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Capítulo 7

"Depois de ser expulsa, passei a noite em casa da Bá. Apenas o João Pedro e a Francisca ficaram a saber onde eu estava. Eles foram "instruídos" pelos meus pais, para nunca mais falarem comigo. Porém apesar disso, eles vieram falar comigo. Fiquei a saber que os meus pais disseram a todos que eu a partir daquele dia estava morta, tal como o João David. Ouvir aquilo doeu, doeu muito. Contudo, o meu foco teria que ser os meus filhos a partir daquele momento.

Convidaram-me para ir para casa deles, mas eu não lhes queria arranjar problemas. A Kika queria porque queria levar-me para casa deles, mas eu não lhes podia arranjar problemas para eles. Ela estava grávida, e passar por stress era tudo o que ela não precisava. Disse-lhes que iria arranjar uma solução, que não sabia qual, mas que me iria arranjar. Eles acabaram por se ir embora, com a promessa de que se eu precisasse lhes diria.

Tudo naquele dia está gravado na minha cabeça e no meu coração. Nunca esqueci nem nunca esquecerei. O Taxista informa-me de novo que chegamos, e ao me ver de novo com lágrimas volta a perguntar se eu não queria ir para outro lugar. Balanço a cabeça, pago-lhe e saio.

Olho para a casa que uma dia chamei de lar. E agora olhando para ela, parece-me uma daquelas casas de gente rica, que tem tudo o que o dinheiro pode comprar e que para nós meros seres mortais nem ao fim de um ano de trabalho assalariado poderemos ter. Eu tive aquilo tudo, e pensando no que tive e no que tenho não o trocava por nada. 

O dinheiro facilita a nossa vida, claro que sim, mas aquilo que o ditado diz "Que o dinheiro não trás felicidade..." é bem verdade. Ele não nos trás a felicidade, porque a maior parte das vezes nós perdemo-nos no meio de toda a ganância de ter mais e mais. E esquecemo-nos do essencial: ser feliz. Olho de novo para os portões que me foram fechado e relembro de novo aquele dia...

"No dia seguinte, ainda em casa da Bá e depois de uma noite mal dormida, fui acordada pela Dona Amélia e por uma elétrica Lúcia. Deviam ser umas 9h00 da manhã, e o que eu mais queria era dormir. Mas aquelas duas teimaram que eu tinha que me levantar. O que fiz, bastante contrariada.

Saímos pelos imponentes portões do casarão e vi o Beto, namorado da Lúcia parado do lado de fora num carro. Pediram para eu entrar, o que eu fiz, apesar de estar super curiosa com tudo, eu tinha a certeza que eles estavam a esconder-me alguma coisa.

Chegámos a um prédio no centro da cidade, e depois de estacionarem o carro, mandam-me sair. Continuo sem perceber nada, mas sigo a Lúcia. Subimos no elevador e saímos no terceiro andar, ela vai até à porta, abre-a e manda-me entrar.

Bem vinda a casa.

O quê? Como assim?

Então, eu consegui um emprego aqui no centro, e ficava muito difícil eu conseguir chegar a horas morando lá no casarão. Falei com os meus pais e com a ajuda deles consegui comprar este apartamento. Não é muito grande, mas tem três quartos, dá perfeitamente para nós os quatro...

Espera, tu...tu estás a oferecer-me...

– Eu não estou a oferecer nada, estou a informar-te que vais viver comigo a partir de hoje.– E neste momento Beto chega com o porteiro com todas as minhas malas.– Eu quero mimar muito esses meus afilhados.

Eu não posso...Lúcia, eu não vou conseguir nem dividir as contas contigo neste momento. Eu preciso de arranjar um emprego, e tenho os bebés...

Com isso não te preocupes, "filha". Eu e a Lúcia já conversámos, as contas eu ajudo. E os bebés, sabes que qualquer coisa nós estamos aqui para te ajudar.

Olho para as duas e abraço-as. Elas não são nada meu, não temos uma célula em comum, mas são a família que eu escolhi. A família que o meu coração escolheu amar. Claro que depois de muitas lágrimas acabámos a rir e a discutir sobre "dinheiro". Eu fiz questão de pelo menos as despesas dos meus filhos serem assumidos apenas por mim. E ao fim de longos minutos conseguimos chegar a um consenso.

