Capítulo 6
Os meus pais não souberam reagir com tudo o que aconteceu, apenas me deixavam em casa com a Bá, e mandaram-me a uma psicóloga.
Quando descobri a gravidez fiquei em pânico. Sempre ouvi os meus pais dizerem que todas as vidas importavam. Contei à Dra. Marta e à Ba e elas ajudaram me a perceber que aquela vida, que eu estava à espera seria uma bênção.
Tentei esconder a gravidez, até conseguir, mas como médicos os meus pais perceberam rapidamente,e a casa ia caindo literalmente.
E apesar de saberem que tinha sido o resultado do que me aconteceu, a única solução viável para eles era o aborto, nem a minha opinião quiseram ouvir. Mesmo eu já sabendo quem tinha sido, nunca lhes disse. Era asqueroso demais de dizer, ou mesmo de pensar. A única pessoa que sabia de tudo, para além da psicóloga na altura, foi a Bá.
Ainda me lembro daquele dia em que os meus pais chegaram a casa e anunciaram que eu teria uma consulta no dia seguinte para acabar com o "meu problema".
"Estou no quarto, a tentar estudar. Sim a tentar, porque a única coisa que me vem à mente é aquele momento, há mês e meio atrás. Coloco as minhas mãos na barriga, e parece-me surreal ter algo dentro de mim a crescer.
Que já tem um coração que bate junto do meu, sim já fiz uma ecografia, fez parte de algo que a Dra. Marta Lima, a minha psicóloga, chamou de "Cair na realidade". De repente a porta abre-se e a Doutora Pilar, vulgo a minha mãe, entra.
- Diana Maria, amanhã não tens psicóloga. Marcámos uma consulta com uma outra médica.
- Mas, por quê? Eu gosto da Dra. Marta. Não quero outra.
- Não vais trocar de psicóloga, apenas vais a outra médica. Não temos muito tempo para resolver isso aí, então já está marcado.
- Resolver o quê? Mãe do que é que estás a falar?
- Não te faças de burra, porque sei que isso tu não és.- Fico a olhar para ela, sem perceber bem o que ela quer dizer...- Aborto.
- NÃO...- Gritei colocando instintivamente as mãos no meu ventre, como se daquela forma eu pudesse proteger o meu bebé.
- Isto não está em discussão Maria Diana. Estás de quase de oito semanas, quanto mais depressa o fizeres melhor.
- NÃO. Eu não vou fazer, eu não quero.- Digo já a chorar, agarrada à minha barriga.
- TU não tens "querer" neste assunto Diana Maria. Vais fazer o aborto e ponto final.
- Não, mãe por favor. Tu és médica, como é que podes matar um bebé? Ele é teu neto, tal como o Kiko.
- ISSO, nunca irá ser meu neto ouviste bem. E vais amanhã tratar do assunto, e acabou a conversa.
E assim ela saiu do meu quarto deixando-me sozinha, eu estava sem acreditar no que a minha mãe se transformara. Ela nunca foi uma mãe carinhosa, até porque ela culpava-me pela morte do João David, mas era uma vida que ali estava e sendo médica era sua obrigação lutar por todas as vidas.
No dia seguinte, fui com a Bá até ao hospital. Pedi para irmos mais cedo, com alguma sorte eu conseguiria falar com a Dra. Marta antes da hora em que tudo iria descambar de vez na minha vida.
Graças a Deus, ela estava no gabinete e não estava a ter consulta naquele momento. Contei-lhe o que se estava a passar e como uma mãe ela acompanhou-me até à dita "consulta" e falou com o médico.
Como eu previa a minha mãe "ameaçou" o médico. Contudo, a Doutora Marta "ameaçou-o" de volta, e combinámos que para todos os efeitos ele tinha cumprido a sua função. Para que ninguém suspeitasse de nada, assim que chegámos em vez de ir para a minha casa fui para a casa da Bá.
Só apareci em casa já era noite dizendo que estava tudo resolvido. E voltei a ter que esconder a gravidez o máximo de tempo que me foi possível. O que não foi fácil porque para além dos enjoos horríveis que tive, a minha barriga aos dois meses parecia que estava de quatro.
