não. Tchau.

- Tchau não. Você vai caminhar comigo.

- Mas você é chato, hein? Tá, beleza. Mas tem que me emprestar essas... roupas fitness.

- Tá. Vamos no meu quarto. Me siga, jovem gafanhoto. E não acorde a sua mãe.

Nós fomos até o quarto dele e depois para o closet. Sem meu pai perceber, eu verifiquei se a chave estava na porta e sim, ela estava. Enquanto meu pai caçava um shorts pra mim, eu fechei a porta e o tranquei lá.

- Tchau, pai.

- THÉO HENRI MARTIN, ABRA ESSA PORTA AGORA!

- Grita mais, pai. Acorda a mamãe!

- Théo! Abre a porta!

- Não. Tchaaaau.

- Você trancou seu pai no closet? - minha mãe perguntou baixinho e eu assenti. - Garoto esperto. - Comecei a sair do quarto e ela logo completou: - Deixa a chave no criado-mudo. Daqui a pouco eu abro.

- Malvada.

- Ele está merecendo. Você tem mais uma hora e meia pra dormir, antes de ter que voltar pra escola.

- Tá. - Acho que não deu nem cinco minutos e minha mãe já me acordou de novo. - Você disse que eu tinha mais uma hora!

- Meu filho, já são 7:12. Levanta.

- Não!

- Não?

- Ah, quer dizer... Sim!

- Bem melhor. Vou fazer ovos com bacon.

Me arrumei em uns cinco segundos e desci, encontrando meu pai lendo jornal, com a cara emburrada. Ah, ele não tem coragem de me bater mesmo. Ele não estava mais com a roupa de caminhada, acho que desistiu. Que bom, né?

- Acho muito engraçado... - meu pai começou a falar - ...que você tranca a pessoa que paga suas mordomias no closet.

- A mamãe descobriu e te largou lá. A culpa não é só minha.

- Nego tudo - minha mãe disse, colocando o bacon na frigideira.

- Eu posso muito bem te tirar da escola, te deixar sem comida, te jogar pra fora de casa... Você não pensa nessas coisas, garoto? A Ekena eu já sei que é um caso perdido, agora você? Você, que sempre me deu orgulho, resolve se rebelar do nada? O que está acontecendo com você, Théo?

- Ah, pai, foi só uma brincadeira.

- VOCÊ SABE QUE EU TENHO CLAUSTROFOBIA! - Ele se levantou.

- Tssssssssssssssss. - Apertei seu braço.

- O que está fazendo, moleque?

- É que você pegou ar, então eu tô tirando ele.

- Eu vou te bater de cinto!

- Você só tem um cinto! E tá lá em cima!

- Então eu vou lá buscar. Você vai ver uma coisa.

Ele subiu e eu comecei a ficar desesperado. Já passei da idade de levar a primeira cintada. Preciso ir embora daqui logo. Peguei minha mochila e dei um beijo na minha mãe.

- Tchau, mãe.

- Espera, eu vou te levar.

- Não precisa, eu vou de ônibus.

- Você nunca pegou um ônibus na vida, Théo.

- Pra tudo tem uma primeira vez.

- Você vai se perder.

- Vou não. Tchau.

Ela estava certa. Eu fui parar do outro lado da cidade, cara. Eu sou sensacional. E agora? O que farei? E por que tem um cara de preto olhando pra mim? Não sei. Olha que coisa maravilhosa. Vai me roubar, certeza. Serei estuprado ou até mesmo morto e depois jogado aos pedaços no rio. Mas aqui não existe rio, então me jogarão no mato mesmo. Era pra eu estar me cagando de medo, mas por algum motivo eu tô encarando ele de volta. Aí ele começou a vir na minha direção e eu comecei a correr mais rápido que o Usain Bolt.