Os meses foram passando, e os meus filhos iam crescendo dentro de mim lindo e saudáveis. Ou pelo menos era isso o que eu pensava. Porém no dia do parto, devido à força extrema que fiz, tive uma crise asmática e acabei por perder os sentidos. O que complicou bastante o parto, e prejudicou o nascimento do meu Gui. Que acabou por ficar com algumas sequelas respiratórias.

Vim para casa apenas com a Amélia, deixando metade do meu coração no hospital. Ao fim de dois dias de estar em casa, os médicos perceberam que o Gui sempre melhorava quando eu o visitava com a irmã. Então decidiram "internar" Mia, para que o Gui conseguisse recuperar mais depressa. E o facto é que resultou. No final de um mês e meio os meus dois tesouros vieram para casa. Depois de algumas batalhas o meu guerreiro venceu a guerra, com a ajuda da sua fiel companheira."

Depois de sair do táxi, ele parte deixando-me sozinha em frente àquele portão. Ouço barulho vindo do lado da piscina. Há muitos anos, eu e o Diogo com uma tesoura conseguimos fazer umas falhas nos arbustos para podermos ficar a ver as festas que os meus irmãos mais velhos faziam de vez em quando. 

Assim que encontro uma dessas falhas, vejo na piscina: os meus pais e a minha irmã Teresa, gravidíssima de novo. Estão também minhas cunhadas: Francisca, Patrícia e Constança. Os meus sobrinhos andam por lá a correr para um lado e para o outro e meus Deus estão enormes.

Quando saí de casa, ou melhor quando me expulsaram de casa, apenas Francisco (filho do João Pedro) era nascido, tinha 4 anos. A minha cunhada Patrícia estava no final da gravidez, e seria mais uma menina, a primeira neta dos meus pais. Por sua vez Francisca estava mais ou menos do mesmo tempo que eu, e nessa noite em que tudo aconteceu descobrimos que seria o José Pedro a chegar.

Depois destes dois nasceram: o João Tiago, o António Maria, a Joana Maria e a Carminho. Penso nos meus meninos, como seriam felizes ao terem tantos primos para brincarem, sendo mais ou menos da mesma idade a Pilar e a Mia seriam como irmãs, e sei que o Gui ia adorar ter o Zé Pedro como companheiro de brincadeiras.

Mais uma vez as lágrimas me surpreendem ao cair, nem sei como tenho tantas lágrimas, acho que hoje desidrato. Mas é inevitável ao olhar para aquele cenário familiar, e não ter o desejo de querer voltar para ali. Apesar de tudo o que aconteceu, apesar do pouco tempo que os meus pais tinham quando estávamos juntos, quando estavam, nós éramos felizes.

Gostava de poder dar isto aos meus macaquitos, é tudo o que eu mais queria, dar-lhes uma família como eu tive: pais, avós, tios, primos. Mas, eu sei que é algo que eles talvez nunca tenham e isso é o que mais doí, observar a "minha família" ali toda junta na piscina, e saber que que os meus filhos não têm isto.

Saio dali e ligo para a Bá, preciso de falar com ela, preciso dela. O telefone toca e só ao terceiro ou quarto toque ela atende.

"– Minha Princesa, o que se passa não devias estar a trabalhar. Alguma coisa com os meus bebés?"

"– Bá...eu...eu preciso de ti...estou cá fora da casa...preciso de ti "mãe"..."

"– Princesa estás a assustar-me. Hoje é complicado sair daqui, os teus pais e os teus irmãos estão em casa, e as tuas cunhadas também."

"– Eu sei...eu vi-os na piscina.– soluço a chorar...– Bá por favor...eu vou para a tua casa...só preciso de um pouco de colo..."

"– Ok, vou abrir o portão de entrada dos empregados, se eles ouvirem alguma coisa eu digo que foram as compras. Mas vais directa lá para casa, nada de espreitares a piscina de novo, se eles te veêm...nem quero pensar."