O que de certa forma me ajudou a esconder foi o facto dos meus pais simplesmente ignoravam a minha presença em casa, era como se eu tivesse morrido, junto com o bebé. Sempre achei que eles teriam preferido que eu tivesse morrido quando nasci.
Os meus irmãos ignoravam-me, exceto o João Pedro. Ele conversava comigo, tentava animar-me. Dizia que um dia iria encontrar alguém e teria mais filhos. A Kika irritava-se com ele quando ele me dizia aquilo, chegou a ameaçá-lo que se continuasse a falar daquela forma, quem nao teria mais filhos era ele.
Mas quem me conseguia tirar do meu mundo de tristeza era o Kiko. Ele era o único que me fazia sorrir, o único que me fazia sair do quarto nos primeiros meses."
Lembro-me também do dia em que eles descobriram que afinal eu tinha mentido, e que ainda estava grávida. Nesse dia iríamos ter um jantar para anunciar o sexo do mais novo bebé da família, filho do João Pedro e da Francisca. Nesse dia eu estava num turbilhão de sentimentos: feliz por eles, mas triste porque os meus bebés não teriam nada disso.
"Estava no meu quarto, em frente ao espelho a olhar para a minha barriga enorme de cinco meses. Até hoje eu tinha conseguido disfarçar a gravidez com camisolas grandes e largas. Depois do que aconteceu eu nunca mais consegui vestir roupas justas ou apertadas, tudo era largo, então ninguém nunca me questionou por isso.
- Eu gostava tanto que vocês tivessem tudo o que o vosso primo ou prima está a ter. Mas o mais importante, é que eu amo-vos, e sempre vou fazer tudo por vocês.
- TiDi...- E um mini torvão entra pela porta adentro, abaixo a camisola e viro-me.- Tava com saudades.
- Oi meu principe. A tia também estava a morrer de saudades.
- Tavas a fazer?
- A acabar de me arranjar, e os teus pais onde estão?
- Não sei...eu subi logo.- E sorri...- Acho que a vovó ficou zangada comigo.
- Tu não falaste aos teus avós?- Ele nega e dá uma sorriso malandro...- Kiko, isso não se faz. Desce agora e vai pedir desculpa ao avô e à avó.
- Mas...
- Francisco Maria da Cruz Salles Galvão Telles.- a voz do meu irmão irrompe pelo meu quarto...- Lá para baixo, falar com os teus avós e depois falamos.
- TiDi...- era sempre assim, o meu irmão zangava-se e ele virava-se para mim, para tentar escapar do castigo, mas desta vez ele errou e eu não posso ficar do lado dele.
- Desculpa Kiko, mas o teu pai desta vez tem razão. O avô e a avó são mais velhos, esta é a casa deles, e temos que os respeitar como tal.
O meu principe sai, com lágrimas nos olhos, o que me quebra o coração. Olho para o meu irmão, e dou-lhe um sorriso. Ele aproxima-se, dá-me um beijo na testa e sai, pedindo-me para não demorar muito uma vez que a família já estava toda na sala.
A noite vai passando, e estou morta por ir para a cama, os meus pés estão inchados e a minha cabeça está a doer com o barulho que esta família faz quando se junta. Depois do jantar, finalmente chegou a hora de sabermos se iremos ter um menino ou uma menina a mais na família.
E foi nessa altura que tudo aconteceu, depois do bolo cortado e de vermos o recheio azul do bolo, a minha cabeça começou a rodar, nem tempo tive para me sentar e só me senti a cair.
Quando acordei estava no meu quarto, senti carinhos na testa. Abri os olhos e vi a Kika com lágrimas nos olhos. A primeira coisa que pensei foi: aconteceu alguma coisa com o bebé deles. Mas, aos poucos as lembranças vieram: eu desmaiei, estou no meu quarto, deitada e com outra roupa. A Kika está a chorar, ouço os gritos dos meus pais, a voz do João Pedro a tentar acalmá-los. Levo a minha mão para o meu ventre. Eles descobriram.
- Eles estão furiosos. Por que é que não me contaste? Por que é que me escondeste Di? Achas que eu faria o que eles...
- O que é que eles me vão fazer? O que é que eles vão fazer aos meus bebés? Kika, não deixes. Por favor não os deixes fazer mal aos meus filhos. Por favor...