"– Eu vou, não te demores por favor Bá...preciso de ti..."

Assim que o portão abre, eu entro e caminho para casa da Bá. A porta como sempre está aberta, sento-me no sofá, e encolho-me como fazia quando em criança e me ia esconder "nas saias da Bá". Era raro, mas por vezes eu gostava de chatear os meus irmãos, e para não me apanharem eu ia para casa da Bá. Outras vezes, quando vinham aquelas tempestades com relâmpagos e trovões, de que eu tinha pavor, lá ia eu para debaixo das saias da Bá.

Medo. Será medo o que sinto hoje? Não. Não é o que sinto hoje. Estou mesmo apavorada com o que se vai passar daqui para a frente. Como é que vou pagar as despesas? Como é que eu vou pagar a escola da Mia e do Gui? O seguro de saúde que fiz quando eles nasceram?

Para além de todas as outras despesas inerentes a duas crianças: roupa, calçado, comida, leites, fraldas, remédios. Já não consigo evitar que as lágrimas me caiam de novo e nem quero. Dizem que as lágrimas limpam a alma, estou a precisar de lavar a minha.

Por isso não evito que elas caiam e me lavem a alma, ou qualquer coisa que tenham que lavar. Estou tão cansada de sofrer, de lutar. Para quê? Eu podia ter uma família, podia dar tudo de bom aos meus filhos, mas não, a vida destruiu-me, os meus pais destruíram-me.

Aqueles que me deviam amar e proteger, foram os que me destruíram de vez. Se eles sonhassem quem é o pai dos gémeos. Se eles sonhassem que quem me magoou está tão próximo de mim, de nós.

As lágrimas escorrem-me, de repente sinto uns braços a abraçar-me. Nem preciso de olhar eu sei quem é: a minha Bá. Aquele gesto tão simples, era tudo o que eu precisava: aquele abraço, aquele carinho. Apenas um gesto, um carinho para desabar de vez.

O amor está nestes gestos simples de abraçar forte, de deitar a nossa cabeça no ombro de quem se ama ou num simples "cafuné". Às vezes é o que basta, e sem ser preciso dizer "Relaxa, eu estou aqui." Os gestos de carinho têm o poder de mudar tudo quando chegam no momento certo. Os gestos são o reflexo do amor que sentimos pelos outros.

Porque o amor nasce de um simples gesto de carinho ou do elo que os liga. O amor é o sustento para todos que o querem viver. Vivê-lo com intensidade, vivê-lo com o mais profundo do íntimo que existe dentro de cada ser, pois, ele é como uma fonte de água que jorra e transborda mais e mais dentro de cada coração. Ele não é limitado, ele é infinito. Não importa que tipo de amor, se já conquistado ou se já definido, o importante é que no fim o que prevalece é o amor.

O amor está nas pequenas coisas. Na delicadeza de um gesto, num simples olhar. O amor está, muitas vezes, aonde menos esperamos: numa amizade sincera, num sorriso doce. O amor está dentro de nós, no abraço amigo, no ser feliz sem saber o porquê. O amor está em tudo que fazemos, numa simples ajuda, num aperto de mão, num abraço verdadeiro, no respeito ao próximo.

O amor existe no simples toque, na sensibilidade das palavras, no carinho mais puro e no nosso coração. O amor não é algo impossível de sentir, ele está em algum lugar que se "toque" com gestos de candura, basta acreditarmos e seguir o  nosso coração.

Saber que gostam de nós é o que muitas vezes nos mantêm em pé nos maus momentos. Às vezes o que nos salva é algo tão simples como um gesto de carinho. Um pouco de carinho pode encher um coração de felicidade. É incomparável o sentimento que surge ao sermos conscientes de que alguém nos quer bem, que se preocupa connosco e que somos tão importantes, a ponto de gastarem seu tempo para pensarem e se preocuparem connosco. 

E ali nos braços daquela que sempre me apoiou eu me sinto amada, protegida, cuidada. O ar começa a faltar, já nem chorar eu consigo. Sempre que me descontrolo aparece a maldita asma, para piorar eu não trouxe a bomba comigo. Sinto as vias aéreas cada vez mais fechadas...

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