- Filhos?- Ela olha para mim, com um sorriso leve, mas um sorriso...- São gémeos Di?
- São. O que vai acontecer comigo?
- Eu não sei Di, só sei que o Pedro está lá em baixo a tentar acalmar toda a gente.
- O Kiko? Onde está o Kiko?
- Ele foi para casa com os meus pais. O teu irmão queria que eu fosse junto, mas eu não te podia deixar sozinha, sei bem como é a tua mãe.
- Ela vai matar os meus filhos, nem que para isso ela me mate também.
Eu só sabia chorar, agarrada ao meu ventre, tentando encontrar uma forma de enfrentar tudo e todos. Podia enfrentar a minha mãe, dizer quem era o pai dos meus bebés, que afinal a família tão tradicional e seguidora dos mais altos costumes, não era assim tão santa. Mas valeria a pena, eles nunca iriam acreditar em mim.
Assim que me acalmei, levanto os olhos e decido fazer algo que nem eu sei se estou preparada. Levanto-me, pego numa mala e começo a colocar roupa minha e dos bebés que entretanto eu fui comprando ou que a Bá e a Lúcia me foram oferecendo. Não sei o que vai acontecer, mas se os meus pais não me apoiarem, eu tenho que estar preparada para o pior. Assim que termino, visto-me, e já nem tento esconder a barriga.
Assim que chego à sala, todos se calam. O silêncio é ensurdecedor, caminho até aos meus pais de cabeça erguida e a tentar que as lágrimas não me caiam. Quando estou perto, vejo a minha mãe a vir ter comigo furiosa, já com a mão levantada, espero pela dor. Porém ela não vem, em vez disso um grito...
- Pilar.- É a voz do meu pai.- Nunca lhes batemos, e não vai ser agora que vamos começar.- A minha mãe tenta argumentar, mas apenas com um olhar ela recua...- Diana, sabes o que acabaste de fazer?
- Eu...eu não fiz nada. Vocês são médicos, juraram defender sempre a vida humana, e queriam matar o vosso neto. Um ser que não pediu para ser gerado, que foi feito num acto de violência.
- Precisamente por isso. Nesses caso quer a justiça quer a medicina permitem o término da gravidez...
- E a minha opinião!? E o que eu quero!? Ninguém aqui me perguntou como eu me sentia. Ninguém desta família se quer se importou em como me senti depois do que aconteceu, depois do que aquele desgraçado me fez.
- Diana, querida tem calma. Tu não podes ficar nervosa, pode fazer mal para o bebé.- A minha avó tenta acalmar-me, mas a raiva ainda fica maior.
- Agora preocupam-se comigo? Agora estão preocupados com os meus filhos? Onde é que estava essa preocupação no dia em que me viram no hospital, desfeita, destruída?
- Foi tudo muito difícil para todos e...espera disseste filhos!? São gémeos!?
- Difícil avó? Não, não foi difícil. Foi como viver no inferno todos os dias, e o pior foi não ter o apoio da minha família. Mas, eu não podia esperar por isso certo? Porque na verdade eu nunca o tive. E sim são gémeos.
- Chega Diana. Falaste o que quiseste, agora sou eu a falar. Nunca te faltou nada, sempre te demos tudo. E tens razão como médicos nós preservamos a vida, mas como pais nós não podíamos deixar-te arruinar o teu futuro. Uma Galvão Telles grávida de um...um...e solteira. Nunca, nós não podíamos permitir isso.
- Chega...- A minha mãe diz...- Estou cansada de toda esta conversa. Diana tens duas hipoteses neste momento: tens essas crianças e colocas para adopção, ou sais pela aquela porta e não voltas nunca mais. A escolha é tua.
- Entre a minha família, que nunca foi, e os meus filhos? É essa a escolha que me estão a dar?
- Sim.- Diz a minha mãe secamente.
- Não há nem o que pensar. A escolha é óbvia, mãe.- Viro costas, subo as escadas, vou ao meu quarto, pego na mala que fiz, na minha mochila e com algum esforço desço de novo as escadas.- Eu sempre vou escolher os meus filhos."
E assim fui "expulsa" da minha casa, e da minha família. Porque escolhi O Melhor de Mim.
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